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As profundas transformações societárias revelam-se, atualmente, de forma mais acentuada, quanto ao padrão capitalista de acumulação, aos processos de trabalho e às funções, poderes e práticas do Estado na sua relação com a sociedade civil. Como já indicado, desde fins dos anos 1970, a economia internacional foi atingida por desequilíbrios macroeconômicos, financeiros e de produtividade, que passaram a configurar uma crise do capitalismo, e não propriamente do Estado de Bem-estar. Os impactos dessa crise ainda são sentidos, de forma diferenciada, em cada país, conforme suas particularidades históricas, culturais e políticas. Os desafios e riscos sociais ganharam novas formas históricas em decorrência das mudanças ocorridas na relação capital e trabalho, nos processos produtivos e na relação Estado versus sociedade/mercado e políticas sociais, que, fazendo um retrospecto, apresentavam a seguinte configuração: o sistema de regulação social capitalista, que se consolidou no segundo após a Segunda Guerra Mundial e prevaleceu até a década de 1970, caracterizou-se por um tipo de relação entre Estado e sociedade, capital e trabalho, até então inexistente, à medida que elevou a proteção social à condição de direito de cidadania, colocando-a no contexto de seguridade social, de caráter público e universal.

27 Para maior aprofundamento da relação entre o chamado trceiro setor e questão social, ver obra de Montaño

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O modelo beveridgiano de proteção social, que, de forma pioneira, se instalou nos anos 1940, estava apoiado em quatro áreas programáticas: seguro social (baseado em contribuições sociais), benefícios suplementares (não-contributivos); subvenções familiares (não-contributivas) e isenções fiscais (destinadas aos grupos de alta renda). O Estado de Bem-estar passou a realizar ações e medidas sociais voltadas para o interesse público, graças a uma regulação ampliada e coletivamente consentida. De acordo com Pereira (2000, p. 112-113), a satisfação das necessidades básicas da população foi materializada nas políticas de manutenção (ou transferência) de renda, de proteção ao trabalho e na garantia ao acesso e usufruto dos bens e serviços sociais universais, como saúde e educação.

As quatro áreas programáticas do modelo beveridgiano citadas, passaram a incorporar tanto elementos do seguro, previstos no modelo bismarckiano, quanto de assistência social, ausente no modelo alemão, o que confirma a complexidade e a preocupação, já naquele contexto, com a complementaridade entre seguro e assistência, conforme Boschetti (2001, p. 38). Com base no modelo beveridgiano, que tinha como suporte a política econômica keynesiana, o financiamento das medidas de bem-estar deveria se dar mediante a contribuição social por meio de impostos. Com o modelo, foram criadas as bases (conceituais e operacionais) da primeira rede universal de proteção e de seguridade social. Beveridge (representante do fabianismo inglês) e Keynes (economista inglês) incentivaram e promoveram de forma substantiva: a) políticas de pleno emprego; b) ampliação do conceito de cidadania (com a inclusão dos direitos sociais); c) criação e extensão de uma legislação social; e d) institucionalização da assistência social como um meio de superação da pobreza absoluta. Esse modelo, ao adotar o universalismo como princípio de redistribuição de bem-estar, fez que o setor estatal passasse a financiar as políticas de bem-estar, mediante políticas fiscais de arrecadação de recursos. Portanto, além de promover a extensão e a universalização dos direitos de cidadania, o setor público passou a financiar a produção real do bem-estar. Nesse sentido, Beveridge e Keynes deram ampla justificativa à intervenção estatal, tanto na esfera econômica quanto na social. Defendiam a necessidade de ser assegurada uma ampla cobertura, e o mais igualitária possível. Daí a ênfase aos serviços sociais públicos (para todos).

