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2.3 EDUCAÇÃO SUPERIOR DIANTE DAS MUDANÇAS NO MUNDO

2.3.3 Expansão da educação superior e o mercado de trabalho

governos neoliberais dos anos 90. Com isso, o princípio educativo da educação superior do Brasil dos anos desenvolvimentista perdeu a sua funcionalidade, em razão da política neoliberal prescindir da produção do conhecimento científico e tecnológico em âmbito nacional (Neves; Fernandes, 2002).

Em virtude disso, afirmam Neves; Fernandes (2002, p. 26) que a política neoliberal da educação superior brasileira passou a ter como prioridade capacitar a força de trabalho, a fim de “adaptar a tecnologia produzida no exterior e conformar este novo trabalhador qualificado às novas exigências da cultura empresarial”, principalmente, quanto à aceitação das desigualdades sociais, da competição acirrada entre indivíduos, classes, grupos e da perda de seus direitos, conquistados ao longo da História.

matrículas, gerando um processo de privatização estimulado pelos governos militares, cujo padrão na América Latina somente encontra paralelo no Chile de Pinochet, fazendo com que a democratização do acesso ao ensino superior não se faça pela via da “massificação” do ensino público, como são exemplos o México e a Argentina, mas através de um ensino privado, pago e de baixa qualidade média.

(TRINDADE, 2001, p. 29)

Santos (2003) vê a universidade dentro da dicotomia educação-trabalho. Dicotomia, que começou com a existência de dois mundos bem diferentes, o mundo ilustrado e o mundo do trabalho e, nos primeiros períodos do desenvolvimento capitalista, quem pertencia ao primeiro mundo estava dispensado do segundo e quem pertencia ao segundo estava excluído do primeiro. Mais tarde, contudo, a dicotomia assumiu um outro significado, a separação temporal de dois mundos que se intercomunicam, ou seja, a seqüência educação-trabalho.

Essa mudança da relação entre os termos da dicotomia trouxe, inevitavelmente, a mudança interna de cada um deles. Dessa forma, a educação que consistia inicialmente, em

transmissão da alta cultura, formação do carácter (sic), modo de aculturação e de socialização adequado ao desempenho da direcção (sic) da sociedade, passou a ser também educação para o trabalho, ensino de conhecimentos utilitários, de aptidões técnicas especializadas capazes de responder aos desafios do desenvolvimento tecnológico no espaço da produção. Por seu lado, o trabalho, que fora inicialmente desempenho de força física no manuseio dos meios de produção, passou a ser também trabalho intelectual, qualificado, produto de uma formação profissional mais ou menos prolongada. A educação cindiu-se entre a cultura geral e a formação profissional e o trabalho, entre o trabalho não qualificado e o trabalho qualificado.

(SANTOS, 2003, p. 196).

Diante dessa mudança, a resposta da universidade consistiu em tentar compatibilizar a educação humanística e a formação profissional no seu seio, a fim de compensar a perda de centralidade cultural, provocada pela emergência da cultura de massas, com o reforço da centralidade na formação da força de trabalho especializada. Assim, como conseqüência dessa resposta, torna-se muito presente nos anos 60 a diferenciação interna do ensino superior e da própria universidade, surgindo ou desenvolvendo outras instituições especificamente vocacionais para a formação profissional e mantendo diferentes graus de articulação com as universidades, assevera Santos (2003).

Hoje, o nível de discussão da dicotomia educação-trabalho é mais profundo, inclusive o questionamento da seqüência educação-trabalho. A acelerada transformação dos processos produtivos faz com que a educação não seja mais anterior ao trabalho, mas, sim, concomitante a este. No processo produtivo, a formação e o desempenho profissional tendem a fundir-se, o que evidencia as exigências da educação permanente, da reciclagem, da reconversão

profissional e também, um aumento significativo de adultos e de trabalhadores-estudantes entre a população estudantil. Outro aspecto a se considerar é a alteração que vem ocorrendo na própria concepção do trabalho, ao tornar mais tênue a ligação entre trabalho e emprego (Santos, 2003).

