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PARTE II OS DIFERENTES CONTEXTOS DA PRÁTICA DOCENTE

CAPÍTULO 6 O PROCESSO DE REFLEXÃO COLETIVA SOBRE A PRÁTICA

6.2 O OLHAR SOBRE OS/AS ALUNOS/AS

Outro aspecto bastante latente nos registros dos encontros é o quanto os/as interlocutores/as alertam a professora para atentar para seus/suas alunos e alunas.

PAB - "Até que ponto os alunos/as nos compreendem?"

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Ruminar (lat ruminare): está relacionada à reflexão; no sentido figurativo, traz o sentido de “revolver no espírito” (ALVES, 2002, MICHAELIS, 1998; SERPA, 1983),

TATI - "Como os alunos vêem as filmagens das aulas hoje? Alguns se envergonham..." Mostrar as fitas para os alunos para que fiquem mais tranqüilos, sabendo que não dá para ouvir conversas particulares, hoje eles pedem para filmar os cartazes deles” (Diário, 22 out. 2002).

TATI – Os alunos não gostam de atividades/tarefas extraclasse.

PAB – Fazer atividade na classe significa para o aluno, às vezes, enrolar a aula (Diário, 05/11/2002).

A interlocutora PAB, graduada em Física e estudante de Pedagogia, observava a adequação de certos conteúdos para aqueles/as alunos/as e outros aspectos da relação professor/a-alunos/as.

PAB - há conteúdos, como energia, por exemplo, coisas que não vão (os alunos) entender, exige muita abstração. [...]

PAB - O aluno LAU faz perguntas para testar você. [...]

PAB - Na relação professor-aluno, a mulher é mais retraída com professora mulher. Por você ser mais nova, há ciúmes e incômodo. Os homens são diferentes (Diário, 29 out. 2002).

As intervenções de TATI e PAB quase sempre eram contextualizadas a partir de seus históricos de alunas do ensino fundamental. Isso possibilitava para a professora um maior entendimento das queixas e comportamentos dos alunos e alunas.

PAB lembrou-se de situações quando era aluna do ensino fundamental e médio. Era “bagunceira”, conversava muito e testava as professoras substitutas. Disse que “era uma aluna muito difícil”. E que só agora ela percebe seus erros, o quanto era chata com os/as professores/as. Enfim, PAB trouxe o “ser aluno/a”, seus comportamentos adolescentes e a relação professor/a-aluno/a, me ajudando a receber e entender as críticas do/as alunos/as. TATI resgatou seu passado de aluna. Era quieta e tímida. Não falava em aula, muito menos bagunçava. Parecia ser o oposto da PAB quando alunas. TATI falou sobre a importância de criar diferentes estratégias de aula, para que os tímidos possam falar o que pensam. Numa aula dialogada, “expositiva”, os alunos/as mais soltos são os que participam. Os tímidos não conseguem colocar questões e comentários neste tipo de aula (Diário, 04 nov. 2002 ).

A professora somente percebeu "alguns envolvimentos (dos/as alunos/as)” com ajuda da FER (professora de Matemática) e de TATI"15. Elas, juntamente com PAB, foram as interlocutoras que mais estimularam o entendimento quanto ao mundo dos/as

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Os trechos inseridos dentro do texto de análise foram recortados de vários encontros com interlocutores/as também variados e por isso os mesmos não estão identificados.

alunos/as. "Alertaram várias vezes (a professora) para as reações dos/as alunos/as”, ajudando-a a "perceber e a considerar mais estes/as alunos/as". Por vezes, repetiam frases deles/as nos encontros: “gosto de aulas diferentes, com vídeos, passam rápido e não cansam”.

As diversas e constantes observações dessas interlocutoras despertavam a professora para re-pensar sua relação com os/as alunos/as e, ao mesmo tempo, com a forma de se relacionar com os conteúdos.

