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3 REVISÃO DE LITERATURA

3.5 EVASÃO ESCOLAR: UM PROBLEMA QUE DEVE SER DISCUTIDO

Considera-se que a educação se constitui um campo bastante complexo, por isso a necessidade de constantes investigações a seu respeito. Por conseguinte, muitos são os problemas que permeiam o sistema educacional e, dentre tantos, tem-se o abandono escolar. A despeito disto, os debates sobre a evasão têm como ponto central duas vertentes: tanto o papel da família, quanto o papel da escola acerca da vida escolar do indivíduo.

A evasão, no país, não se constitui num problema restrito apenas a algumas unidades escolares, mas atinge o Brasil em nível macro e ocupa papel relevante nos debates e pesquisas educacionais no contexto educacional brasileiro. De forma geral, os estudos analisam a evasão a partir de duas possibilidades de explicações: fatores extraescolares e fatores intra- escolares.

Visando investigar as causas para a evasão escolar no IFMA, far-se-á, preliminarmente, um esclarecimento sobre a organização escolar a partir de diferentes análises sociológicas, haja vista entender-se que subjaz à escola concepções da sociedade e do indivíduo. Para tanto, ter-se consciência dessas concepções, pode-se, de fato, melhor analisar a realidade da escola.

Nessa perspectiva, far-se-á uma abordagem na visão de Petitat (1994), em que este, com base em pesquisas realizadas na França, faz uma análise sócio-histórica da organização da escola, calcando-se nas ideias de alguns sociólogos do paradigma do conflito, tais como Baulelot e Establot (1975), Bowles e Gints (1977), Bourdieu e Passeron (1970). Utilizam-se, ainda subsídios de Gomes (2005), que analisa as relações entre a educação e as desigualdades sociais. Logo após, tratar-se-á da questão evasão escolar, nas concepções de Aquino (1997) e Neri (2009), que se preocupam com a temática. Tais esclarecimentos servirão para dar um suporte mais amplo, no sentido de buscar o entendimento das questões levantadas.

Petitat (1994), ao citar Baudelot e Establot (1975), marxistas crítico-reprodutivistas, inclusive, dois dos nomes mais consultados acerca de análises de sistemas de ensino, explicita que estes sociólogos repousam suas concepções sobre “[...] a sociedade capitalista como uma sociedade dominada pelo antagonismo entre o proletariado e burguesia” (PETITAT, 1994, p. 22). Para os estudiosos isto é que confere ao sistema escolar suas características. Tendo por base pesquisas realizadas em escolas francesas, filhos da classe dominante têm mais tempo para estudar e se dedicar a outras atividades, enquanto filhos da classe dominada, muitas vezes, nem aos cursos noturnos tem acesso (PETITAT, 1994). Vê-se, também, que isso ocorre no Brasil.

Ainda, para os sociólogos, a escola se apresenta de forma diversificada do que realmente é na realidade, pois mostra um sistema uno e contínuo e, na verdade, divide-se em duas redes (a superior e a inferior): a primeira em que são ministrados conteúdos que são verdadeiros „subprodutos culturais‟, e a segunda, em que são aplicados conteúdos que desenvolvem, nos alunos, uma consciência de superioridade social. Além dos conteúdos, esta dualidade diz respeito, também, aos métodos empregados pelo professor (PETITAT, 1994).

Na mesma linha de pensamento, têm-se as posições de Bowles e Gints (1977), americanos, também marxistas, que analisaram o sistema de ensino dos EUA como segregador de conhecimentos, ou seja, ao mesmo tempo que seleciona os indivíduos “[...] inculca esquemas que contribuem para a manutenção das relações de produção e de dominação capitalista” (PETITAT,1994, p. 30). Na visão dos autores, o capitalismo requer uma força disciplinar que não pode ser dada pela igreja e nem pela família. Também o capitalismo necessita de novas competências e conhecimentos tecnológicos. Logo, nada melhor que a escola, enquanto instituição socializadora, para responder a essas necessidades. Assim, as transformações por que passam a escola são respostas a todo esse processo de acúmulo de capital. (PETITAT, 1994).