Em face das incertezas do mercado de trabalho e da volatilidade das formações profissionais que ele reclama, considera-se que é cada vez mais importante fornecer aos estudantes uma formação cultural sólida e ampla, quadros teóricos e analíticos gerais, uma visão global do mundo e das suas transformações de modo a desenvolver neles o espírito crítico, a criatividade, a disponibilidade para inovação, a ambição pessoal, a atitude positiva perante o trabalho árduo e em equipa, e a capacidade de negociação que os preparem para enfrentar com êxito as exigências cada vez mais sofisticadas do processo produtivo (SANTOS, 2003, p. 198)

O mundo do trabalho constitui-se em um dos espaços privilegiados de educação, dizem Delors et al (2001, p. 113). “Trata-se, (...) da aprendizagem de um conjunto de habilidades e, a este respeito, importa que seja mais reconhecido, na maior parte das sociedades, o valor formativo do trabalho, em particular quando inserido no sistema educativo.” E, para que haja este reconhecimento, é preciso que se multipliquem “as parcerias entre o sistema educativo e as empresas de modo a favorecer a aproximação necessária entre formação inicial e formação contínua”.

Para Delors et al (2001, p. 139-140), em qualquer sociedade, o ensino superior é “um dos motores do desenvolvimento econômico e, ao mesmo tempo, um dos pólos da educação ao longo de toda a vida.” E, se de um lado é depositário e criador de conhecimentos, por outro, é o “instrumento principal de transmissão da experiência cultural e científica acumulada pela humanidade.” Destaca-se a importância do ensino superior e das suas instituições, num mundo em que os recursos cognitivos, enquanto fatores de desenvolvimento tornam-se mais importantes que os recursos materiais. E as exigências pelos profissionais competentes, habilitados com estudos de nível superior, intensificar-se-ão cada vez mais diante da inovação e do progresso premente no mundo econômico atual.

Nessa perspectiva,

É preciso, enfim, que o ensino superior continue a desempenhar o papel que lhe cabe, criando, preservando e transmitindo o saber em níveis mais elevados. Mas as instituições de ensino superior desempenham, também, uma função determinante na perspectiva de uma educação repensada no espaço e no tempo. Devem juntar a eqüidade à excelência, abrindo-se plenamente aos membros de todos os grupos sociais e econômicos, sejam quais forem os seus estudos anteriores. As universidades, em especial, devem dar o exemplo inovando, com métodos que

permitam atingir novos grupos de estudantes, reconhecendo as competências e os conhecimentos adquiridos fora dos sistemas formais e dando particular atenção, graças à formação de professores e de formadores de professores, a novas perspectivas de aprendizagem. (DELORS et al, 2001, p. 123).

Entretanto, cabe considerar que, há cerca de dez anos, em grande parte do mundo em desenvolvimento, o ensino superior está em crise. Para Papadopoulos17 apud Delors et al (2001, p. 140-141) o ensino superior como em outros níveis, teve que se submeter à “força e urgência com que, em nível político, se afirma a necessidade de uma reforma da educação, como resposta aos imperativos econômicos”, diante das pressões sociais e as exigências específicas do mercado de trabalho.

As significativas transformações sociais, vivenciadas pelo mundo do trabalho e da produção,

“redimensionam o papel da educação e da escola”, afirma Dourado (2001, p. 49); passando a vislumbrar as agências educacionais, como “um dos elos de socialização dos conhecimentos técnico-científicos, historicamente produzidos pelo desenvolvimento de habilidades, capacidades e competências sociais requeridas”, principalmente, em sintonia com o setor produtivo.

Segundo Frigotto (2001, p. 176), a expansão que ocorre no ensino superior, nos fins da década de 60, na fase da internacionalização acelerada da economia nacional, tem seu efeito, no início, pelo menos parcialmente, tanto no âmbito político como econômico. Contudo, essa expansão teve a sua verdadeira natureza revelada após uma década, ao passar o período denominado “milagre econômica”. Verifica-se que a economia “nacional” está à mercê do capital internacional e o país privado pela liberdade pelas decisões do Fundo Monetário Internacional. Com isso, tem-se de um lado, a concentração de renda, e de outro, a inelasticidade da oferta de emprego compatíveis com o nível superior, que se configura em um quadro de diplomados em nível superior, caracterizado por Prandi18 apud Frigotto (2001, p. 176) de “favoritos degradados”, na análise do mercado para egressos do ensino superior. E, mediante expansão no final desse período, principalmente do ensino privado, surge num nível mais agudo, o desemprego dos diplomados. Com isso, “desfaz-se o mito de que o progresso técnico demanda crescente contingente de diplomados em nível superior e que tal diploma garante o exercício de um trabalho qualificado e mais bem remunerado” (FRIGOTTO, 2001,

17 PAPADOPOULOS, George. Learning for the Twenty-first Century. Estudo realizado para a Comissão.

Paris, UNESCO, 1994.

p. 176). Defende ainda Frigotto (2001) que, a reconstituição histórica do processo seletivo no ensino superior, indica diversos mecanismos que concorrem para esse controle. E, ao lado desses mecanismos, tanto institucionais quanto legais, desenvolvem-se ainda, no interior das próprias relações de trabalho, formas de controle sobre os profissionais de nível superior.

