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De meros executores a produtores de saberes-fazeres: as práticas de ensino de leitura e escrita como artes de fazer de sujeitos pensantes-praticantes

DESENVOLVIMETO DE PRÁTICAS DE ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA

3.1 De meros executores a produtores de saberes-fazeres: as práticas de ensino de leitura e escrita como artes de fazer de sujeitos pensantes-praticantes

3.1.1 Dos saberes teóricos aos saberes da prática: a mobilização de saberes-fazeres docentes no cotidiano da sala de aula

Tendo em vista estarmos tratando dos saberes-fazeres mobilizados pelos professores cujas práticas de ensino da escrita alfabética são consideradas bem-sucedidas, compreendemos ser sobremaneira relevante situar qual a visão que se tem em relação a esse profissional e ao seu ofício. Nesse sentido, é importante considerar que o olhar que se tem sobre esses aspectos é uma questão de ordem histórica, epistemológica e ideológica, que abrange características de determinados tempos-espaços sócio-históricos-culturais, os quais podem veicular desde uma concepção em que o professor é considerado como um mero reprodutor do conhecimento produzido por outros sujeitos, até outras que o compreendem como um sujeito ativo de seu fazer, tributando-lhe o papel de autor principal, de protagonista do processo de ensino.

Nesse sentido, parafraseando Sarti (2008), a reflexão científica sobre educação com vista à maior racionalização do ensino tem contribuído para um maior prestígio social dos saberes científicos, desencadeando um processo de depreciação dos saberes produzidos pelo professor e fazendo com que deixem de ser reconhecidos como produtores de saberes para serem tomados como reprodutores, como executores.

Nesse sentido, concepções, que se fundamentam na perspectiva de que o que conta como conhecimento é apenas aquilo que é produzido pelos pesquisadores, acabam por usurpar a autoria dos saberes docentes, na medida em que “legitimam” como sua, a produção que advém primordialmente do contexto micro da sala de aula, em que os atores principais do processo são os professores.

Além disso, como aponta Sarti (2008), precisamos considerar também que, historicamente, a academia, apesar do papel representativo que tem na produção de conhecimentos indispensáveis ao fazer docente, tem investido no convencimento de que suas concepções acerca do ensino são as mais fecundas para nutrir as práticas, por apresentarem soluções “eficazes” para solucionar os diversos problemas que permeiam a realidade escolar. Nessa perspectiva, como aponta a referida autora, assim como Sarti e Bueno (2007), a universidade é considerada como a principal matriz de inspiração para as transformações almejadas para o âmbito escolar, de um modo geral, e para o fazer docente, de um modo mais específico, já que se espera que ela possa, em um sentido quase religioso, revelar os caminhos para a superação das denominadas velhas práticas escolares, o que resulta, muitas vezes, na imposição de modelos para o ensino.

Assim, inferimos que essas ideias são bem representativas do que ocorre no campo dos estudos sobre alfabetização. Isso porque não são poucas as tentativas de persuasão dos alfabetizadores, nem raras as concepções que postulam que o ponto de vista da Universidade é o único com legitimidade e pertinência suficiente para combater o fracasso na apropriação da leitura e da escrita. Exemplo disso são as diversas tentativas de uma imposição, por vezes velada, de determinadas teorias que lutam por afirmação e que acabam se apresentando como “o milagre da/para alfabetização”. Outro exemplo representativo de como se tem despojado o professor de seus saberes, considerando-o como mero reprodutor das ideias produzidas em outros contextos, são as tentativas de hegemonização dos métodos de alfabetização, que tentam persuadir o alfabetizador de que são a “formula mágica” para a concretização do sucesso na aprendizagem da leitura e da escrita, compreendendo que esse profissional limita seu fazer às ideias e ideais por eles veiculados.

