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DESENVOLVIMETO DE PRÁTICAS DE ENSINO DA LEITURA E DA ESCRITA

3.4 Saberes docentes: temporais, históricos e plurais

Em se tratando de saberes, é importante atentarmos, inicialmente, para o fato de que “a relação com o saber é relação com o mundo e com os outros e se inscreve no tempo” (CHARLOT, 2000, p. 78). Assim, é relevante considerar que o saber é social, porque ele é partilhado pelo grupo de professores, que possue formação para um trabalho comum; repousa sobre um sistema que legitima e orienta sua definição e utilização; seus objetos são práticas sociais; aquilo que os professores ensinam, bem como sua maneira de ensinar, evoluem com o tempo e com as mudanças sociais; e é adquirido no âmbito de uma socialização profissional, podendo ser modificado e adaptado (TARDIF, 2008).

Nesse sentido, apesar de os saberes serem mobilizados pelo professor no contexto micro de sua sala de aula, eles não deixam de ser coletivos7, pois, em um sentido mais amplo, não podem ser dissociados dos contextos globais, como o do sistema e o da formação, bem como das relações que a categoria estabelece entre si, e do fato de que, ao contrário de outras profissões, seu objeto de trabalho não são seres inanimados, mas sujeitos que se relacionam e interagem entre si e com os professores, exigindo deles a mobilização de diversos saberes.

Assim, compreendemos que justamente devido a essa característica podemos afirmar que os saberes-fazeres mobilizados pelos alfabetizadores cujas práticas de ensino são consideradas bem-sucedidas são também sociais, já que o fazer, apesar de local, não deixa de estar atrelado ao global, ao coletivo, às relações entre os sujeitos, sejam estes os grupos de alfabetizadores – que partilham saberes-fazeres específicos -, ou destes em sua interação com os alunos, com suas dificuldades e potencialidades.

Dessa maneira, em decorrência da natureza social do saber, ele possui como característica a temporalidade, a historicidade e o pluralismo. Como apontam Tardif (2008) e Tardif e Raymond (2000), é temporal porque é adquirido no decorrer do tempo, isto é, se aprende a dominar os saberes necessários à realização do trabalho de forma progressiva, mediante diferentes vivências. Todavia, é temporal não apenas porque é construído no e com o tempo, mas porque, longe de ser impermeável e engessado, é aberto e poroso, o que permite a incorporação de novos conhecimentos e experiências no momento mesmo em que se desenvolve, bem como sua reconfiguração em função das mudanças das práticas e das situações vivenciadas. De acordo com os referidos autores, o saber também é histórico por se constituir em um tempo-espaço social por meio das relações estabelecidas entre os sujeitos e os diferentes contexto dos quais os indivíduos fazem parte e em que constroem sua história de vida e carreira profissional, em um movimento constante de modificações que ocorrem na realidade em que estão inseridos.

Para os atores supracitados, os saberes são ainda plurais, pois apresentam conhecimentos e manifestações diversificadas do saber-ser e do saber-fazer, as quais emergem de diferentes fontes, tais como os currículos, as disciplinas, as ciências da educação e as experiências pessoais e profissionais vivenciadas pelos sujeitos. Monteiro (2006), ao tratar sobre os saberes mobilizados por professores alfabetizadores, afirma que o aspecto plural conglomera a diversidade de ocorrências pertinentes à história de vida, isto é, envolve

7A ideia de que os saberes mobilizados pelos professores são, além de individuais, coletivos remete ao conceito

de “gênero profissional” (ver Yves Clot e Daniel Faïta), que se relaciona às maneiras de fazer compartilhadas por profissionais que desempenham o mesmo ofício.

as experiências vividas pelo alfabetizador ao longo de sua vida pessoal, escolar, formativa e profissional. Já o aspecto temporal está contido no saber porque o professor aprende a pensar, a agir e a se relacionar com outros indivíduos em seu “dia-a-dia”, durante sua trajetória da formação e de sua carreira professional.