O mecanismo mais radical, contudo, inserido no interior do processo de trabalho, trata-se do rebaixamento das relações e condições de trabalho dos profissionais de nível superior.

A passagem de profissionais liberais para a condição de trabalhadores assalariados, dentro de um esquema de parcialização de tarefas, representa não só a perda do controle sobre seu processo produtivo e a definição de seus ganhos, como também uma subjugação cada vez mais aguda às leis das relações capitalistas de trabalho.

(FRIGOTTO, 2001, p. 178-179).

Dessa forma, destaca, ainda, que a tendência da escola, enquanto instituição inserida no interior de uma formação social, cujas relações sociais de produção capitalista são dominantes, é se tornar uma instância mediadora dos interesses do capital, em diferentes níveis. Numa sociedade, na qual predomina a discriminação e o privilégio de poucos, não há interesse por um nivelamento ao acesso efetivo do saber, quer em quantidade como em qualidade.

Portanto, de acordo com Frigotto (2001, p. 179), a desqualificação da escola, que se verifica por diversos mecanismos, constitui-se numa forma sutil e eficaz de negar à classe trabalhadora o acesso aos níveis mais elevados do saber. Assevera, ainda, que esta negação, consiste em uma das “formas de mantê-la marginalizada das decisões que balizam o destino da sociedade”.

Diante disso, cabe a discussão feita por Chauí (2001, p. 189-190) acerca da universidade hoje, ao afirmar que, acompanhando as sucessivas mudanças do capital e por estar inserido na mudança geral da sociedade, a universidade teve a passagem da condição de instituição à de organização, em três etapas sucessivas. Numa primeira etapa, tornou-se universidade funcional, nos anos 70, que corresponderam no Brasil ao “milagre econômico”; na segunda etapa, universidade de resultados, referente ao processo conservador de abertura política dos anos 80 e, na terceira, universidade operacional, que corresponde ao neoliberalismo dos anos

18 PRANDI, R. Os favoritos degradados – ensino superior e profissões de nível universitário no Brasil hoje.

São Paulo, Loyola, 1982.

90, ou seja, ocorreram várias reformas de ensino direcionado à adequação da universidade ao mercado.

A universidade funcional, destaca Chauí (2001), foi o prêmio de consolação oferecido pela ditadura à sua base de sustentação político-ideológica, à classe média despojada de poder, que a ela foram prometidos prestígios e ascensão social através do diploma universitário. Assim, voltada à formação rápida de profissionais requisitados como mão-de-obra altamente qualificada para o mercado de trabalho e a fim de adaptar-se às exigências do mercado e garantir a inserção profissional dos estudantes nesse mercado currículos, programas e atividades foram alterados pela universidade.

A universidade de resultados se baseia na anterior, mas com a inclusão de novidades. Uma delas, a expansão para o ensino superior com a presença cada vez maior das escolas privadas e a outra, a “introdução da idéia de parceria entre a universidade pública e as empresas privadas” (CHAUÍ, 2001, p. 189), o que se traduziu como decisivo, pois não só as empresas deveriam assegurar empregos futuros aos profissionais universitários e estágios remunerados aos estudantes, como também financiar pesquisas voltadas a seus interesses.

A denominada universidade operacional, “por ser uma organização, está voltada para si mesma como estrutura de gestão e de arbitragem de contratos. Em outras palavras, a universidade está virada para dentro de si mesma, mas, como veremos, isso não significa um retorno a si, e sim, antes, uma perda de si mesma” (CHAUÍ, 2001, p. 190). Avaliada por índice de produtividade, regida em muitos casos por contratos de gestão e esperada para ser flexível, a universidade operacional está estruturada por estratégias e programas de eficiência organizacional. Para a autora, a heteronomia da universidade autônoma é claramente visível, ocorrendo, “o aumento insano de horas-aula, a diminuição do tempo para mestrados e doutorados, a avaliação pela quantidade de publicações, colóquios e congressos, a multiplicação de comissões e relatórios etc.”