Como observa Sarti (2008), há um esforço sistemático para que aquilo que é produzido em âmbito acadêmico seja consumido pelos professores, com o objetivo, ainda, de que aproximem e incorporem esses conhecimentos de acordo com os moldes acadêmicos. No entanto, eles costumam aproximar-se de assuntos relacionados à educação, ao seu fazer a partir de uma ótica que lhes é mais peculiar, pautada em uma visão centrada na vida da escola e na pertinência daquilo que está sendo proposto para o contexto em que estão inseridos. Isto ocorre porque, com afirma Azzi (2012, p. 41), “os professores têm um espaço de decisões mais imediato – a sala de aula”. Nesse sentido, depreendemos que não se trata de falta de interesse por parte dos professores em relação aos novos conhecimentos propostos pelas instituições de formação, mas de uma forma específica de aproximação e apropriação, em que o novo tanto se acomoda, quanto contende com o antigo, de modo que o que pode garantir,

em certa medida, que esses profissionais façam uso daquilo que está sendo apresentado é o maior ou menor grau de aproximação com a realidade da qual fazem parte.

O exposto ocorre, dentre outros motivos, porque a lógica de ação que o professor utiliza para se apropriar dos novos conhecimentos acaba sendo a mesma que se utiliza para agir em sala de aula. Assim, as condições em que ocorre o trabalho docente exigem agir na urgência e decidir na incerteza (PERRENOUD, 1991). Nesse sentido, o professor improvisa, toma decisões e faz escolhas imediatas que não foram previstas e planejadas previamente, mas são colocadas em ação para alcançar seus objetivos.

Nessa perspectiva, esse caráter urgente e incerto que permeia as ações dos professores pode, em certa medida, incidir sobre a recepção das proposições acadêmicas, despertando interesse e ganhando com mais facilidade sua adesão os conhecimentos que tratam de assuntos mais práticos em detrimento daqueles que são apenas teóricos. Nessa direção, não são raras às vezes em que os professores “ignoram as informações validadas cientificamente, elaboradas pelos pesquisadores distantes do campo, publicadas segundo as regras em vigor nas revistas especializadas, mas diretamente inutilizáveis na classe” (CHARTIER 2007, p. 02). Não se trata, contudo, de uma falta de indisposição ou resistência por parte do professor. Trata-se, como aponta essa autora, de uma lógica de ação diferente, que faz com que ele se aproprie do que traz melhores resultados e não exige dispêndio de tempo.

Assim, partimos do entendimento de que tais ideias são relevantes se quisermos compreender o que de fato surte efeito na alfabetização. Ou seja, dependendo da concepção que se tem em relação aos alfabetizadores, pode-se, com base nos conhecimentos científicos já consolidados, simplesmente indicar o caminho a ser trilhado por eles, como se já se tivesse respostas para todos os problemas de fracasso, ou pode-se, ao contrário, considerar que a melhor forma de compreender o sucesso na tarefa de alfabetizar é ouvindo e analisando os saberes-fazeres daqueles cujas práticas de ensino são consideradas bem-sucedidas, contribuindo, assim, para estreitar a distância entre o âmbito escolar e o acadêmico.

Depreendemos que o que os pesquisadores chamam de resistência ou negação dos professores aos conhecimentos científicos é, na verdade, uma maneira específica desses profissionais entrarem no jogo que é jogado na academia, maneira essa que é diferente das regras que regem a apropriação acadêmica, mas, nem por isso, menos válida ou relevante. Depreendemos também que, dentre outros motivos, a aparente falta de interesse demonstrada pelo professor em relação às teorizações acadêmicas está alicerçada na distância entre o que é produzido nesse âmbito e o contexto vivido por ele na escola, de modo que nem sempre se obtém êxito em seu propósito de contribuir efetivamente com a melhoria da escola por meio

da apresentação de caminhos que levem à construção de práticas exitosas.

Isto acontece porque, apesar de terem sido produzidos com rigor metodológico e à luz de referenciais que contribuem significativamente para construção de teorizações relevantes, a maioria dos estudos não parte das inquietações docentes, nem daquilo que produzem os professores em sala de aula, ou seja, dos saberes-fazeres mobilizados por eles e que conduzem à construção de práticas bem-sucedidas.

3.2 O cotidiano escolar como lócus da materialização dos saberes-fazeres docentes e de

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