Petitat (1994) visualiza, ainda, as posições de Bourdieu e Passeron (1970), teóricos franceses, que abrem caminhos para evidências sobre os sistemas de ensino. Para os estudiosos, tais explicações centram-se na existência de que reside, na organização escolar, uma forma de „violência simbólica‟, isto é, um poder arbitrário que consegue estabelecer-se como poder legítimo. Isto a partir do momento em que há uma imposição de valores, normas, atitudes que, de alguma forma, elimina outras significações trazidas pelo aluno. Essa „violência simbólica‟ aparece mascarada, muitas vezes, pelas ações pedagógicas.

Gomes (2005) sinaliza sobre importantes conceitos oriundos desses teóricos do paradigma do conflito, concepções estas que se relacionam à „competência cultural e linguística‟ do aluno, a qual é adquirida, principalmente, na família e que, de certa forma, ajuda no desempenho deste na escola. Para Bourdieu e Passeron (1970), esse aspecto é chamado „capital cultural‟, que são bens econômicos, produzidos, distribuídos e consumidos pelo indivíduo. O currículo, por exemplo, pode limitar as possibilidades de ascensão do aluno e, por este „capital cultural‟ não ser distribuído de modo equitativo, as possibilidades de êxito são também desiguais (GOMES, 2005). Significa que muitos estudantes não conseguem ter um melhor desempenho, por haver um desencontro entre a escola e suas origens. Gomes (2003, p. 49) informa que alunos de diferentes classes têm também escolaridade diferente,

resultando na “[...] estratificação e segmentação dos sistemas educacionais, à imagem e semelhança da estratificação das suas sociedades”.

Nesse sentido, Petitat (1994) aponta que essas análises são importantes, já que, de fato, a escola contribui para a reprodução, porém, também, participa de suas transformações. A sua maior preocupação, enquanto sociólogo e educador, reside no fato da sua grande dificuldade em tentar explicar o futuro da educação e da escola, de modo que, funcione para todos, sem discriminação.

De forma análoga, para Gomes (2005) tais concepções provindas dos sociólogos conflitistas tornam-se fechadas, por serem oriundas de tradições conservadoras. Salienta, ainda, o estudioso que são importantes, todavia carecem de fundamentos empíricos mais abrangentes.

Dito isto, não restam dúvidas que todas as explicitações advindas desses sociólogos corroboram para se ter uma análise mais consciente e não tão cândida da realidade escolar. A partir dessas concepções, pode-se, efetivamente, (re)pensar na questão de a educação não só promover a igualdade, como também ser promotora de desigualdades sociais. Nessa assertiva, tem-se a Educação de Jovens e Adultos que, consoante Gomes (2003, p. 50), como modalidade educacional, constitui-se “[...] de uma segunda oportunidade, destina-se a alunos considerados „mais fracos‟ e menos privilegiados dos pontos de vista social e educacional”, isto é, os seus partícipes são reféns de uma sociedade calcada em desigualdades sociais, políticas e econômicas, as quais contribuem para o seu retardo na escola, bem como o seu abandono, originado de variáveis as mais diversas.

Isto posto, este respaldo sociológico é condição sine qua non para se ter um melhor entendimento acerca da temática evasão, no que diz respeito às suas possibilidades de explicações, ou seja, o que, efetivamente, faz com que o aluno abandone a escola? Fatores extraescolares, como as desigualdades sociais, oriundas do sistema capitalista ao qual se está submetido, bem como a „violência simbólica‟, constructo de ações desenvolvidas dentro da própria escola.

Aquino (1997), ao pesquisar sobre a evasão escolar no Brasil, destaca que esta sempre esteve ligada a questões como fracasso, repetência, pobreza, desmotivação com relação à escola, entre outros motivos. Considerando a importância dos fatores intra-escolares, para o fracasso do aluno, o qual tem sido estudado no campo sociológico e educacional, cabe à escola a proposta de discutir a questão, pois é, em grande parte, dentro dela que gera o fracasso, como também o sucesso do aluno. A repetência e evasão ocorrem porque, em parte,

a escola não para é todos, somente para alguns e contribui para o fracasso, não do aluno, mas dela mesma, que não é capaz de resolver seus problemas.