Para Abrahamson (1995, p. 121), o modelo beveridgiano e keynesiano, que também se associou ao regime de produção fordista e organização taylorista,28 recebeu

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influências do projeto social democrata de Estado de Bem-estar europeu, que adotou como pressuposto a idéia de uma sociedade estatizada e altamente organizada (contrária, portanto, à idéia neoliberal de uma sociedade plural e desestatizada). Para este autor, tanto Beveridge como Keynes, cuja influência, nos anos 1950 estendeu-se além da Grã- Bretanha, estavam convencidos de que o Estado de Bem-estar não constituía nenhuma ameaça ao capitalismo. Entretanto, contraditoriamente, a história registra que essa intervenção estatal acabou se tornando, de um lado, contrária e ameaçadora aos princípios capitalistas de economia de mercado e, de outro lado, necessária e desejável para assegurar a realização dos propósitos públicos do Estado. Em outras palavras, tornou-se necessária para garantir aos trabalhadores bens e serviços sociais, categorizados como direitos, o que resultou no crescimento do prestígio dos governos no período após a Segunda Guerra Mundial, até o final dos anos 1970.

após, em escala mundial, um modelo revolucionário de organização científica do trabalho denominado taylorismo. Com o avanço da industrialização e com a crise de superprodução, em 1929, este modelo passou a ser incorporado ao sistema das máquinas de produção industrial, gerando um novo modelo operacional denominado Fordismo que impôs um processo acelerado de produtividade no trabalho, adaptando-o continuamente ao consumo de massas. Esta foi a saída encontrada pelo capital para superação da primeira grande recessão, crise econômica que se prolongou nas primeiras décadas do século XX.

Na chamada era taylorista-fordista (de grandes corporações internacionais como a GM, Ford, Shell, IBM, e outras), buscou-se combinar a produção em série com o crescimento econômico, pela via do processo crescente de industrialização, que assumiu um papel determinante, em que a própria produção puxava o crescimento econômico consumando, assim, a comercialização competitiva.

Ao término da década de 1960 e início da 1970 (contexto de crises petrolíferas de 1973 e 1979), ocorreu uma nova crise do capital, seguida de uma desaceleração geral da acumulação, com queda real nos ganhos de produtividade. Surgiu o fenômeno do chamado desemprego estrutural que, dentre outros fatores, expressa o declínio do modelo taylorista-fordista, que se caracterizou como um processo produtivo de regulação entre capital (sistema produtivo) e processos de trabalho (Antunes, 2000). Esse modelo, que predominou nas primeiras décadas do século XX privilegiou o desenvolvimento científico/tecnológico/informacional. Nesse período, as conquistas técnico-científicas reduziram o tempo e os custos na fabricação e comercialização das mercadorias. Seguiu-se ao declínio do modelo taylorista-fordista o paradígma econômico capitalista da acumulação flexível. Surgiu o fenômeno de produção baseada na expansão comercial mundializada, assentada em fluxos financeiros internacionais. Estavam dadas as condições reais e objetivas para a implantação da proposta econõmica neoliberal.Nos anos 1970, entrou em crise o sistema fordista-keynesiano, que deu sustentação econômica ao Estado de Bem-estar social, após a Segunda Guerra Mundial– 1945 a 1975, e se consolidou como paradígma do desenvolvimento capitalista e de políticas universais de pleno emprego. Como decorrência, assiste-se, atualmente, a uma gradativa flexibilização no campo dos direitos do trabalho, com imposição de padrões internacionais de conduta política e econômico-financeira, tendo em vista a globalização e a mundialização da economia. Instala-se a arena (globalizada) do livre comércio, fragilizando ainda mais os Estados-Nação. Cresceu a liberação econômica, com investimentos de capitais produtivos (privados e estatais) e de capital especulativo volátil (dinheiro), que passou a girar no mundo dos mercados financeiros (juros, câmbios, bolsas de valores). Assiste-se a processos de perda de direitos de cidadania e de transferência de responsabilidades e de recursos para o setor privado (terceirização), como também a passagem de um sistema regulatório público para um sistema desregulamentado, de natureza privada.

Enfatiza-se o conceito de terrritorialidade em que os marcos regulatórios dos Estados-Nação são substituídos por novas articulações (tres esferas de governo), a exemplo da retomada das redes de proteção social/programas de renda mínima, de perfil local e/ou global, com novas estratégias e condicionalidades entre o regime de proteção social e a inserção dos beneficiários desses programas no mundo do trabalho (workfare – políticas ativas como expressão de novas formas de emprego).

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Foi assim que o Estado de Bem-estar, visto como uma forma particular de regulação social29, difundiu princípios econômicos e sociais que passaram a orientar várias iniciativas de intervenção pública no capitalismo.

Sua organização política, portanto, é resultante de vários fatores e ideologias, com variações de país para país, a exemplo do que demonstra quadro 4, isto é, características bastante distintas entre os regimes de bem-estar europeus em relação aos objetivos, natureza dos serviços, fontes de financiamento, dentre outras rubricas.

