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2.2 OS SENTIDOS DO TRABALHO

2.2.1 Taylorismo/Fordismo, Toyotismo e acumulação flexível

Harvey (2003) faz uma análise do significado e os contornos das transformações vivenciadas pelo capitalismo nas últimas décadas. Explica que, devido a problemas com a rigidez dos investimentos de capital fixo de larga escala e de longo prazo em sistemas de produção em massa, que inviabilizavam a flexibilização de planejamento, problemas de rigidez nos mercados, na alocação e nos contratos de trabalho, o fordismo conseguiu manter-se forte até por volta de 1973, quando teve início um processo de transição no interior do processo de acumulação de capital.

O binômio taylorismo/fordismo, nos dizeres de Antunes (2003a, p. 36), é a expressão dominante que indica o sistema produtivo e o seu respectivo processo de trabalho que vigorou na grande indústria, ao longo de todo século XX e, principalmente, a partir da segunda década, baseando-se na “produção em massa de mercadorias, que se estruturava a partir de uma produção mais homogeneizada e enormemente verticalizada.” Tem-se como exemplo marcante desse processo produtivo, a indústria automobilística, que realizava a maior parte da produção necessária à fabricação de veículos internamente, recorrendo somente ao fornecimento externo, ao setor de autopeças. Procurava-se ao máximo, o racionamento das operações realizadas pelos trabalhadores, por meio de combate ao desperdício na produção, redução do tempo e aumento do ritmo de trabalho, a fim de intensificar as formas de exploração. Sistema produtivo que se estruturou, baseado no trabalho parcelar e fragmentado;

na decomposição das tarefas, cuja ação operária era reduzida a um conjunto repetitivo de atividades e a somatória desse resultava no trabalho coletivo produtor de um determinado produto.

Nesse contexto é que emerge no Ocidente, o chamado toyotismo e a era da acumulação flexível. A crise estrutural do capital, que era expressa de modo contingente como crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, a partir dos anos 70 fez com que o capital, entre tantas outras conseqüências, implementasse um vasto processo de reestruturação, “visando recuperar do seu ciclo reprodutivo e, ao mesmo tempo, repor seu projeto de dominação societal, abalado pela confrontação e conflitualidade do trabalho” (ANTUNES, 2003a, p. 47).

Em oposição ao poder emanado pelas lutas sociais, na busca de um melhor gerenciamento de um projeto de recuperação da sua hegemonia nas mais diversas esferas da sociedade e não apenas procurando reorganizar o processo produtivo em termos capitalistas, o capital iniciou um processo de reorganização das suas formas de dominação societal (Antunes, 2003a).

Surge, então, o toyotismo que, de acordo com Antunes (2003a, p. 54), é uma forma de organização do trabalho criado pelo engenheiro japonês Ohno, na fábrica Toyota no Japão pós-45, que se propagou com muita rapidez para as grandes companhias daquele país, e é considerada “como via japonesa de expansão e consolidação do capitalismo monopolista industrial”. E, como diferenças básicas em relação ao fordismo, verifica-se: produção variada e bastante heterogênea, ao contrário da homogeneidade fordista, ou seja, trata-se de uma produção muito vinculada à demanda; fundamentada no trabalho operário em equipe, com multivariedade de funções, o que se rompe com o caráter parcelado típico do fordismo;

produção estruturada no processo produtivo flexível, o qual possibilita ao operário trabalhar ao mesmo tempo com várias máquinas, diferentemente da relação homem/máquina, em que se baseava o taylorismo/fordismo e com melhor aproveitamento do tempo de produção, o princípio just in time; funciona de acordo com o sistema kanban, ou seja, um sistema de placas ou senhas de comando para reposição de peças e de estoque. Comparado com o fordismo, o estoque é mínimo; contrário à verticalidade fordista possui uma estrutura horizontalizada. Enquanto na fábrica fordista 75% da produção era realizada no seu interior, na toyotista, apenas em torno de 25% é de responsabilidade interna, tendência que veio se intensificando cada vez mais. Na fábrica toyotista, é priorizada a especialidade no processo produtivo, chamada de “teoria do foco” e, grande parte do que antes era produzido no seu

espaço produtivo, agora é transferida a terceiros; organização dos Círculos de Controle de Qualidade (CCQs), que constitui grupos de trabalhadores que discutem trabalho e desempenho, visando melhoria da produtividade das empresas, o que possibilita ao capital apropriar-se do savoir faire intelectual e cognitivo do trabalho, desprezado pelo fordismo;

implantação do chamado “emprego vitalício”, que garante ao trabalhador japonês, inserido nesse contexto, a estabilidade do emprego e, aos 55 anos, ser remanejado para outro trabalho menos relevante, na mesma empresa.

