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3 REVISÃO DE LITERATURA

3.6 PARADIGMA EMERGENTE E PROEJA: CAMINHO A SER PERCORRIDO

Sabe-se, atualmente, que o conhecimento científico persegue uma sistematização conceitual e prática, cada vez mais coerente com a realidade. O que significa dizer que a ciência está focada nos problemas da humanidade e a serviço do bem-viver de uma população, embora tenha minimizado valores como: responsabilidade ambiental e social, solidariedade, paciência, tolerância e afeto. Ao mesmo tempo, contribui para o egocentrismo, o individualismo e o utilitarismo, o que se poderia resumir na coisificação do humano, (MORAES, 2003). Fica, pois, bastante claro que os velhos paradigmas científicos (partes, fragmentos) darão lugar a paradigmas que apontem para uma perspectiva sistêmica e ecossistêmica, onde as relações - homem versus natureza, homem versus homem - se estabelecerão de forma interdependente e o bem-viver da coletividade virá antes do viver-bem individual (MIETH, 2007; MORAES, 2003).

Assim, o espaço conquistado pelo paradigma emergente ocorre porque, como dito no parágrafo anterior, as antigas visões científicas de fragmentação já não atendem as demandas do homem e da natureza. Mas em que, efetivamente, consiste o paradigma emergente? Maria Cândida Moraes (2003), recorrendo aos estudos realizados pelo filósofo e pesquisador Kuhn

(1994, p 57), conceitua, preliminarmente, paradigma como sendo “[...] um conjunto de crenças e valores comuns a um determinado segmento científico”. Paradigma é uma tônica estrutural de pensar e ver a realidade. Na ótica de Moraes (2003), paradigma não é teoria, é estrutura porque é basilar para a construção do conhecimento científico.

Ordem, separabilidade e razão, palavras que, segundo Edgar Morin (2000), serviram e servem de pilares para o conhecimento científico clássico, apontam para uma perspectiva ou leitura da realidade de aparente normalidade. O autor entende a análise da realidade é feita de forma fragmentada, e que os fenômenos são pensados classicamente de maneira lógica indutivo-dedutiva, ou seja, há uma lógica racional nesse paradigma que predomina e não admite contradição, isto porque por meio dele se decanta a verdade científica da razão absoluta.

No paradigma emergente, a ideia de ordem sai da rigidez para a flexibilidade, dando lugar a outra lógica, a dialógica que prima pela integração em detrimento da fragmentação. Sem desprezar o pensar lógico indutivo-dedutivo, simultaneamente se abre espaço para o alinhamento metodológico a outras possibilidades dialógicas que não fixam determinadas verdades como se estas fossem absolutas.

Destaca, ainda, Morin (2000) que o pensamento complexo está ancorado na termodinâmica, na física quântica e na cosmofísica. Portanto, é um paradigma que trabalha com incertezas, com a interação do humano com a natureza e o social, que não estabelece a ordem cartesiana, mas, que, no entanto, contextualiza, reconhece e organiza.

Após essa breve reflexão sobre os conceitos trabalhados pelo filósofo Edgar Morin, recupera-se o ânimo e, refletindo-se sobre a importância do PROEJA na transformação social do indivíduo, pode-se, consideravelmente, entender as dificuldades que sua implementação implica, como uma política de longo prazo em um país tão desigual como o Brasil.

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), um terço da população brasileira não consegue concluir o ensino fundamental, e da população economicamente ativa, cerca de 10 milhões de pessoas maiores de 14 anos e integradas a atividades produtivas são analfabetas ou subescolarizadas. Consoante dados da PNAD (2007), tanto no Nordeste quanto no Brasil, em sua totalidade, aproximadamente 90% dos analfabetos têm 25 anos ou mais. Isso significa que a maior concentração do analfabetismo em número absolutos e relativos é de idosos.

Ainda conforme a PNAD (2007), o hiato educacional mostrou-se bastante elevado, o que traduz a grande dificuldade de alunos concluírem seus estudos em tempo hábil, o que remete à repetência e evasão. A análise dos indicadores sociais também evidencia que, antes

de completar 18 anos, muitos jovens já se dividem entre estudo e trabalho e, uma boa parte opta pelo trabalho.

Mas o que todo esse cenário pode significar diante de um novo paradigma que emerge? Que o problema pode ser enfrentado e que esse é o papel estratégico de programas inseridos dentro de políticas públicas, como o PROEJA, o qual objetiva a integração da educação profissional à básica, para atender exclusivamente às classes populares, amenizando a baixa escolaridade, resultante da exclusão social vinculada à globalização.

Tudo isso revela que os problemas são de profunda natureza, resultado de uma complexidade que circunda a estrutura organizacional das diferentes dimensões construtivas do planeta. A esse respeito Moraes (2008, p. 179) elucida que “[...] são também problemas transcendentais, produtos de um mundo absolutamente complexo em sua tessitura comum e solidária, [...] e enredado em suas mazelas e desgraças”.

Ainda consoante Moraes (2008), como trabalhar em um mundo circundado por problemas, com causas e efeitos tão severos para o ser humano? A reflexão sobre esses fatos permite enquadrar a realidade educacional brasileira, que constitui, pois, um grande desafio a vencer. Para qualquer pessoa, conforme Moraes (2008), é difícil compreender o caos, a ordem fazendo parte da desordem, a falta de linearidade e o indeterminismo que fazem parte da realidade, tanto ao nível educacional, social e econômico como ambiental.