Quadro 4 Características dos regimes de bem-estar europeus

Modelos

Características

Anglo-Saxão Continental Nórdico Mediterrâneo*

Ideologia Cidadania Corporativismo Igualitarismo Autonomia vital Objetivos Capacitação

individual

Manutenção de renda Rede de serviços sociais

Combinação de recursos Financiamento Impostos Cotizações laborais Impostos Misto Subsídios Tanto alzado (níveis

baixos)

Contributivos (níveis baixos)

Tanto alzado (níveis baixos)

Contributivos (níveis baixos)

Serviços Públicos residuais Agentes sociais Público compreensivo Apoio familiar Provisão Misto/quase mercados Misto/ONGs Público Misto/descentralizado Mercado de trabalho Desregulação Estáveis precários Alto emprego público Economia informal Gênero Polarização laboral Feminização/ trabalho

parcial

Feminização/ Trabalho público

Familismo ambivalente Pobreza Cultura dependência Cultura integração Cultura estatal Cultura assistencial

Fonte: Moreno (2001, p. 28).

Contudo, muitas vezes esse caráter multifuncional torna tais regimes instâncias contraditórias com capacidades particulares de responder, simultaneamente, às tensões que permeiam o variado campo das políticas sociais. É por isso que se diz que não há um modelo unívoco de Estado de Bem-estar.

Todavia, em que pese a diversidade das formas nacionais de posicionamento diante de demandas e necessidades sociais, é indiscutível a influência, em todas elas, da política econômica keynesiana e do Plano Beveridge. A contribuição de Keynes deu-se em dois níveis: social e político, de um lado, e, econômico, de outro. A discussão iniciada no final dos anos 1930 sobre os rumos da economia e dos problemas criados pela incapacidade da doutrina liberal de equacioná-los, criou a base teórico-conceitual do Estado de Bem-estar. Instituiu-se, naquela conjuntura, uma nova forma de regulação sócio-

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Diversas classificações (tipologias) do Estado de Bem-estar podem ser encontradas em diferentes autores, como Titmus (1974) e Esping-Andersen (1991), Therborn (1989), Draibe (1990), Fleury (1994), Pereira (1994, 2000), dentre outros.

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política e econômica do sistema capitalista, que vigorou do início dos anos 1940 até o final dos anos 1970, período denominado, pela literatura específica, de os trinta anos gloriosos. O auge de seu êxito ocorreu nos anos 1950 e 1960. A regulação keynesiana objetivou atenuar as incertezas do capitalismo, criando as condições para aumentar sua previsibilidade, vista como critério essencial à manutenção das relações sociais e econômicas. Para Oliveira (1998), não era preocupação de Keynes a erradicação da estrutura social e econômica capitalista. Ele estava empenhado em construir um padrão de bem-estar com previsibilidade tal que pudesse controlar as formas do conflito social, engendrado pelo próprio sistema, e agia assim por saber que o capital não tinha, por princípio, a prática de arriscar-se no mercado, com recursos próprios. Daí sua preocupação em reduzir, ao mínimo, os níveis de incerteza do mercado, definindo continuamente estratégias para a obtenção de um razoável nível de previsibilidade.

Nesse sentido, o Estado de Bem-estar constituiu-se, de um lado, em uma forma de regulação sociopolítica da ordem capitalista, fundamentada no paradigma da seguridade social, e, de outro, passou a regular os próprios mecanismos do sistema, ao colocar limites à sua expansão. Em síntese, é possível afirmar que o Estado de Bem-estar estruturou uma arena de conflitos, como afirmado anteriormente, pautada em um conjunto de regras que conferiu à política econômica keynesiana do período após a Segunda Guerra Mundial a capacidade de tornar-se previsível. Nessa perspectiva, sem deixar de ser um Estado capitalista, o Estado de Bem-estar ganhou legitimidade e autonomia para instituir e aplicar políticas sociais públicas e universais, além de construir pactos entre sindicatos, empresários e partidos. Assim, por esses meios, instituíram-se as relações de cooperação entre diferentes sujeitos sociais, mas sem que o Estado perdesse o seu protagonismo no processo de regulação social.

