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2 CIÊNCIA DA INFORMAÇÃO E MÚSICA

2.2 Representação da informação musical

As discussões sobre o teor informacional da música no início deste capítulo remetem ao problema da sua representação. De fato, as evidências mais claras são de que as características da música podem apenas serem descritas em termos musi-

cais, porque os significados são mais intimamente relacionados aos aspectos cogniti- vos e emocionais do ouvinte.

A dificuldade de representação é um problema que envolve o processo de construção de sistemas de processamento e recuperação musicais, porque esses demandam alguma estrutura interna que seja o mais compatível com as visões ou desejos dos usuários.

É sabido que os usuários formam significado musical a partir de uma aborda- gem top-down, ou seja, de frases mais amplas da música (como a melodia) para os elementos mais simples como o pitch, por exemplo. Por outro lado, os projetistas têm produzido sistemas segundo uma abordagem botton-up modelando a música à partir de elementos mais simples, como os atributos do som, até se chegar a elementos mais amplos. Lesaffre (2006, p. 4) argumenta que essas visões distintas nem sempre se compatibilizam e por isso os usuários não conseguem utilizar muitos dos sistemas musicais disponíveis.

Se há esse contraste entre visões do problema, é porque não há relação direta entre conteúdo e características internas da música. Orio (2006, p. 9) relata um estu- do comparativo de conteúdos internos de várias músicas cujos títulos contêm um mesmo conceito explícito como dor, morte ou tempestade. Os resultados mostraram que não há relação alguma entre os atributos internos dessas músicas e, portanto, muito provavelmente o usuário não será capaz de reconhecer a semântica de uma música só por ouvi-la23.

Percebe-se que a terminologia usada no domínio da música refere-se apenas à estrutura da obra ou às suas características globais, mas nunca ao seu conteúdo. É por isso que termos como “B-menor”24, “concerto” e “música dançante” referem-se a características da música e não são suficientes para discriminar entre as centenas de milhares de diferentes concertos, baladas e músicas dançantes existentes. Este é apenas um dos problemas diretamente ligados com a identificação de necessidades

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Existe um tipo particular de música, chamada música programática, onde o título sugere um significado para o leitor e o conteúdo normalmente consta de uma sucessão de ações, situações, imagens ou idéias (MICHELS, 2003, p. 143). Não obstante, é uma tarefa difícil para o leitor adivinhar o texto que inspirou um trabalho musical (ORIO, 2006, p. 9).

de informação musical de usuários e que serão abordadas mais adiante, a partir do Capítulo 3.

Apesar de sua natureza conceitual nebulosa, é possível fazer uma análise da música e das suas formas atuais de representação procurando associá-las a uma de- finição clara daquilo que se deseja. Por exemplo, música é um conjunto de notas que estão grafadas numa partitura ou é uma performance25 musical ouvida a partir de um CD? No primeiro caso, ela é uma melodia consistindo de notas, durações associadas e os pitches que são suficientes para a compreensão do leitor. No entanto, é evidente que essa representação não consegue captar o que os usuários estão ouvindo e o que estão entendendo daquilo que está sendo escutado, principalmente se esses ou- vintes não possuem formação musical. No segundo caso, é um emaranhado de sinais desorganizados, de difícil leitura, mas com grande significação para quem está ouvin- do. Portanto, esquemas de representação devem considerar as diferentes interpreta- ções sobre música, para garantir eficácia.

Percebendo as músicas como formadas por uma ou mais das facetas descritas por Downie (2003-a, p. 297-301), idealmente um bom esquema de representação de- veria comportar os seguintes elementos:

(i) Pitch – Qualidade percebida de um som que é principalmente associada à sua

freqüência fundamental. Nessa faceta estão descritas noções de representa- ção gráfica do pitch, a noção de tonalidade, notas, intervalos e outros aspectos relacionados à melodia.

(ii) Temporal – Informação associada à duração de eventos musicais como a har- monia, o pitch e acentos, incluindo elementos ligados ao ritmo.

(iii) Harmônica – Informação relacionada à músicas polifônicas, onde dois ou mais

pitches são tocados ao mesmo tempo. Nessa faceta estão citados elementos

de informação sobre acordes e eventos harmônicos.

(iv) Timbral – Compreende todas as informações associadas ao espectro do sinal – que não é nem o pitch e nem a intensidade do som – mas que permite caracte- rizar diferentes instrumentos musicais.

(v) Editorial – Informações sobre instruções de execução das músicas, incluindo articulações, instruções dinâmicas que caracterizam vigor na execução e o uso de notações e simbólos.

(vi) Textual – Informações sobre letras presentes em músicas populares, árias (tre- chos de óperas), corais, hinos e sinfonias.

(vii) Bibliográfica – Informações relacionadas aos metadados tradicionais de músi-

cas, como o título da obra, autor, gravadora e discografia.

