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2.3 EDUCAÇÃO SUPERIOR DIANTE DAS MUDANÇAS NO MUNDO

2.3.1 Modernização administrativa e as reformas de ensino no Brasil

Shiroma; Moraes; Evangelista (2002, p. 17) afirmam que, no alvorecer dos anos 30, já se verificava, nos debates políticos, um crescente interesse pelas questões educacionais e

“ganhava força entre vários intelectuais e políticos da época, a idéia de que era indispensável à modernização do Brasil a montagem de um Estado nacional, centralizador, antiliberal e intervencionista”, cujo movimento resultou na Revolução de 1930.

Em atendimento a uma antiga reivindicação de educadores e intelectuais brasileiros, o Governo Provisório, instalado após essa Revolução, criou o Ministério dos Negócios da Educação e Saúde Pública, garantindo a tutela da União sobre os vários domínios do ensino no país. Tal fato se consistiu em adaptar a educação a diretrizes que, a partir daí, passaram a definir tanto no campo político como também no educacional. “O objetivo era o de criar um ensino mais adequado à modernização que se almejava para o país e que se constituísse em complemento da obra revolucionária, orientando e organizando a nova nacionalidade a ser construída” (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2002, p. 18). As mudanças atingiam vários níveis de ensino e, entre séries de decretos que efetivou as chamadas Reformas Francisco Campos, o Decreto 19.851 de 11 de abril de 1931, dispôs sobre a organização do ensino superior no Brasil e adotou o regime universitário.

Até 1942, nenhuma movimentação significativa pela parte do governo foi definida em termos de política educacional. Nesse ano, o então ministro da educação e saúde pública, Gustavo Capanema, implementou uma série de reformas que receberam o nome de Leis Orgânicas do Ensino e que flexibilizaram e ampliaram as Reformas Campos. O sucessor no Ministério,

Raul Leitão da Cunha, complementou, em 1945, as Leis Orgânicas (Shiroma; Moraes;

Evangelista, 2002). Apesar disso, nos anos de 1940, embora no período de 1942 a 1946 terem sido postos em execução vários decretos-leis, não foram contempladas mudanças no ensino superior.

O primeiro período da visão produtivista da educação, vivenciado entre os anos de 1950 e 1970, teve seu empenho em organizar a educação conforme as regras do taylorismo-fordismo, por meio da chamada “pedagogia tecnicista”, que se procurou implantar no Brasil, através da lei n. 5.692 de 1971, que buscava transpor para as escolas os mecanismos de objetivação do trabalho vigentes nas indústrias. A partir do final dos anos de 1980, contudo, apresenta-se o segundo período, no qual entraram em cena as reformas educacionais, ditas neoliberais em vigor que, sob a influência do toyotismo, buscava a flexibilização e a diversificação da organização das escolas, do trabalho pedagógico, como também, das formas de investimento (Saviani, 2002).

Em ambos os períodos, prevalece a busca pela produtividade guiada pelo princípio de racionalidade, que se traduz no empenho em se atingir o máximo de resultados com o mínimo de dispêndio. Para esse fim, o Estado, agindo em consonância com os interesses dominantes, transfere responsabilidades, sobretudo no que se refere ao financiamento dos serviços educativos, mas concentra em suas mãos as formas de avaliação institucional. Assim, também na educação, aperfeiçoam-se os mecanismos de controle inserindo-a no processo mais geral de gerenciamento das crises no interesse da manutenção da ordem vigente. (SAVIANI, 2002, p. 23).

A reforma de ensino, dos anos de 1960 e 1970, vinculou-se aos termos precisos do regime militar, com a insígnia de “desenvolvimento, ou seja, educação para a formação de ‘capital humano’, vínculo estrito entre educação e mercado de trabalho, modernização de hábitos de consumo e a integração da política educacional aos planos gerais do desenvolvimento”

(SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2002, p. 33-34). A política chamada desenvolvimentista articulou-se a uma significativa reorganização do Estado, a fim de atender aos interesses econômicos vigentes. Assimilaram alguns elementos do debate anterior, entretanto, fortemente marcadas por recomendações, advindas das agências internacionais e relatórios vinculados ao governo norte-americano (Relatório Atcon) e ao Ministério da Educação Nacional (Relatório Meira Mattos). Era preciso, portanto, incorporar compromissos assumidos pelo governo brasileiro na “Carta de Punta del Este” (1961) e no Plano Decenal de Educação da Aliança para o Progresso, principalmente, os derivados dos acordos entre o MEC

e a AID (Agency for International Development), ou seja, os conhecidos como Acordos MEC-USAID (Shiroma; Moraes; Evangelista, 2002).