Haja vista os saberes estarem imbricados com o fazer docente, dando lhe sustentação e sendo por ele sustentado, depreendemos que os saberes-fazeres são constituídos em um tempo, em um contexto histórico-social, assumindo certas peculiaridades de acordo com essas variações, o que ocasiona seu pluralismo. Portanto, tais saberes-fazeres não são uniformes, nem estáticos, mas dinâmicos e diversos por assumirem os contornos dos tempos-espaços. O exposto nos possibilita compreender que os saberes-fazeres dos alfabetizadores que desenvolvem práticas de ensino da leitura e da escrita consideradas bem-sucedidas são, por assim dizer, plurais e mutáveis, de modo que é provável que não exista uma única configuração de sucesso, tanto em relação a professores imersos em realidades distintas, quanto em uma mesma realidade.

Além disso, parafraseando Tardif (2008) e Monteiro (2006), inferimos que as práticas do professor são formadas por um pluralismo de saberes, pois, no ato de ensinar, eles estão relacionados com as competências pedagógicas e ainda com o saber-fazer, com as experiências pessoais, com as perspectivas de ensino, com a cultura social e de seu trabalho, com o habitus profissional, com a pessoa e sua identidade, suas histórias de vida e escolar e com a interação com os alunos e outros atores escolares.

Mediante a isso, depreendemos que os saberes-fazeres mobilizados pelos professores em sala de aula não são uniformes, já que sofrem a influência de diversos âmbitos e acontecimentos, de modo que congregam certos elementos e descartam ou ressignificam outros, imprimindo-lhes contornos próprios e distintos, podendo variar de um profissional para outro. Contudo, é preciso considerar que, apesar de heterogêneos, os saberes-fazeres são capazes de manter certa contiguidade, certa concatenação, ou seja, eles não são desarticulados e inconstantes, existe um encadeamento, ao menos em certa medida, na síntese das influências advindas de cada contexto, de cada experiência.

Essa pluralidade que caracteriza o saber docente está relacionada ao fato de que “en lá enseñanza cotidiana, y desde la própria historia e interesses de quienes la realizan, se combinan los saberes provenientes de distintos momentos históricos y âmbitos sociales” (MERCADO, 1991, p. 60). Nesse sentido, compreendemos que os saberes são plurais, justamente porque provêm de fontes heterogêneas de aquisição, bem como de momentos e espaços-tempos sócio-históricos-culturais distintos, como bem evidencia o estudo de

Monteiro (2006), ao constatar a diversidade de fontes que constituíam os saberes das professoras alfabetizadoras consideradas bem-sucedidas. Nessa direção, a pesquisa dessa autora demonstra que os saberes docentes foram adquiridos sob a influência da infância pré- escolar, da vida escolar, da trajetória do curso de formação e da vida profissional, porém com pesos diferentes e com contribuições de naturezas específicas. Assim, podemos afirmar que essa diversidade de fontes imprimem nos saberes-fazeres especificidades, que podem fazer com que as práticas bem-sucedidas assumam contornos diversos, pois diversos foram também os caminhos percorridos por cada profissional.

Nessa perspectiva, compreendemos que essas diferentes fontes, esses diferentes momentos ou espaços-tempos fundem-se nos saberes, de modo a formar um todo complexo e dinâmico. Nesse sentido, torna-se até mesmo difícil destrinchar suas partes, desvincula-las, considerá-las de forma totalmente isolada, apesar de haver “uma seleção hierárquica entre os saberes docentes, visto que não são todos eles que atendem ao mesmo tempo as necessidades específicas oriundas do trabalho docente” (GUIMARÃES, 2004, p. 39). Por conseguinte, essa compreensão implica considerar que isso ocorre porque o professor submete os saberes que construiu às certezas das suas experiências, produzindo seus próprios saberes-fazeres.

Logo, “é na prática que o docente julgará quais saberes-fazeres tem, a seu ver, maior relevância” (SALES, 2012, p. 59). Ou seja, nem todas as fontes influenciam da mesma maneira a mobilização de saberes pelos professores, tendo em vista que seu próprio trabalho, seu fazer exige deles posturas diferentes em relação a cada momento, objetivo ou acontecimento, de modo que são essas urgências que irão fazer com os referidos profissionais privilegiem saberes advindos de determinadas fontes em detrimento de outros. Nesse sentido, há certo consenso de que os saberes experienciais, por exemplo, têm um peso significativo na prática do professor, de modo que saberes advindos de outras fontes chegam inclusive a serem filtrados pelas experiências presentes e passadas dos sujeitos.

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