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3 REVISÃO DE LITERATURA

3.4 O LEGADO DE PAULO FREIRE AO PROEJA

Não se pode discutir o PROEJA sem se reportar às ideias de Paulo Freire que, de uma forma extremamente significativa, contribuiu e contribui para que essa política seja de qualidade, pois a sua visão era a da libertação dos oprimidos, ou seja, o sentido mais profundo da sua obra era ser „expressão dos oprimidos‟ e a sua pedagogia, ser „educação libertária‟. Isso não apenas para os pobres, queria ver também os não-pobres e a classe média se engajando para a transformação do mundo. Nessa perspectiva, Freire (2005, p. 37) afirma:

A liberdade, que é uma conquista, e não uma doação, exige uma permanente busca. Busca permanente que só existe no ato responsável de quem a faz. Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem [...]. Daí a necessidade que se impõe de superar a situação opressora [...] através de uma ação transformadora que incida sobre ela [...].

Significa que o oprimidodeverá ser capaz de lutar pela sua liberdade. Neste sentido, a educação aparece com o papel de efetivar o seu pensamento, pois através dela o oprimido poderá tomar consciência de sua situação e buscar a liberdade. O PROEJA, enquanto política pública inclusiva, tem a missão de resgatar esses indivíduos que encontram na educação uma esperança. A pedagogia proposta por Freire tem como objetivo “[...] educar a esperança, que, mesmo sendo ontológica, corre o risco de perder o rumo, de definhar e, eventualmente, morrer” (FREIRE, 2005, p. 9).

Nessa mesma perspectiva, a contribuição de Capanema (2004) torna-se relevante quando considera que Freire legou não somente ao Brasil, mas ao mundo a educação como um direito natural. Nos escritos do educador encontra-se um misto de pressupostos filosóficos, antropológicos, sociológicos, políticos e pedagógicos do ato de educar para a libertação do ser humano.

Em se tratando de educação como direito do ser humano, Bobbio (1992) esclarece que os direitos são coisas desejáveis, ou seja, finalidade que se quer alcançar. Nesse caso, é direito do jovem e adulto desejar uma educação mais reparadora que diga respeito a dar-lhe oportunidades de aprendizagens específicas para aquela modalidade, mais equalizadora, que possibilite oferecer-lhe novas inserções nos canais em que participa, tais como sua vida social, o mundo do trabalho, etc., bem como, mais qualificadora, ou seja, dar-lhe acesso a uma educação permanente. Com efeito, a filosofia freireana postula essa igualdade de direitos ontológicos para qualquer ser humano.

As propostas de Paulo Freire focam a relação entre professor e aluno e entre o aluno e o conhecimento apreendido, preconizando a importância que existe nas experiências e seu conhecimento prévio. Logo, o aluno passa a ser o sujeito do processo educativo, que também se torna dialógico e interativo. Dessa forma, para Freire (2000, p. 52), “[...] saber ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção”.

Assim, tais pressupostos criticam a práxis do professor que o deixam na posição de transmissor de conhecimento, processo cognominado pelo educador de „educação bancária‟ (FREIRE, 2005). Por outro lado, o professor assume uma relação horizontal, isto é, de igualdade, pois, nessa acepção, existirá uma relação dialógica no que diz respeito à sua visão de mundo e do aluno e é justamente nessa interação que se efetiva o conhecimento (BRASIL, MEC, 2002).

O conhecimento para Paulo Freire não é algo acabado, pronto, mas está em constante metamorfose. Professor e aluno estão sempre em processo de aprendizagem. Para Freire (2000, p.55-58) “[...] onde há vida há inacabamento [...] gosto de ser gente porque a História em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não de determinismo”.

Para Gomes (2005), Paulo Freire transcende a realidade, por ele ver uma relação com Deus de liberdade e não de dominação. No livro “Pedagogia do Oprimido” (FREIRE, 2005), ainda consoante Gomes (2005), o educador coloca a humanização como uma forma vocacional do ser humano. Já a desumanização constitui-se da exploração, da injustiça e da violência. Reitera ainda o sociólogo que a desumanização é a essência da oposição entre opressores e oprimidos.

Esse cenário caracteriza os partícipes do PROEJA, alunos que sofrem com a desumanidade, caracterizada pela exploração, injustiça e, até mesmo, violência, de uma sociedade que o exclui e o discrimina. A escola, que poderia ter o papel inclusivo, isto é de

universalizador da educação, constitui-se como um sistema de reprodução do sistema capitalista. Quando, na verdade, e, vez de ser um ambiente neutro, isento de ideologias, possui um papel passivo, inculcando ideologias como se não o fizesse (ALTHUSSER, 1983).

Todavia, para Freire (2005), os oprimidos devem restaurar sua humanidade, bem como a dos seus opressores, a partir do momento em que deslocam os seus opressores do lugar e estes não voltam a ser novos opressores, surgindo, então um novo homem. A educação, nessa perspectiva, desempenha um papel fundamental para a transformação desse ser.

Com efeito, a educação bancária explicitada por Freire constitui-se de uma forma de desumanização, em que o professor é sujeito e o aluno objeto. O aluno é somente um depositário. Porém a educação libertadora leva a conscientização. De forma que o diálogo e a interação são ferramentas capazes de transformar o ser. E esse princípio existencialista, consoante Scocuglia (2003), é a base da proposta pedagógica de Freire que sustenta a teoria da alfabetização de adultos.

Pela proposta de Freire se pautar na relação aluno e professor e entre aluno e o conhecimento, é que o grande educador tem extrema importância para essa política inclusiva. Isto porque o aluno do PROEJA, enquanto jovem ou adulto, ao chegar à escola já traz consigo muitos conhecimentos armazenados, conhecimentos adquiridos no seu percurso de vida, oriundos de suas experiências pessoais, interpessoais e até mesmo profissionais.

Nessa assertiva, esses conhecimentos devem ser valorizados pela escola e devem servir como princípio para outros saberes adquiridos. Só assim, o aluno entenderá que os conteúdos construídos têm relação com a sua vida na prática. A escola, por sua vez, será a ponte que ligará o aluno ao conhecimento. Logo, esta deve estar atenta para propor aprendizagens que não distanciem o aluno, ou seja, conhecimentos que respondam às expectativas, propósitos e intenções desses jovens, que, dadas algumas circunstâncias, foram afastados do universo escolar.

Nesse sentido, deve-se levar em consideração que na Andragogia, isto é, ensino para o adulto, este não é um aprendiz sem experiência, pois seu conhecimento vem da escola da vida. O que ele busca são soluções e desafios de problemas que o farão realizar-se tanto pessoal quanto profissionalmente. Aprende com seu próprio erro e tem consciência de que a falta de conhecimento o prejudica (CAVALCANTI, 1999). Logo, faz-se mister uma relação entre professor e aluno mais interativa, a luz da pedagogia freireana, baseada no diálogo, o que implica a comunicação de um com o outro sobre algo, pois a educação só pode ser reconhecida como libertadora ao perceber o indivíduo social e em constante transformação e conhecimento (FREIRE, 2005).