• Nenhum resultado encontrado

EVOLUÇÃO DOS SISTEMAS DE FORMULAÇÃO E AVALIAÇÃO NUTRICIONAL

No documento SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA (páginas 72-80)

O balanceamento de rações consiste na elaboração de misturas de alimentos que permitam, da forma mais econômica possível, fornecer aos animais quantidades adequadas de nutrientes capazes de sustentar sua manutenção e produção. Os processos matemáticos utilizados para isso são, em sua grande maioria, relativamente simples, e podem ser facilmente conduzidos com auxílio de uma planilha eletrônica (Microsoft Excel®, por exemplo). Existem, contudo, inúmeros softwares especializados que utilizam relações matemáticas mais complexas, resultando em rações balanceadas para grande número de nutrientes, compostas por um número também bastante grande de ingredientes. Apesar disso, muitos dos métodos ou softwares utilizados para o balanceamento de rações não consideram os processos biológicos aos quais os alimentos são submetidos durante o processo de digestão e metabolização e, portanto, nem sempre resultam em índices zootécnicos adequados. A capacitação e a experiência do nutricionista, desta forma, são fundamentais para que o balanceamento das dietas seja feito de forma adequada.

A partir da década de 90, em função da evolução dos sistemas de produção e do potencial produtivo dos animais, foi observada uma considerável evolução dos sistemas nutricionais, os quais passaram a considerar as diferentes frações dos alimentos não mais como entidades químicas isoladas, mas sim como frações heterogêneas capazes de interagir entre si através de distintos processos metabólicos (Sniffen et al., 1992; NRC, 1996). Neste contexto, os sistemas nutricionais mais evoluídos utilizam, atualmente, ferramentas computacionais capazes de auxiliar os nutricionistas a melhor ajustar suas formulações, a partir de avaliações mais complexas de todo o processo de digestão, metabolização e excreção, e têm sido amplamente difundidos nos últimos anos.

O sistema de Cornell, por exemplo, denominado CNCPS (Cornell Net Carbohydrate and Protein System), foi desenvolvido no início da década de 90 por um grupo de pesquisadores da Cornell University, nos Estados Unidos, e tem despertado grande interesse de pesquisadores e nutricionistas. De forma resumida, o Sistema é formado por um conjunto de modelos matemáticos (equações) que permitem realizar previsões da dinâmica digestiva e predizer, com relativa precisão, as exigências, a oferta de nutrientes e o desempenho dos animais, sob as mais diversas condições de ambiente, alimentação e manejo. Em outras palavras, o CNCPS constitui-se de um programa de avaliação e ajuste de dietas, e está disponível em versões para bovinos (Fox et al., 2004) e ovinos (Cannas et al., 2004). Recentemente, o sistema de Cornell para ovinos foi reformulado com a participação de pesquisadores da Texas A&M University (EUA) e da Università di Sassari (Itália), passando a ser denominado SRNS

Sistemas de Produção Agropecuária - Ano 2008

(Small Ruminant Nutrition System) e incluindo também a espécie caprina (Cannas et al., 2007).

Ambos os Sistemas (CNCPS e SRNS) são baseados na pressuposição de que os carboidratos e a proteína bruta dos alimentos podem ser fracionados em função de suas taxas de fermentação no rúmen. Assim, os carboidratos são subdivididos em 4 classes (A, B1, B2 e C) e as proteínas em 5 (A, B1, B2, B3 e C). Tanto para carboidratos quanto para a proteína bruta, a fração A é rapidamente fermentada e a fração C é considerada indigestível (Sniffen et al., 1992). Estas informações são, então, utilizadas pelo Sistema para estimar o suprimento de nutrientes e confrontar estes valores às exigências dos animais, estimando o desempenho dos mesmos (ganho de peso e/ou produção de leite).

Para exemplificar a funcionalidade do Sistema na avaliação de dietas, tomemos como base um grupo de bovinos Nelore com peso corporal médio de 300 kg, mantidos em regime de confinamento. Segundo as recomendações do NRC (2000), o consumo de

–1 matéria seca para animais desta categoria, e ganho médio diário de 1,2 kg·dia , é de

–1

aproximadamente 8,07 kg·dia , com necessidade diária de 20,43 Mcal de EM, 928 g de PB, 0,034 g de Ca e 0,017 g de P. Utilizando uma planilha eletrônica para ajustar os níveis de EM e PB, e manter uma relação Ca:P próxima a 2:1, a dieta foi composta da seguinte forma (Tabela 1):

