EXPLORANDO OS ESPAÇOS DE ENSINO

Em situação de ensino, os/as professores/as se deparam com espaços determinados no edifício escolar — distribuição das salas, pátios, espaços livres etc. e com tempos previamente definidos externamente para cada etapa de ensino (calendário escolar, duração do bimestre, tempo de cada aula). Poderíamos afirmar que os/as professores/as

ficam impossibilitados de mudar essa realidade, porém, tanto individualmente como coletivamente, os/as professores/as carregam uma margem de autonomia para organizar o espaço e o tempo escolar, segundo suas próprias concepções de ensino. Os/as professores/as podem adaptar tanto espaços tradicionais como alternativos segundo o que acreditam em termos de educação (CALDEIRA, 1993).

“Eu peço para que vocês arrumem a sala em círculo, e daí eu coloco como é que vai ser hoje. Só mais hoje, fazendo o favor.” (apêndice B, 22 out. 2002)

O espaço da sala de aula era explorado de formas variadas pela professora. Carteiras enfileiradas, carteiras em círculo, dispostas em dupla, em grupos pequenos, eram alguns formatos que a professora organizava para conduzir o trabalho em aula. Da mesma forma, várias possibilidades de ocupação do espaço pelos alunos eram estimuladas - sentados, em pé, em roda e um/a de frente para o/a outro/a.

A conformação do espaço em círculo era utilizada para o desenvolvimento de dinâmicas de integração, para a realização e coletivização de avaliações da disciplina e para alguns exercícios de interpretação de textos. Isso possibilitava que o grupo todo se visualizasse, facilitando o diálogo e as trocas entre os/as alunos/as e entre alunos/as- professora. Facilitava também que o conjunto de alunos/as se visse como um grupo e superasse a perspectiva individualista.

O círculo evocava uma valorização igualitária de todos os participantes, diferentemente das carteiras enfileiradas, que ora privilegiam quem está à frente, ora quem está distante e protegido no fundo da classe. O círculo acaba contribuindo para desconstruir a ocupação desigual do/a professor/a que fica na frente das carteiras centralizando o poder da fala e da expressão nas aulas.

Em alguns momentos, os alunos resistiam a solicitação da professora para disporem as carteiras e cadeiras num outro formato. Resmungavam e tentavam convencê-la da não necessidade de mudar a disposição da sala. Mesmo assim, ela insistia na alteração da disposição das carteiras e relevava as reclamações. Não porque tinha um "querer" que deveria ser obedecido, mas porque tinha um propósito pedagógico com aquela mudança espacial.

A professora não rejeitava, de todo, a disposição dos alunos em fileiras. Em muitas aulas, foi assim que a classe ficou disposta, principalmente naquelas em que a professora desenvolvia conteúdos a partir de aulas dialogadas. Porém, as fileiras também eram flexíveis.

[...] aproximem mais a carteira. Podem ficar bem pertinho da lousa porque nós vamos trabalhar em cima dos cartazes de vocês. Então quanto mais próximo vocês estiverem da lousa, melhor, porque vão precisar enxergar algumas coisas. Então venham, venham para frente, façam o favor. (apêndice B, aula, 2, 29 out. 2002)

O projeto do “rio mais próximo de minha casa” — conduzido na disciplina, com a turma B, também considerou o ambiente externo a escola — área de cerrado, mata ciliar, a área urbanizada dos bairros dos alunos – como espaço de ensino e aprendizagem. Muitos/as alunos/as já conheciam e circulavam por estes espaços externos, porém o enfoque dado a essa visita era novo, porque era solicitada dentro de uma disciplina escolar. Esse projeto exigiu, no mínimo, duas visitas ao rio mais próximo das casas dos/as alunos/as envolvidos. Uma visita era direcionada ao reconhecimento da área e realização de observações e, a segunda, para filmarem o local.

As múltiplas explorações do espaço da sala de aula parecem ter interferido nas relações entre os/as alunos/as e a professora. É possível perceber uma ligação estreita entre utilização do espaço e a mediação das interações, a facilitação de diálogos e de encontros, sejam eles agradáveis ou não.

O SABER DA PROFESSORA

A professora, mesmo numa escola com condições materiais precárias (feia, sem pintura, com a lousa torta, porta quebrada etc) faz uma utilização criativa e diversificada do espaço. Rompe com a rigidez do espaço escolar, em muitos momentos, criando possibilidades de aumentar as interações entre seus alunos e ainda, aumentar a qualidade de seu ensino.

Quando insiste na mudança do uso do espaço, mesmo diante das resistências de seus alunos, demonstra que tem uma intencionalidade pedagógica nessas mudanças, principalmente relacionada ao incentivo ao trabalho em grupo. A professora identificava as resistências e receios dos/as alunos/as, mas sustentava a continuidade do que havia proposto. Ela diferenciava o que era queixa de um/a aluno/a sobre um aspecto da aula daquele receio/resistência em mudar a ocupação do espaço.

A professora compreende que a forma como compõe o espaço e o recompõe está estritamente relacionada com a forma como sua pessoa se posiciona em relação ao outro, mais especificamente, ao seu papel da professora no ensino. Movida por um desejo de construção de um ambiente democrático em sala de aula, prioriza a configuração de um

espaço que permitia a participação pessoal e a troca entre pares. Sendo este o mote principal, a escolha de como compor a sala, dia a dia, para criar esse contexto, advém da sua análise sobre a particularidade e a potencialidade do conteúdo de ensino.

Este saber em construção - organizar os espaços, parece ter origem e desenvolvimento nas experiências da professora com educação ambiental não formal, em seu outro trabalho, na universidade. Nesse espaço, a professora exercita com mais freqüência atividades de integração, de vivência corporal e lúdica nos processos educativos. Também promove visitas técnicas, observações de campo e projetos coletivos. Os espaços são bastante variados e o trabalho participativo, em grupo, é uma constância.