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Sobre a categoria contradição associada às leis do movimento: uma necessária

Para entendimento das leis de movimento, com base nas formulações de Marx (1983), torna-se mister retomar o núcleo da teoria política marxiana, isto é, o caráter contraditório do Estado capitalista em sua dinâmica própria. No entanto, esse mesmo tipo de Estado absorve pressões e demandas por políticas sociais demandadas por classes

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Em relação à categoria trabalho associada à política, há que ressaltar que, na Europa Ocidental, diferentemente do Brasil, o trabalho sempre teve uma grande centralidade na estruturação da sociedade, como elemento estruturante de sua formação social e política.

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Os direitistas franceses usaram como exemplo para fundamentar sua crítica ao Estado de Bem-estar, a questão da migração nos países europeus. Argumentavam sobre o ônus que recaía sobre o Estado de Bem- estar o fato de os imigrantes ingressarem na França, assim como em outros países, para exercerem um trabalho e serem beneficiados pelas mesmas medidas de seguridade social, de caráter universal, usufruídos pelos habitantes nacionais.

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antagônicas, movidas por interesses diferenciados, e que expressam, nessa relação, a tensão histórica entre capital e trabalho. Nessa perspectiva, a política social reflete um conjunto de relações que expressam tanto as lutas de classes que demandam ao Estado alterações nas condições materiais de produção, quanto de grupos que o pressionam para obtenção de vantagens na acumulação e distribuição da riqueza produzida (produto social). Vê-se que, em seu antagonismo e em sua dualidade, a política social está a serviço do trabalho, mas também do capital. Portanto, por estar inserida em uma estrutura de relações contraditórias, a análise das leis de movimento no campo das políticas sociais exige a superação de um quadro teórico e metodológico simplista e/ou linear, destituído de uma análise crítica, que toma suas conseqüências como causas, ou que concebe o Estado a serviço de uma única classe (burguesia), ou ainda, que incorra no equívoco teórico de confundir o seu processo de formação com os seus efeitos. Dada a complexidade dessa questão, de acordo com a mesma linha teórica, encontra-se uma pluralidade de enfoques com diferentes abordagens. Torna-se mister diferenciá-las, ainda que não se tenha a pretensão de fazê-lo de forma exaustiva.

Sabe-se que a crítica marxista ao Estado Social não é unívoca. O Estado Social foi objeto de severas críticas e de opiniões divergentes de marxistas e liberais, como a que ocorreu nos anos 1970. Em relação à formação do Estado, há várias teorias de orientação marxista. Marx (1983) criticou as tendências reformistas de sua época, o que serviu de marco conceitual para alguns teóricos que, no século XX, também criticaram o conceito de Estado Social. As críticas formuladas nos anos 1960 pelos marxistas Miliband (1980), Agnoli (1971), Baran e Sweezy (1973) guiaram-se pela clássica tese marxista que considerou o Estado como um mero instrumento da classe dominante. Nos anos 1970, O’Connor (1981) centrou suas críticas nas tendências contraditórias do Estado Social, diferenciando-se dos primeiros por manter o debate sobre as funções e a natureza do Estado capitalista. O estudo de Lara (1991) sobre a formação do Estado Social, distingue e classifica essas duas abordagens: a primeira, é a crítica marxista tradicional (anos 1960) e a segunda, a crítica marxista moderna (anos 1970), embora argumente que toda a intenção de classificar algo possui um valor meramente didático e orientador.

Os teóricos marxistas que mais se ocupam recentemente da análise do Estado distinguem duas categorias básicas: a) teorias que privilegiam a causalidade econômica de intervenção estatal, como exigência do processo de acumulação capitalista; e b) teorias que interrelacionam as causas econômicas com as de caráter social e político. Miliband (1980),

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um representante da interpretação marxista tradicional, afirma que as políticas de reformas não supõem modificação nas estruturas do Estado capitalista, pelo fato de esse Estado ter perpetuado seu caráter classista. A crítica de Miliband (1980) ao Estado Social tem origem em uma concepção economicista das classes sociais, em que o Estado na sociedade capitalista, ao fazer parte da classe econômica dominante, atua também no plano político. Nessa perspectiva, as funções do Estado estão sempre determinadas pelas estruturas de classe, não havendo, portanto, nenhuma possibilidade de um compromisso firmado entre capital e trabalho.

No entanto, em que pesem as políticas reformistas possuírem grandes limitações, não se pode desconsiderar e/ou relativizar as transformações sociais ocorridas no Estado contemporâneo e seus efeitos e conseqüências. A tese de Miliband (1980) foi objeto de uma intensa polêmica com Poulantzas (1980), para quem as relações de classe não são, necessariamente, a base das relações de poder, assim como as relações de poder não são a base das relações de classe. Miliband (1980) sustenta que existem casos em que uma classe social pode ser econômicamente dominante sem que, a seu ver, o seja no plano político. Para a corrente marxista tradicional, o Estado de Bem-estar foi uma estratégia utizada pelo capitalismo para amortecer os antagonismos de classe criados pela expansão do capital. Para Agnoli (1971), as políticas sociais não supõem uma renovação ou reforma das estruturas capitalistas. Marcuse (1985), na busca de um novo sujeito revolucionário, observou que o crescimento econômico e o progresso tecnológico haviam transformado a luta de classes e as possibilidades de mudança social. Essas posições, que não constituem objeto de análise desta tese, comprovam que o debate sobre economia capitalista e sua relação com o Estado, distanciou-se das relações existentes na época de Marx, bem como existe parcialidade no enfoque tradicional e instrumentalista de Miliband (1980) em sua análise sobre o papel do Estado.