Tabela 1 – Dieta balanceada para suprir as necessidades de bovinos Nelore em terminação, com –1

taxa de ganho de 1,200 kg·dia

Consumo Ingrediente % na dieta (MS) MS (kg·dia–1) EM (Mcal·dia–1) PB (g·dia–1) Ca (g·dia–1) P (g·dia–1) Silagem de milho 47,60 3,841 8,07 273 10 10 Grão de milho 30,85 2,490 8,02 237 0,01 8 Farelo de soja 5,30 0,428 1,24 201 0,01 3 Polpa cítrica 10,00 0,807 2,34 57 18 1 Uréia 0,65 0,053 0,00 149 0 0 Melaço 3,55 0,286 0,78 12 3 0 Premix mineral 2,05 0,165 0,00 0 33 17 Total 100,00 8,070 20,44 928 66 38 Exigência - - 20,43 928 34 17 Diferença 0,00 0 32 21

Inserindo esses dados no CNCPS, o programa estima uma conversão alimentar de 6,53, e valor de GMD pouco superior àquele pré-definido para a formulação da dieta (Figura 5). Com base na quantidade de EM ofertado ao animal, observe que o programa

–1

estima o ganho em 1,236 kg·dia , ao passo que, quando calculado com base no aporte –1

de PM, o ganho foi estimado pelo modelo em 1,666 kg·dia . Além de um excesso de –1

proteína na dieta (125 g PM·dia ), estes resultados demonstram que o ganho de peso de bovinos de corte confinados é limitado, principalmente, pelo consumo de energia metabolizável.

Figura 5 – Utilização do CNCPS para avaliação de dietas para bovinos. As setas indicam os pontos em destaque.

Observe, ainda, as concentrações dietéticas de energia líquida para mantença

–1 –1

(1,62 Mcal·kg ) e ganho (1,01 Mcal·kg ), calculadas pelo Sistema, e o gasto –1

energético decorrente da síntese e excreção de uréia (0,15 Mcal·dia ). O usuário pode, então, utilizar o próprio Sistema para ajustar a formulação, modificando as proporções dos diferentes ingredientes na dieta ou através da inclusão de outros (Figura 6).

Figura 6 – Reformulação da dieta utilizando o modelo CNCPS.

Na medida em que as proporções entre os ingredientes são alteradas, o Sistema atualiza suas predições, permitindo ao usuário reavaliar sua formulação. Observe na Figura 7, que pequenas alterações feitas na formulação original possibilitaram melhorar a conversão alimentar (6,23), reduzir o gasto energético decorrente da síntese

–1

e excreção de uréia (0,03 Mcal·dia ), e elevar as concentrações de energia líquida para

–1 –1

mantença (1,65 Mcal·kg ) e ganho (1,64 Mcal·kg ) da dieta. Estes valores, aliados à –1

redução da exigência de EM para mantença (8,5 vs. 8,3 Mcal·dia ), indicam um aumento da eficiência de uso da energia. Além disso, em resposta à melhor conversão e à redução do teor de proteína da dieta, o custo diário por kg de ganho de peso foi reduzido de R$ 2,85 para R$ 2,73.

Embora nas condições brasileiras o desempenho dos animais, muitas vezes, não seja estimado com acurácia pelo CNCPS, fica claro que o Sistema fornece outras informações valiosas, o que permite ao nutricionista ajustar a dieta para melhorar as características de fermentação, reduzir as perdas de nutrientes e, conseqüentemente, elevar sua eficiência de utilização.

Figura 7 – Resultados obtidos após reformulação da dieta usando o CNCPS. As setas indicam os pontos em destaque.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A obtenção de bons índices e a maximização da rentabilidade nos sistemas de produção de ruminantes dependem, necessariamente, da correta aplicação das tecnologias disponíveis e do gerenciamento dos meios de produção. Neste sentido, a elevação da eficiência de aproveitamento dos nutrientes ofertados aos animais assume papel de fundamental importância. O conhecimento minucioso dos processos de digestão e metabolização de nutrientes, desta forma, capacita o nutricionista a formular dietas mais adequadas e a reduzir os custos de produção. Ainda, a adoção de sistemas nutricionais mais avançados para avaliação das dietas formuladas, pode contribuir de forma bastante significativa.

Sistemas de Produção Agropecuária - Ano 2008

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

AGRICULTURAL AND FOOD RESEARCH COUNCIL - AFRC. Energy and protein requirements of ruminants. Wallingford, UK: CAB International, 1993. 159p.

BACH, A.; CALSAMIGLIA, S.; STERN, M.D. Nitrogen metabolism in the rumen. Journal of Dairy Science, v.88, n.Suppl. 1, p.E9-21, 2005.