A idéia de cooperação entre Estado, mercado e setores não-mercantis da sociedade (que, posteriormente, se constituiu na gênese da idéia original da proposta de pluralismo de bem-estar), preconizada pelo pacto keynesiano, se deu, portanto, como resultado de uma articulação política e estratégica e de uma redefinição do lugar do Estado — agora altamente intervencionista — na economia, o que constituiu mudança substancial no campo das relações sociais e econômicas. Dito em outros termos, ao mesmo tempo em que o Estado de Bem-estar criava mecanismos de garantia de políticas de pleno emprego e de um seguro social público e universal, ele assegurava sua funcionalidade e compromisso em relação ao processo de crescimento das economias de mercado, pela via da socialização

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do consumo, tendo em vista uma sociedade mais igualitária. Em consonância com essa tendência, Keynes estimulava a criação de medidas macroeconômicas, tais como: o investimento público, a imposição de condições contratuais, a regulação do mercado, a redistribuição de renda, o combate à pobreza. Para Pereira (2001, p. 33), a ascensão da proteção social à condição de direito do cidadão e dever do Estado, “representou, inegavelmente, um aperfeiçoamento político-institucional de monta no âmbito da regulação estatal”, muito embora, ressalta, “tal ascensão não tenha se dado por cima, ou por fora dos conflitos de classe”. Paradoxalmente, com a institucionalização e a desmercadorização da força de trabalho efetivada pelo Estado de Bem-estar, parte do custo dessa força de trabalho passou a ser financiada com recursos públicos (OLIVEIRA, 1998), o que significa dizer que a força de trabalho, ao ser desmercadorizada, tornou-se um custo público que passou a ser socializado por todos. Nesse sentido, o recurso público passou a funcionar como redutor das incertezas do mercado_risco que o capital privado não corre, preferindo transferi-lo para o setor público. Assim, para Oliveira (1998), sob a influência keynesiana, o estado de incertezas ganhou previsibilidade mediante macro-regulações que caracterizaram o chamado pacto macro corporativo, o que evidencia a presença da idéia pioneira de cooperação entre classes e de pluralidade de atores nas formulações teóricas de Keynes_ idéia que, mais tarde foi incorporada pela nova direita, para justificar a proposta de pluralismo de bem-estar sob orientação neoliberal, temática a ser abordada mais adiante.

A proposta inicial de Keynes era de que o Estado deveria intervir na economia apenas topicamente. Visto como um elemento estrutural do sistema, o Estado, a seu ver, deveria movimentar-se estrategicamente, na conjuntura, apenas o suficiente para manter a economia ativada. Keynes sempre defendeu o núcleo do investimento como motor da economia capitalista. Para ele, a permanente intervenção estatal tornaria o Estado prisioneiro da racionalidade privada. No entanto, a história registra que a adesão à sua teoria extrapolou a proposta inicial. O diferencial de seu pensamento econômico caracterizou-se, portanto, por deslocar a centralidade da oferta para a demanda (tanto geral como específica), ao contrário do que propunham os neoclássicos monetaristas30.

Ainda conforme Oliveira (1998), a moeda, para Keynes, era considerada uma relação, e não apenas mercadoria. Essa concepção de Keynes orientou uma política econômica e monetária considerada ativa, que imprimiu centralidade ao papel do Estado e

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Os monetaristas trabalham com a teoria quantitativa da moeda, isto é, deve existir, no mercado, uma quantidade de moeda proporcional à quantidade de mercadoria que está em circulação, buscando uma correspondência direta entre moeda e mercadoria.

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deu visibilidade às políticas sociais, inaugurando uma mudança substancial, inovadora e radical no paradigma liberal capitalista. A literatura especializada reconhece que a teoria keynesiana fez o trânsito do contrato mercantil31, que regulava as relações sociais e econômicas, para o contrato de seguridade social, como direito. Considera-se, assim, que Keynes promoveu um desbloqueio na concepção monetarista liberal vigente até então. Com isso, construíram-se possibilidades concretas de se efetivar políticas sociais públicas. Tais instrumentos e/ou conjunto de ações, uma vez regulados pelo Estado, passaram a ser justificados como tentativas de adequar demandas sociais às necessidades da população32. Este é, sem dúvida, o dado inovador e a maior contribuição de Keynes como fundamento econômico e social do Estado de Bem- estar.