Baran e Sweezy (1973), com um enfoque mais econômico que o de Miliband, e fazendo eco às políticas keynesianas, explicam o intervencionismo estatal como uma conseqüência do problema da geração e absorção do excedente. Nesse caso, o capitalismo monopolista caracteriza-se por uma tendência de incrementar o excedente sem gerar mecanismos de absorção da demanda. Os autores entendem, por conseguinte, o sistema econômico capitalista como contraditório, pois produz mais do que permite sua capacidade, embora seja deficitário para criar a suficiente demanda que permita a total utilização de sua capacidade produtiva. Inspirando-se no enfoque keynesiano, Baran e

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Sweezy (1973) explicam a intervenção estatal, no capitalismo monopolista, como mecanismo gerador da demanda efetiva; ou seja, o Estado converte-se em criador da demanda, transferindo o poder de compra ou comprando diretamente bens e serviços sociais. Nessa perspectiva, o grande inimigo do sistema capitalista é a depressão econômica (crise relacionada com a quebra do rítmo de crescimento), e não os gastos sociais estatais, uma vez que a viabilidade do sistema econômico depende desse último. Em síntese, a intervenção do Estado na economia é uma necessidade imposta pelo sistema capitalista, e os gastos estatais são funcionais ao sistema, como meio de gerar demanda agregada, com a ressalva de que, em nenhum caso, essa demanda pode ter um objetivo social por não poder enfrentar os interesses privados. Assim, os autores negam todo o caráter social do Estado no capitalismo avançado, ou melhor, reconhecem que ele exerce certas funções sociais, ainda que não as considerem relevantes. Nessa perspectiva, o Estado limita-se a servir aos interesses do capital, não se constituindo em uma instância de mediação entre interesses de classes sociais distintas. A própria realidade sócio-econômica e política tem colocado em evidência a fragilidade e as limitações das teorias de Baran e Sweezy (1973). Do ponto de vista da história, ao contrário do que previram, a crise dos anos 1970 ocorreu não pelo problema de absorção do excedente, mas pela sua geração, demandando, até mesmo, a necessidade de redução de gastos sociais.

As teorias elaboradas nos anos 1970, na perspectiva marxista, oferecem novas formulações sobre as funções e a natureza do Estado Social na sociedade contemporânea e reconhecem, em última instância, que ele possui uma dimensão social (e não só econômica) e tratam de explicar o motivo desse fenômeno. As aportações de Miliband (1980) e as de Baran e Sweezy (1973) foram elaboradas em um contexto de crescimento econômico, e as teorias que se fundamentam nas contradições do Estado Social têm como fundo a crise econômica que se iniciou nos anos 1970. O’Connor (1981), como representante da crítica marxista tradicional, introduziu novos elementos do enfoque marxista para a explicação da natureza e funções do Estado. Atribui ao Estado a função de acumulação para criar condições de rentabilidade privada. Distanciando-se de Miliband (1980) e de Baran e Sweezy (1973), defende a função de legitimação política do Estado, por meio da busca de conciliação dos interesses entre capital e trabalho. A seu ver, a essas duas funções estatais correspondem, respectivamente, a dois tipos de gastos estatais: os de capital social que podem ser destinados ao consumo social e os gastos sociais. Para O’Connor (1981), o crescimento das atividades do setor estatal é causa e efeito da

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expansão do capitalismo monopolista. Nesse sentido, a socialização dos custos é necessária para a acumulação do capital, e a causa principal do crescimento econômico é a expansão do setor estatal, que coloca à disposição do capital privado os bens e serviços sociais que são fundamentais ao seu desenvolvimento, por meio dos gastos de capital social. De acordo com O’Connor (1981), a capacidade produtiva do capital monopolista tende a crescer mais rápido que a demanda e o consumo. Por isso, ele afirma que, ainda que os gastos estatais contribuam para harmonizar as relações entre capital e trabalho, sua finalidade é a de servir sempre à função de acumulação. Em relação aos trabalhadores, cria-se a ilusão de segurança econômica, e o Estado, na fase de capital monopolista, não só se limita a proteger as condições de acumulação, mas participa também da criação dessas condições, o que afeta a sua natureza estatal. Por fim, O´Connor (1981) diferencia a função de acumulação da função de legitimação do Estado, funções consideradas por ele como contraditórias. A contradição resulta da socialização dos custos de produção e da apropriação privada do excedente, e o mais importante, dela deriva a crise fiscal, o que inviabiliza, a seu ver, o Estado Social. Percebe-se que a crítica marxista tem analisado em profusão (seja na perspectiva mais político-ideológica, seja na de cunho mais econômico) o caráter contraditório das funções do Estado capitalista.