CANNAS, A.; TEDESCHI, L.O.; FOX, D.G. et al. A mechanistic model for predicting the nutrient requirements and feed biological values for sheep. Journal of Animal Science, v.82, n.1, p.149-169, 2004.

CANNAS, A.; TEDESCHI, L.O.; FOX, D.G. The small ruminant nutrition system: development of a goat submodel. In: American Society of Animal Science, 2007, San Antonio, TX. Anais... San Antonio, TX: ASAS-ADSA, 2007.

CHO, J.; OVERTON, T.R.; SCHWAB, C.G. et al. Determining the amount of rumen- protected methionine supplement that corresponds to the optimal levels of methionine in metabolizable protein for maximizing milk protein production and profit on dairy farms. Journal of Dairy Science, v.90, n.10, p.4908-4916, 2007. CRAIG, W.M.; BRODERICK, G.A.; RICKER, D.B. Quantitation of microorganisms

associated with the particulate phase of ruminal ingesta. Journal of Nutrition, v.117, n.1, p.56-62, 1987.

COMMONWEALTH SCIENTIFIC AND INDUSTRIAL RESEARCH ORGANIZATION - CSIRO. Feeding standards for Australian livestock: ruminants. Melbourne, Australia: CSIRO Publishing, 1990. 226p.

COMMONWEALTH SCIENTIFIC AND INDUSTRIAL RESEARCH ORGANIZATION - CSIRO. Nutrient requirements of domesticated ruminants. Collingwood, Australia: CSIRO Publishing, 2007. 296p.

ERKKILÄ, A.; DE MELLO, V.D.F.; RISÉRUS, U. et al. Dietary fatty acids and cardiovascular disease: An epidemiological approach. Progress in Lipid Research, v.47, n.3, p.172-187, 2008.

FERRELL, C.L.; JENKINS, T.G. Body composition and energy utilization by steers of diverse genotypes fed a high-concentrate diet during the finishing period: I. Angus, Belgian Blue, Hereford, and Piedmontese sires. Journal of Animal Science, v.76, n.2, p.637-646, 1998.

FOX, D.G.; TEDESCHI, L.O.; TYLUTKI, T.P. et al. The Cornell Net Carbohydrate and Protein System model for evaluating herd nutrition and nutrient excretion. Animal Feed Science and Technology, v.112, n.1-4, p.29-78, 2004.

GALVANI, D.B. Exigências e eficiência de utilização da energia e da proteína por cordeiros confinados. Santa Maria: Universidade Federal de Santa Maria, 2008. 84f. Dissertação (Mestrado em Zootecnia) - Universidade Federal de Santa Maria, 2008.

GOFF, J.P. Major advances in our understanding of nutritional influences on bovine health. Journal of Dairy Science, v.89, n.4, p.1292-1301, 2006.

HERRERA-SALDANA, R.; GOMEZ-ALARCON, R.; TORABI, M. et al. Influence of synchronizing protein and starch degradation in the rumen on nutrient utilization and microbial protein synthesis. Journal of Dairy Science, v.73, n.1, p.142-148, 1990.

rumen microbial yield. Journal of Dairy Science, v.74, n.10, p.3630-3644, 1991. HUNTINGTON, G.B. Starch utilization by ruminants: from basics to the bunk.

Journal of Animal Science, v.75, n.3, p.852-867, 1997.

HYND, P.L.; MASTERS, D.G. Nutrition and wool growth. In: FREER, M. ;DOVE, H. (eds.). Sheep nutrition. Wallingford: CAB International, 2002. p.165-188.

JENKINS, T.C. Lipid Metabolism in the Rumen. Journal of Dairy Science, v.76, n.12, p.3851-3863, 1993.

KOZLOSKI, G.V. Bioquímica dos ruminantes. Santa Maria: Editora UFSM, 2002. 140p.

KOZLOSKI, G.V.; SANCHEZ, L.M.B.; CADORIN JR, R.L. et al. Intake and digestion by lambs of dwarf elephant grass (Pennisetum purpureum Schum. cv. Mott) hay or hay supplemented with urea and different levels of cracked corn grain. Animal Feed Science and Technology, v.125, n.1-2, p.111-122, 2006.

KRAUSE, D.O.; RUSSELL, J.B. An rRNA approach for assessing the role of obligate amino acid-fermenting bacteria in ruminal amino acid deamination. Applied and Environmental Microbiology, v.62, n.3, p.815-821, 1996.