Tomaney9 apud Antunes (2003a, p. 49) diz que, “As mudanças que estão afetando o mundo do trabalho, especialmente no “chão da fábrica”, são resultados de fatores históricos e geográficos, e não somente das novas tecnologias e do processo de desenvolvimento organizacional” e, critica a teoria da especialização flexível, ao dizer que,

é possível identificar três conjuntos maiores de problemas: primeiro, a utilidade da dicotomia entre produção de massa e especialização flexível; segundo, a incapacidade de dar conta dos resultados do processo de reestruturação e tratar das implicações políticas disso; finalmente, o fato de que, mesmo onde exemplos de especialização flexível podem ser identificados, isso não necessariamente tem trazido benefícios para o trabalho, como eles supõem.

Pelo contrário, constata-se exemplos crescentes de intensificação do trabalho, por meio da implantação do just in time.

No tocante à acumulação flexível Harvey (2003, p. 140) afirma, que essa fase da produção é

marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Ela se apóia na flexibilidade dos processos de trabalho, dos mercados de trabalho, dos produtos e padrões de consumo. Caracteriza-se pelo surgimento de setores de produção inteiramente novos; novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional. A acumulação flexível envolve rápidas mudanças dos padrões do desenvolvimento desigual tanto entre setores como entre regiões geográficas, criando, por exemplo, um vasto movimento no emprego no chamado

“setor de serviços”, bem como conjuntos industriais completamente novos em regiões até então subdesenvolvidas(...) A acumulação flexível parece implicar níveis relativamente altos de desemprego “estrutural”, rápida destruição e reconstrução de habilidades, ganhos modestos de salários reais e o retrocesso do poder sindical (HARVEY, 2003, p. 140-141).

Em virtude dessas mudanças, o mercado de trabalho passou por uma radical reestruturação, tendo em vista a acentuada volatilidade do mercado, o aumento da competição e a redução das margens de lucro. Os patrões tiraram proveito do grande número de mão-de-obra

9 TOMANEY, John. A New Paradigm of Work Organization and Tecnology? In: AMIN, Ash (org.) Post-Fordism: a Reader. Blackwell: Oxford, 1996.

excedente, de desempregados ou subempregados, e do enfraquecimento do poder sindical para então, impor regimes e contratos de trabalho mais flexíveis.

Diante disso, o mercado de trabalho tornou-se cada vez mais diversificado e fragmentado, delineando-se em dois grupos de trabalhadores, o central e periférico. Trabalho mais seguro, porém, reduzido, para o grupo central, sendo que, em contrapartida, o trabalhador que pertence ao segundo grupo, obriga-se a contínua adaptação a novos trabalhos, haja vista, ser o trabalho temporário e em constante mutação (Harvey, 2003).

Segundo Harvey (2003, p. 148), embora as empresas, baseadas no modelo fordista, pudessem adotar as novas tecnologias e processos de trabalho (também chamadas de neofordista), as pressões competitivas e, também, a luta por um melhor controle da força do trabalho, fizeram surgir “formas industriais totalmente novas ou à integração do fordismo a toda uma rede de subcontratação e de ‘deslocamento’ para dar maior flexibilidade diante do aumento da competição e dos riscos.” Essa subcontratação e a produção em pequenos lotes visavam superar a rigidez do modelo e ainda, atender a uma gama maior de necessidades de mercado.

Outro aspecto destacado por Harvey (2003), quanto aos sistemas de produção flexível, é que estes permitiram a aceleração do ritmo da inovação do produto, juntamente com a exploração de nichos de mercado especializados e de pequena escala. Esclarece, também, que em condições de recessão e de aumento da competição, o impulso de explorar essas situações tornou-se primordial para a sobrevivência e que o tempo de giro foi reduzido de forma drástica pelo uso de novas tecnologias de produção e de novas formas de organização.