O sistema keynesiano, ao transitar estrategicamente da oferta para a demanda, fez que as decisões sobre o que fazer com os recursos do orçamento nacional deixasse de ser privadas, para se tornarem públicas, o que não significa que todas as demandas sociais fossem atendidas e/ou que todas incorporaram a dimensão pública. Naquele contexto, a articulação entre Estado, economia, mercado/sociedade remete a um outro nível de relação entre sindicatos, patronato, classes sociais e partidos políticos, e essa articulação reforça a proposição do modelo de intervenção sociopolítica adotado pelo Estado de Bem-estar no período após a Segunda Guerra, na Europa. Este novo desenho de intervenção estatal, proposto para a provisão de bem-estar, tornou-se um fator de mudança, como parte constitutiva, também, da forma como o sistema passou a alimentar a experiência do chamado pacto keynesiano ou pacto macrocorporativo, o que demonstra que, ao buscar reconstruir níveis de previsibilidade do sistema, Keynes o fez sob novas bases. De acordo com Oliveira (1998), foi menos de uma questão ideológica do que de um requerimento, de um lado, para sair da crise capitalista de 1930 e, de outro, para instituir uma nova forma de regulação social, tendo em vista a retomada do crescimento econômico, com garantias sociais. Para financiar a retomada do processo de acumulação, mediante subsídios do Estado e aumento dos investimentos, cada capitalista passou a atuar com um ativo maior, isto é, além de seu capital próprio, contava com recursos advindos dos fundos públicos, que, por sua vez, passaram a remunerar seu próprio capital, mediante subsídios governamentais aplicados às taxas de juros.

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Desde Napoleão, o contrato mercantil era o regulador básico das relações sociais capitalistas. Com os códigos napoleônicos, o contrato mercantil passou a ser o signo e a forma política das relações sociais.

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Para um maior aprofundamento deste conceito, ver estudo de Pereira (2000). Tomamos como referência o referido conceito, por sua centralidade ético-política no trato das questões sobre a construção da democracia igualitária e da cidadania e pelo nível de aprofundamento e rigor teórico-metodológico utilizado pela autora.

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Naquele contexto, as empresas e os sindicatos, ao pactuarem em torno das taxas de lucro e do salário, e da redução dos níveis de incerteza do mercado, passaram a orientar, também, os processos de produção e de reprodução do sistema. Como resultado, os conflitos de classe passaram a ser ordenados por esse pacto. O Estado keynesiano tratou de controlar, de um lado, os abusos de poder das classes dominantes sobre o uso da força de trabalho e, de outro, de regular a pressão social, feita pela classe trabalhadora. Em decorrência, as medidas de controle do Estado de bem-estar sobre o conflito de classes não foram uma simples concessão às classes que emergiram naquela conjuntura. Tais medidas, além da regulação, foram tomadas, sobretudo, porque o Estado capitalista, para legitimar- se como instância de poder regulatório, precisava obter o apoio das classes sociais. A esse fenômeno, dá-se o nome de regulação social e econômica, processo contraditório que contempla interesses de todos os atores em presença, conferindo credibilidade e legitimidade ao pacto keynesiano. Oliveira (1998) afirma que a literatura sempre ressalta a seguridade social do Estado de Bem-estar, indiscutivelmente sua conquista mais exitosa, e quase não menciona a seguridade do capital. Ocorre, diz ele, que, como contrapartida, o Estado de Bem-estar capitalista em nenhum momento deixou de garantir e dar segurança ao capital, mantendo subsídios às taxas de juros, geradoras de remuneração do capital e do lucro, como valor dinheiro e como relação estruturante econômica (e não social), tais como transações comerciais, política fiscal, subsídios estatais à reprodução da força de trabalho. Esses mecanismos demonstram a histórica voracidade do capital que, de um lado, faz concessões até onde o processo não ameace a perspectiva de lucro, e, de outro, continua criando mecanismos de reposição do valor agregado a essa mercadoria, denominada força de trabalho, tendo em vista a constante extração da mais valia e a acumulação do capital. Essa estratégia sócio-econômica e política aplicada pelo capitalismo, no contexto de criação e expansão do Estado de Bem-estar, evidencia, sobretudo, como o capital, até mesmo em um contexto de crise de formulação de um novo padrão de regulação social,