Apesar de completos, esses atributos estabelecem um grau de dificuldade para representação, já que cada faceta citada possui, por si só, uma complexidade ineren- te. Por exemplo, a faceta temporal pode ser relativa ou absoluta e a representação musical deve refletir essa complexidade. Uitdenbogerd (2000), Selfridge-Field (1997), Baummann, Pohle e Shankar (2004) e outros pesquisadores, há algum tempo vêm defendendo que a música necessita de mais de uma forma de representação para que possa ser bem compreendida e identificada. Byrd (2007-b) vai mais além, afir- mando que essas representações devem ser colaborativas, necessárias e suficientes para garantir a sua formalização como informação musical passível de tratamento, recuperação e disponibilização aos usuários.

Mesmo não havendo esquemas de representação de acordo com as facetas estabelecidas por Downie, há consenso na comunidade científica MI/MDL de que a música possui formas básicas de representação capazes de, em conjunto, identifica- rem uma obra musical. Essas representações básicas são: (i) o áudio, (ii) a notação baseada em eventos temporais, e (iii) a música anotada (Figura 2.8).

A música pode ser descrita pelos sinais analógicos (sinais naturais gerados pe- la natureza ou produzidos pelo homem) ou digitais (sinais gerados artificialmente para a forma binária) e que representam aquilo que se ouve. Como forma de representa- ção, o áudio possui duas características interessantes. A primeira delas é a capacida- de de expressar a mensagem contida num objeto musical, conseguindo traduzir fiel- mente quase todo tipo de música compreensível à mente humana. Uma segunda ca- racterística do áudio é a sua falta de estrutura, enquanto esquema de representação, já que as informações armazenadas são ondas senoidais e harmônicos que com- põem a música.

Áudio

Notação baseada em eventos temporais

Música anotada

Figura 2.8: Representações básicas da música

Fonte: Byrd (2007-b)

O segundo tipo de representação para a música é a notação baseada em e- ventos temporais que são instruções compreensíveis por sintetizadores26 para produ- ção artificial de sons (ou seja, não são sons recuperados da natureza, mas sons no- vos, gerados a partir do próprio sintetizador pelo uso de técnicas de amostragem) re- lativos ao objeto musical. Por ser um conjunto de instruções relacionadas à produção sonora, essa forma de representação possui expressividade e estrutura. No caso da expressividade, pode-se considerá-la menor do que no caso do áudio, uma vez que sintetizar sons como a voz humana, por exemplo, ainda é uma realidade distante. Em termos de estrutura, a notação baseada em eventos temporais também deixa a dese- jar, uma vez que não consegue representar todas as facetas da música, tais como o aspecto gráfico (partitura) e nem mesmo alguns aspectos lógicos como, por exemplo, a diferença entre um Fá sustenido27 em relação a um Sol bemol28. Portanto, diz-se

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Sintetizadores são equipamentos capazes de converter outras modalidades de energia em energia sonora, por um processo conhecido como síntese sonora. Como exemplo de sintetizador analógico, pode-se citar o Dyna- mophone (SERRA, 2002, p. 26-27). Sintetizadores mais modernos são digitais e geralmente são contidos em placas de som de computadores pessoais.

que essa representação é semi-estruturada, por não conseguir armazenar todos os atributos da música, e semi-expressiva, por não conseguir expressar qualquer tipo de música29.

A terceira forma de representação musical refere-se à música anotada (cujos símbolos foram descritos na seção 2.1.1), que é uma notação complexa e com uma generalidade estrutural bastante significativa. Segundo Selfridge-Field (2000), a nota- ção CMN sobreviveu ao longo dos séculos por causa da sua flexibilidade e habilidade em comunicar as intenções do compositor. Apesar de não ser capaz de expressar fielmente qualquer tipo de música como, por exemplo, as músicas eletrônicas, a mú- sica anotada é uma representação que prioriza a legibilidade, possui uma sintaxe que visa economizar espaço para descrever as músicas e permite a reprodução de textos musicais por qualquer pessoa que seja capaz de compreender esse tipo de notação.

Byrd (2007-b) elaborou um gráfico (Figura 2.9) para expressar a relação entre a completude de expressividade musical e a generalidade estrutural dessas três formas de representação musical.

Figura 2.9: Completude de expressão e generalidade em representações musicais

Fonte: Byrd (2007-b)

A completude de expressividade refere-se a quanto de expressão (para qual- quer tipo de música) um determinado tipo de representação contém. A generalidade estrutural refere-se ao quanto a representação consegue se aplicar a qualquer tipo de 28

O bemol é usado na CMN para abaixar de um semitom a nota que está à sua direita. 29

Por exemplo, num som sintetizado é possível representar facilmente a melodia de uma música, mas é difícil representar essa mesma música sendo executada por diferentes músicos.

música. Portanto, o áudio é a representação de maior expressividade para qualquer tipo de música, enquanto que a notação simbólica consegue representar uma quanti- dade maior de músicas, mais especificamente músicas clássicas, jazz e outros estilos populares de música ocidental. Como nenhuma dessas representações isoladamente consegue absorver toda a expressividade e estrutura de qualquer tipo de música, B- yrd (2007-b) sugere a utilização conjunta dessas três representações para garantir a correta representação e individualidade dos objetos musicais.