KREIKEMEIER, K.K.; HARMON, D.L. Abomasal glucose, maize starch and maize dextrin infusions in cattle: Small-intestinal disappearance, net portal glucose flux and ileal oligosaccharide flow. British Journal of Nutrition, v.73, n.5, p.763-772, 1995.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL - NRC. Nutritional energetic of domestic animals and glossary of energy terms. Washington, D.C.: National Academy Press, 1981. 54p.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL - NRC. Nutrient requirements of beef cattle. 6ed. Washington, D.C.: National Academy Press, 1996. 242p.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL - NRC. Nutrient requirements of beef cattle. 7ed. Washington, D.C.: National Academy Press, 2000. 248p.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL - NRC. Nutrient requirements of dairy cattle. 7ed. Washington, D.C.: National Academy Press, 2001. 408p.

NATIONAL RESEARCH COUNCIL - NRC. Nutrient requirements of small ruminants: Sheep, goats, cervids, and new world camelids. Washington, D.C.: National Academy Press, 2007. 384p.

OHAJURUKA, O.A.; WU, Z.; PALMQUIST, D.L. Ruminal metabolism, fiber, and protein digestion by lactating cows fed calcium soap or animal-vegetable fat. Journal of Dairy Science, v.74, n.8, p.2601-2609, 1991.

OLDHAM, J.D. Efficiencies of amino acid utilization. In: JARRIGE, R. ;ALDERMAN, G. (eds.). Feed evaluation and protein requirement systems for ruminants. Luxembourg: CEC, 1987. p.171-186.

OLTHOFF, J.C.; DICKERSON, G.E. Composition of the whole body and component fractions in mature ewes from seven breeds. Journal of Animal Science, v.67, n.10, p.2565-2575, 1989.

OWENS, F.N.; ZINN, R.A.; KIM, Y.K. Limits to starch digestion in the ruminant small intestine. Journal of Animal Science, v.63, n.5, p.1634-1648, 1986.

PASTER, B.J.; RUSSELL, J.B.; YANG, C.M.J. et al. Phylogeny of the ammonia- producing ruminal bacteria Peptostreptococcus-anaerobius, Clostridium- sticklandii, and Clostridium-aminophilum sp-nov. International Journal of

Systematic Bacteriology, v.43, n.1, p.107-110, 1993.

REYNOLDS, C.K. Economics of visceral energy metabolism in ruminants: Toll keeping or internal revenue service? Journal of Animal Science, v.80, n.E- Suppl_2, p.E74-84, 2002.

ROCHA, M.G.; RESTLE, J.; FRIZZO, A. et al. Alternativas de utilização da pastagem hibernal para recria de bezerras de corte. Revista Brasileira de Zootecnia, v.32, n.2, p.383-392, 2003.

RUSSELL, J.B.; O'CONNOR, J.D.; FOX, D.G. et al. A net carbohydrate and protein system for evaluating cattle diets: I. Ruminal fermentation. Journal of Animal Science, v.70, n.11, p.3551-3561, 1992.

RUSSELL, J.B.; WILSON, D.B. Why are ruminal cellulolytic bacteria unable to digest cellulose at low pH? Journal of Dairy Science, v.79, n.8, p.1503-1509, 1996. SILVA, F.F.; VALADARES FILHO, S.C.; ÍTAVO, L.C.V. et al. Exigências líquidas e

dietéticas de energia, proteína e macroelementos minerais de bovinos de corte no Brasil. Revista Brasileira de Zootecnia, v.31, n.2, p.776-792, 2002.

SNIFFEN, C.J.; O'CONNOR, J.D.; VAN SOEST, P.J. et al. A net carbohydrate and protein system for evaluating cattle diets: II. Carbohydrate and protein availability. Journal of Animal Science, v.70, n.11, p.3562-3577, 1992.

SVEINBJORNSSON, J.; MURPHY, M.; UDEN, P. Effect of the level of dry matter and protein and degradation rate of starch on in vitro ruminal fermentation. Animal Feed Science and Technology, v.130, n.3-4, p.191-203, 2006.

WEIMER, P.J. Manipulating ruminal fermentation: a microbial ecological perspective. Journal of Animal Science, v.76, n.12, p.3114-3122, 1998.

WILLIAMS, C.B.; JENKINS, T.G. A dynamic model of metabolizable energy utilization in growing and mature cattle. I. Metabolizable energy utilization for maintenance and support metabolism. Journal of Animal Science, v.81, n.6, p.1371-1381, 2003.

No documento SISTEMAS DE PRODUÇÃO AGROPECUÁRIA (páginas 72-80)