Afirmam essas autoras tratar-se de consenso entre pesquisadores deste período, o fato de que apesar da ampla legislação reformista, a política educacional do regime militar se apoiarem basicamente nas leis 5.540/68 – que reformou o ensino superior – e a 5.692/71 – que reformou o ensino de primeiro e segundo graus. Comentam, ainda, que a Lei 5.540/68 talvez tenha sido um dos empreendimentos mais contraditórios do regime militar, pois, ao promover uma reforma no ensino superior brasileiro,

extinguiu a cátedra – suprimindo o que se considerava ser o bastião do pensamento e do comportamento conservadores na universidade -, introduziu o regime de tempo integral e dedicação exclusiva aos professores, criou a estrutura departamental, dividiu o curso de graduação em duas partes, ciclo básico e ciclo profissional, criou o sistema de créditos por disciplinas, instituiu a periodicidade semestral e o vestibular eliminatório (...) foi implementada a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão (SHIROMA; MORAES; EVANGELISTA, 2002, p. 37).

Portanto, o que se pretendia com a reforma universitária de 1968 era a construção de um ambiente universitário, nacionalmente, mais homogêneo e unificado, o “modelo único”. Com a indissociabilidade ensino-pesquisa-extensão, deveriam as universidades institucionalizar a pesquisa, ao mesmo tempo em que se articulava com o ensino e com os serviços de extensão (Catani; Oliveira, 2002).

Por outro lado, as reformas de educação superior, verificadas nas décadas de 80, 90 e, em vigor nos primeiros anos deste século, foram precedidas de fortes críticas e preocupações com o estado do sistema de ensino. Destacam-se entre essas críticas:

os objetivos que não concordam com as expectativas da sociedade; a ausência de produção de profissionais nos moldes requeridos pelo mercado de trabalho; a ênfase na academia e o isolamento com relação à sociedade e à vida; a utilização de tecnologias atrasadas em comparação com a indústria; o ensino centrado na informação, na memorização, no conformismo e na homogeneidade e não na crítica, na inovação e na criatividade; os custos elevados e crescentes; baixa relação professor-aluno nas universidades públicas; a subutilização das instalações físicas e das habilidades dos docentes; a duplicação desnecessária de programas e carreiras;

as altas taxas de evasão e repetência; a excessiva soma de recursos destinada à residência estudantil, restaurantes, bolsas, subsídios etc., o desenvolvimento de ações restritas a uma só parte da população, legitimando a estratificação social existente; a atuação de forma burocrática, autoritária e repressiva por parte dos organismos universitários; a passividade estudantil etc.(CATANI; OLIVEIRA, 2002, p. 85)

Ou seja, entende-se que o “modelo único” não é mais capaz de adaptar-se às novas condições da economia mundial, tendo em vista a inércia e a incapacidade de atender às demandas, exigências e desafios contemporâneos. Assim, o governo Fernando Henrique Cardoso considerava necessário flexibilizar e diversificar a educação superior, de forma a possibilitar o surgimento de outros formatos institucionais e organizacionais e que os já existentes possam redefinir sua identidade e desenvolver novas competências, mediante estabelecimento de vínculos com as exigências do local, do regional, do setor produtivo e do mercado de trabalho (Catani; Oliveira, 2002).

Dias Sobrinho (2003, p. 101) também compactua com essa discussão ao comentar que, na década de 1990, o Brasil e vários países da América Latina, sob a orientação e mesmo imposição do Fundo Monetário Internacional (FMI) e outros organismos multilaterais, como o Banco Mundial, Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econömico (OCDE), empreenderam reformas a fim de adequar o “Estado e a sociedade a uma nova ordem, passando a constituir-se o centro de todos os valores”. Com isso, se fez necessária adequação da educação superior aos novos imperativos e submeter-se à centralidade econômica.