• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I – CONTEXTUALIZAÇÃO DA PESQUISA

1.3 Etnografia virtual

Utilizada inicialmente por antropólogos, com a finalidade de descrever culturas desconhecidas, a pesquisa etnográfica vem sendo repensada por estudiosos das Ciências

Humanas e Sociais desde os anos 1980, em busca de legitimidade e representatividade científicas (CHIZZOTTI, 2006).

Atualmente, conforme aponta Chizzotti (2006, p. 71), a pesquisa etnográfica caracteriza-se pela

[...] descrição ou reconstrução de mundos culturais originais de pequenos grupos, para fazer um registro detalhado de fenômenos singulares, a fim de recriar as crenças, descrever práticas e artefatos, revelar comportamentos, interpretar os significados e as ocorrências nas interações sociais entre os membros do estudo.

Assim sendo, uma das principais propriedades da pesquisa de tipo etnográfico é a inserção do pesquisador no campo durante um período de tempo considerável, “[...] partilhando de suas práticas, hábitos, rituais e concepções, sem pré-julgamentos ou preconceitos pessoais para compreender a cultura dos grupos” (CHIZZOTTI, 2006, p. 71-72). Outra particularidade da etnografia diz respeito à geração de dados, realizada a partir de uma variedade de estratégias e uma diversidade de técnicas: a triangulação. Cançado (1994, p. 57) esclarece que a triangulação consiste no “[...] uso de diferentes tipos de corpus, a partir da mesma situação-alvo de pesquisa, com diferentes métodos, e uma variedade de instrumentos de pesquisa”.

Cançado (1994) elucida que a triangulação não ocorre apenas no âmbito do corpus da pesquisa, existindo também as triangulações teórica, do investigador, metodológica e múltipla.

A triangulação teórica implica o uso de várias perspectivas diferentes na análise do mesmo corpus. [...] A triangulação do investigador é o uso de mais de um observador no campo da pesquisa. [...] A triangulação metodológica pode ser feita de duas maneiras. Uma seria intra-métodos: o observador emprega variedades do mesmo método. E a outra maneira seria inter-métodos: o observador emprega vários métodos. A triangulação múltipla é a combinação de múltiplos métodos, vários tipos de corpus, vários observadores e teorias dentro de uma mesma investigação (CANÇADO, 1994, p. 58).

Esses pressupostos são aplicáveis, especificamente, a pesquisas de campo em que as interações são estabelecidas face a face, isto é, presencialmente. Contudo, em um mundo circundado pela tecnologia, grupos de estudiosos ao redor do planeta11, nos quais nos 11 Esses grupos estão vinculados a instituições holandesas (a exemplo do grupo Virtual Knowledge Studio – VKS – da The Royal Netherlands Academy of Arts and Sciences – KNAW), alemãs (tal como o grupo Forum:

incluímos, questionam se a pesquisa etnográfica pode ser utilizada para investigar comunidades, práticas e culturas sitiadas na internet – a cibercultura.

Hine (2000), pioneira nessa área, sugere a prática da Etnografia virtual (ou ainda netnografia, etnografia por meio da internet, etnografia conectiva, etnografia da rede, etnografia digital e ciberetnografia), sustentada em duas perspectivas complementares: a

internet como cultura e como artefato cultural.

Neste estudo, adotamos a pesquisa etnográfica virtual da existência de uma afinidade entre o nosso objeto de estudo e as questões de pesquisa levantadas por esse tipo de pesquisa, a saber:

- Como os usuários da internet entendem suas capacidades? Qual o significado do uso da internet para eles? Como eles entendem as capacidades da internet como meio de comunicação, e a quem eles percebem como sendo seu público?

- Como a internet afeta a organização das relações sociais no tempo e no espaço? É diferente das formas nas quais a “vida real” está organizada? E, nesses casos, como os usuários conciliam ambas?

- Quais são as implicações da internet quanto à autenticidade e à autoridade? De que forma as identidades são realizadas e experienciadas, e como ocorre o julgamento da autenticidade?

- O “virtual” é experienciado de uma forma radicalmente diferente e separada do “real”? Há um limite entre o on-line e o offline? (HINE, 2000, p. 8).

Conforme explica a pesquisadora, a principal distinção entre as pesquisas etnográficas tradicional e virtual diz respeito à relação espaço-temporal. Se antes o pesquisador situava-se, presencialmente, no espaço e no tempo de uma comunidade específica para descrever sua cultura, na netnografia12 isso não ocorre, pois o “campo” perde suas características físicas, tornando-se um texto na tela do computador.

Na opinião de Hine (2000, p. 63-65), a pesquisa etnográfica virtual sustenta-se em 10 princípios:

Qualitative Social Research – FQS, de Berlim), inglesas (o projeto The Virtual Ethnography: Online Social Research, ligado à University of Surrey), norte-americanas (o projeto Digital Ethnography, na Kansas State University) e brasileiras (Escola do Futuro da Universidade Federal de São Paulo).

12 O termo “netnografia” é utilizado, por alguns estudiosos, como sinônimo de “etnografia virtual” e diz respeito à etnografia utilizada para investigar comunidades on-line (KOZINETS, 1997).

1) A presença permanente de um etnógrafo no campo, combinada com o desenvolvimento intensivo na vida cotidiana dos habitantes desse campo, produz o tipo especial de conhecimento que nós chamamos etnográfico [...] O status da Internet como meio de comunicação, como um objeto dentro da vida das pessoas e como um lugar para formações do tipo comunitárias, é alcançado e sustentado nas formas do seu uso, interpretação e reinterpretação. 2) [...] As mídias interativas tais como a Internet podem ser entendidas tanto como cultura como quanto artefato cultural [...]. 3) [...] Nós podemos utilmente pensar na etnografia a interação mediada como móvel em vez de multissituada. 4) [...] O objeto da investigação etnográfica pode ser remodelado ao nos concentrarmos sobre o fluxo e a conectividade em vez da localização e fronteira como princípio de organização. 5) [...] O desafio da etnografia virtual é explorar a construção de fronteiras e a construção das conexões,especialmente entre o ‘virtual’ e o ‘real’ [...]. 6) [...] A etnografia virtual é intersticial, no sentido de que ela cabe dentro de outras atividades tanto do etnógrafo como dos assuntos [...]. 7) A etnografia virtual é, necessariamente, parcial [...]. 8) A etnografia virtual pressupõe envolvimento intenso com a interação mediada [...] O envolvimento do etnógrafo com o meio é uma fonte valorosa de introspecção [...] e de dimensão reflexiva [...]. 9) [...] A modelagem do objeto etnográfico como é tornada possível pelas tecnologias disponíveis é a etnografia. Esta é a etnografia no, do e por meio do virtual. 10) [...] É uma etnografia adaptativa que começa a se apropriar das condições nas quais ela se encontra.

O quinto princípio, isto é, a possibilidade de realizar pesquisas etnográfico-virtuais com o objetivo de explorar a constituição de fronteiras ou a construção de conexões entre o real e o virtual, muito nos interessa, em razão de investigarmos um duplo ambiente de pesquisa – um curso semipresencial de formação de professores –, apontando para a possibilidade de perceber as conexões entre os encontros reais (presenciais) e os virtuais (a distância) e as implicações dessas conexões para a mudança nas práticas de leitura de escrita digitais de professores em formação continuada.