Da mesma forma, têm-se os fatores extraescolares, que, para Neri (2009), está intrinsecamente relacionada à pobreza e ao trabalho infantil, oriundos da falta de condições de sobrevivência, o que impede a efetiva permanência do aluno na escola. O autor ainda sinaliza que a falta de retorno econômico leva o aluno à procura de trabalho e consequentemente ao abandono da escola.

Em termos absolutos, a diferença no total da população da presença da evasão por motivos de restrição de renda é maior entre os mais pobres, logo, pobreza e evasão estão interligadas. É na combinação do trabalho com a necessidade de crianças e adolescentes pobres suprirem suas rendas que se encontra o maior índice de abandono. Logo, o nível de evasão se eleva à proporção que aumenta a necessidade de trabalhar. Um indício disso é que algumas das maiores taxas de evasão, no Brasil, encontram-se nas grandes metrópoles como São Paulo (19,43%) e Porto Alegre (18,70%) (NERI, 2009).

Segundo Neri (2009) quando este explicita que constitui um paradoxo, pois, quanto maior for o nível de escolaridade, maior o nível de salário, ou seja, segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra Domiciliar (PNAD/2006), o salário médio dos universitários é 544% superior ao salário dos analfabetos. Isto posto, o abandono escolar torna-se um paradoxo, pois, se há um retorno econômico tão alto, por que motivo, no Brasil, não existe um maior investimento destinado à área educacional?

Dados da PNAD/2006 revelam que 2,7% de crianças entre 10 e 14 anos permaneciam fora da escola. Na faixa etária de 15 a 17 anos à proporção era de 17,8% e é com essa idade que o jovem tem atração para o trabalho (NERI, 2009).

Nessa linha de pensamento, Neri (2009), em seu estudo sobre o abandono escolar, elenca três causas: a primeira refere-se ao desconhecimento de políticas públicas que garantam a oferta de serviços para a educação; a segunda, diz respeito à falta de interesse dos pais e dos alunos, ou seja, estes consideram a escola de baixa qualidade ou não reconhecem o valor que possui a educação, e a terceira se refere às restrições dos alunos no que tange ao retorno efetivo trazido pela educação.

Interessante pontuar a posição do educador no que se refere ao primeiro emprego, pois este critica veementemente esse labor em virtude de considerar que o jovem, nessa idade, deveria estar na escola e não no trabalho. Por sua vez, o Programa Bolsa Família reduziu os índices de evasão, consoante a PNAD/2006, denotando que o fator econômico, realmente, influencia.

Com referência à temática, Neri (2009), ainda, afirma que se faz condição sine qua non o apoio de todos, principalmente estudantes e pais, pois é preciso que haja conscientização destes sobre a importância e ganhos relacionados à educação. Reitera que a batalha não será ganha se os seus protagonistas não apoiarem a causa e é isso, de fato, que vai assegurar o sucesso da política pública relacionada à questão.

O aluno do PROEJA, por sua vez, quando retorna à escola, vem com a autoestima afetada pela série de fracassos de sua vivência. No entanto, deposita na escola uma esperança – a de se tornar, de fato, um participante significativo na sociedade da qual faz parte, através da profissionalização. Compreender a profissionalização como uma necessidade social colaborará para o compromisso com a sua profissão.

Nesse contexto, cita-se o PROEJA, um programa mantido pelo governo federal que assegura a ligação entre o ensino propedêutico e a qualificação para o trabalho. Vê-se, dessa forma, que a evasão se arrasta de ano para ano e entende-se, também, ao mostrar que esta não constitui, apenas, um problema de ordem escolar ou familiar, mas também um problema de ordem social. Portanto, faz-se mister uma mudança de consciência, pois mudando-se a consciência, contribuir-se-á para mudar a sociedade.