A análise das contradições do Estado Social revela que nem toda atividade estatal é funcional ao sistema capitalista. Nesse sentido, uma formulação nítida é a que realiza Gough (1982), para quem a natureza do Estado Social serve ao mesmo tempo para a acumulação do capital e como salário social. Trata-se de uma concepção de Estado que defende tanto os interesses da classe capitalista como os interesses da classe trabalhadora. Por outro lado, a crise de rentabilidade do capital não é a única causa que explica a origem do Estado Social, uma vez que se deve acrescentar o elemento da luta de classes. Nesse contexto, Gough (1982) sustenta que a atividade estatal possui limites estruturais, o que não impede que realize certas reformas. Para Lara (1991), percebe-se nessa análise de Gough, também um estudioso de inspiração marxista (a seu ver, mais próximo das idéias críticas do marxismo moderno), não apenas o reconhecimento de que o Estado Social é uma forma de compromisso que satisfaz interesses heterogêneos. Em síntese, para Gough (1982), o Estado Social é um elemento eficaz e imprescindível para reduzir o conflito entre capital e trabalho. Segundo Lara (1991), essas idéias, longe de encerrar esse debate, indicam uma aproximação com as teses dos apologistas do Estado Social após 1945.

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Como sustenta O’Connor (1982), a diferença entre diferentes enfoques é que alguns negam que o Estado das sociedades avançadas realize funções de legitimação política, e outros, a exemplo de uma parte considerável dos estudos elaborados a partir dos anos 1970, reconhecem que o Estado Social se impõe pelas necessidades derivadas da evolução do capitalismo e, também, pela necessidade de satisfazer uma série de demandas sociais. Em resumo, o Estado Social obedece tanto a causas econômicas como sociais e políticas. Portanto, a função de legitimação do Estado não é, em essência, disfuncional ao sistema econômico, ou seja, a disfuncionalidade dos gastos de legitimação manifesta-se quando não há crescimento econômico.

Contudo, de um lado, a chamada crítica marxista moderna sobre as contradições do capitalismo não encontrou respaldo na época da consolidação do Estado Social, e, de outro, a situação mudou muito diante da crise econômica que se desencadeou a partir de 1973. No entanto, a crítica marxista, apesar do esforço realizado para destacar as contradições do Estado Social, não conseguiu desenvolver e/ou apresentar uma nova solução. A tese ou intento eurocomunista (como terceira via) entre o modelo do socialismo real e a social democracia não avançou políticamente como se esperava. Como assinala Perry Anderson (1995), ao estudar a evolução do marxismo ocidental nas décadas de 1970/1980, falta uma estratégia que permita superar a ordem capitalista.

Diante de tantas polêmicas, não se trata de aderir ao movimento pendular das chamadas ciências pós-modernas que ganharam espaço nos meios intelectuais, a partir dos anos 1990, ainda como vestígio da marcante influência do estruturalismo de Althusser dos anos 1960 e 197012. Assistiu-se, nesse período, à trajetória das referidas ciências, ancoradas no estruturalismo e sua posterior migração para o irracionalismo pós-moderno que se apresentou como alternativa à superação do não-reconhecimento pelo estruturalismo, do indivíduo como sujeito da história. Portanto, com o estruturalismo, houve a dissolução do singular na totalidade das estruturas, como propôs Levy Strauss. Com o pós-modernismo, há a fragmentação da totalidade no singular. Postula-se o não- debate, o não-confronto de idéias, e se propõem concessões e concordâncias de forma benevolente, com a ausência de indagações teóricas e epistemológicas. Nesse sentido, o

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As concepções estruturalistas de Althusser (ausência do sujeito) e de Passeron e Bourdieu, perderam o poder de força intelectual e ideológica, por não conseguirem “explicar a relação ativa dos homens com sua própria histórica, e por não poderem reconhecer nos homens os demiurgos de sua própria existência” A visão de história, para esses autores, ficou restrita a uma história de estruturas, conduzindo à “morte do sujeito” (LESSA, 1999, p. 171).

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singular é fetichizado e reificado, e as categorias universais passam a ser percebidas como meros produtos da abstração da subjetividade.

Em contraposição, é exatamente a problematização do caráter ambíguo e contraditório do Estado capitalista que interessa a este estudo. Assim, entende-se que a compreensão das tendências objetivas que caracterizaram as políticas macroeconômicas implantadas na Europa do Sul e no Brasil, a partir dos anos 1970, de caráter concentrador e excludente, é fundamental para entender a lógica privatista que passou a orientar os sistemas de produção e reprodução social das políticas sociais (européias e brasileiras), nesse contexto. A identificação dessas tendências é imprescindível para avaliar a importância da dimensão política na formação e gestão das políticas sociais públicas contemporâneas, articulada à dimensão econômica, especialmente, no caso das políticas sociais desenvolvidas na Europa do Sul e no Brasil, marcadamente residuais e destituídas do enfoque redistributivista.