Desses significados, Moraes (2008) ainda esclarece que essa não linearidade é assegurada pela certeza de que existem momentos incertos na dinamicidade da vida, na qual se encontra a educação. Ainda pontua a estudiosa que o ser humano encontra-se despreparado diante de graves situações complexas e imprevisíveis. Vê-se isso em pontos específicos como na violência que a cidade do Rio de Janeiro enfrenta, dado o sistema de narcotráfico que a envolve, até a violência evidenciada nas escolas de alguns Estados brasileiros.

Nesse sentido, é preciso que se esteja preparado para o enfrentamento das mudanças provenientes, em parte, da globalização. É sabido que, de fato, pela globalização há o favorecimento da evolução científica, tecnológica, social e econômica, mas, simultaneamente, esta produz o aumento da desigualdade, principalmente, quando há exclusão social, a digital, por exemplo. Moraes (2008) alude a essa questão, explicitando que a mesma rede que integra, também, desintegra e aprisiona.

Diante desse cenário, Morin (2005) percebeu que a maior urgência no campo das ideias não é rever doutrinas e métodos, mas elaborar uma nova concepção sobre o conhecimento. Assim, o sociólogo propõe que a maneira de pensar que se utiliza para encontrar soluções para os problemas constitui um dos mais graves problemas que se deve

enfrentar. Logo, é preciso, primeiramente, reformar o pensamento, pois mudando-se a consciência, contribuir-se-á, também, para a mudança da sociedade. E como se poderá proceder?

A resposta para o contexto complexo está em mudança de atitude, a partir primeiramente do pensamento, para que se possa construir uma boa relação com a vida e com a natureza. Muitas transformações ocorreram nas últimas décadas, entre elas, o avanço da tecnologia da informação e da globalização econômica. Nesse sentido, a contribuição de Morin (2000, p.75) ratifica esse pensamento:

A necessidade de uma Reforma de pensamento é muitíssimo importante para indicar que hoje o problema da educação e da pesquisa encontra-se reduzido a termos meramente quantitativos: „maior quantidade de créditos, mais professores‟, „mais informática‟. Mascara-se, com isso, a dificuldade-chave que revela o fracasso de todas as reformas sucessivas do ensino: não se pode reformar a instituição sem ter previamente reformado os espíritos e as mentes, mas não se pode reformá-los se as instituições não forem previamente reformadas.

Com efeito, Moraes (2008) estimula a refletir que todo pensamento complexo se cria e se recria a partir do seu próprio movimento e durante o seu caminhar, logo, a dinâmica do pensamento complexo vai além da retroatividade, pois gera uma dinâmica autopoiética, ou seja, autoprodutora daquilo que a produz.

Sabe-se que um mundo em rede, ou seja, globalizado, influencia também a educação e, mais precisamente, a escola. Só que educadores não estão acostumados a trabalhar em rede, constituída de processos complexos. Isso certamente irá repercutir nos processos de ensino e aprendizagem, bem como no trabalho do professor.

Por isso, Moraes (2008) é bastante enfática quando elucida que Morin (2005) apela aos educadores no sentido de envidar esforços para reformar o pensamento, a consciência e a competência humana. Esclarece a educadora que o professor deve criar novas metodologias que auxiliem a preparar as pessoas para a religação, pois a força da vida está nas relações, nos processos interdependentes e no processo dialógico, às vezes, antagônico à maneira de pensar e agir do sujeito.

Já Behrens (2007) pontua que o paradigma inovador propõe uma visão crítica, transformadora e reflexiva na educação e exige interconexão que tem como eixo articulador a totalidade. Dessa forma, para a estudiosa, o cenário requer uma mudança de postura e mentalidade para todos os envolvidos no processo educacional e, sendo o professor mediador do processo, este deve buscar uma qualificação contínua para que possa superar a visão

positivista e conservadora da qual faz parte e adentrar em uma formação que o leve a ter uma nova maneira de ensinar, de investigar e de aprender.

Isso significa que o professor deve educar para a escuta do sentimento e abertura do coração, ou seja, ensinar os alunos a serem mais felizes, embora coexistindo com as dificuldades (MORAES, 2008). Acredita-se, pois que, por meio de um ensino voltado para o ser humano, como suscita o Documento Base do PROEJA (BRASIL, MEC, 2007), o paradigma da complexidade ou emergente vem corroborar seus preceitos, na medida em que o professor busque desenvolver no aluno uma educação integral e integrada, sem perder de vista que todo ser humano é inacabado, inconcluso e um eterno „vir a ser‟.

Nessa perspectiva, o participante do PROEJA, já excluído por algumas razões, quer sejam sociais, geográficas, econômicas ou até mesmo morais, precisa estar engajado no processo e colocar suas perspectivas a serviço de um ente (CAPANEMA, 2004) vivo que é a escola. E deve ser atendido como um indivíduo complexo, com suas experiências de vida e de trabalho.

Destarte, a complexidade está presente na realidade, no processo de construção do conhecimento e na dinâmica da vida e exige, dado o novo cenário, novos enfoques epistemológicos e metodológicos para que se possa melhor conhecer a realidade educacional, mais precisamente, essa modalidade de educação. Aos Institutos Federais do Brasil cumprem, pois esse grande desafio – através do paradigma da complexidade – mostrar uma visão transformadora da Educação.

4 REFERENCIAL METODOLÓGICO