Acho que fico muito preocupada, direcionada para meus planos, revisões, avaliações e acabo esquecendo de considerá-los (os alunos/as), de me inteirar mais com eles, de vê-los, ou melhor, de enxergá-los. Ainda os enxergo com referência aos conteúdos. Evito conversar muito com eles para não “perder tempo” em sala de aula. Fico aprisionada pela ansiedade de garantir conteúdos ensinados (Diário, 01 out. 2002 ).

Pela voz dos/as interlocutores/as, a professora ouvia "a voz" dos/as alunos/as pela segunda vez. Era preciso, então, parar para refletir...

Estes registros de TATI me ajudam a refletir sobre um aspecto, o do cansaço: sei que estes alunos/as trabalham durante o dia e vêm para a escola à noite, portanto, imagino que o cansaço não se dê somente em minhas aulas. Mas, de certa forma, a reclamação da canseira e sono, também está relacionada com a dinâmica de algumas aulas que dei. Será que minhas aulas são dialogadas como imagino que são? Que diálogo é este que tenho estabelecido com meus alunos/as? Como posso contribuir para que os alunos/as se despertem durante as aulas? Dinâmicas de descontração, corporais, de integração, ajudariam? (Diário, 03 set. 2002).

justificar suas escolhas conscientes...

TATI também relata depoimentos de alunos/as sobre o conteúdo de Mendel: que era uma “matéria chata”; “cansativa”; “não agüento mais”. Lembro-me desses depoimentos, (os alunos/as) disseram isto pra mim... Terei que rever minha forma de trabalhar genética, pois começar por Mendel, não tem sido interessante para os alunos/as. Percebi esta insatisfação com relação ao conteúdo naquele momento. Mas eu não via possibilidades de reverter meus esquemas de aula ou abandonar o conteúdo. Exigia continuidade de trabalho. Os exercícios dados em aula foram uma tentativa de vencer a “chatice” das explicações não problematizadas. Foi uma tentativa de problematizar o conteúdo (Diário, 03 set. 2002).

e/ou reinventar estratégias...

Mais uma vez o encontro foi muito interessante. Tivemos no inicio, a presença de AMA, aluna do 1o A, que “não gostava de ser filmada” no início do semestre. Ela fez um comentário, enquanto a fita rodava: “não entendo nada de mapas”. Até que ponto meus alunos/as compreenderam aquele mapa cartográfico? Se é difícil para nós professores/as, imagine para eles...Eles não falam e não utilizam o mapa em suas visitas ao rio. Eu também não deixei tempo suficiente em aula para maior conhecimento do mapa. Talvez seja interessante trabalhar isto nas visitas conjuntas ao rio. FER também fará medida do rio (no mapa) junto com os alunos/as, trabalhando conceito de escala (Diário, 12 nov. 2002).

Cada repetição de falas dos/as alunos/as, cada observação ou questão que os envolvia, levava a professora a refletir e a voltar o olhar para eles/as. Assim como, aos poucos, a professora aprendia a escutar os/as interlocutores/as, também foi aprendendo a escutar mais seus/suas alunos/as.

A presença de TATI em minhas aulas me fez prestar mais atenção nos alunos/as, tentar conhecer estes alunos/as, quem eram eles, de onde vinham, o que pensavam da escola... Provocava-me a considerar mais os alunos/as e seus desejos, seus pensamentos (Diário, 03 set. 2002).

Pude compreender melhor, com ajuda de DE, as falas dos alunos/as e o que poderia estar implícito em cada “queixa” da avaliação do 1o bimestre.

Incrível como nós, professores e professoras, nos prendemos às queixas de alguns poucos alunos/as (Diário, 03 dez. 2002).

A interlocutora DE também tecia observações sobre os/as alunos/as, porém, diferentemente de TATI e PAB, mantinha um olhar pedagógico, sob a ótica de professora e não do/a aluno/a: “Como formar um grupo em sala?” (Diário, 02 dez. 2002).

Villani (et al, 2004) identifica que, em geral, a investigação sobre a prática tem o efeito de “aumentar a capacidade de 'escutar' os alunos, no sentido de perceber suas posições. Em vários casos a escuta do docente ajudou nas interações com os alunos" (p. 12).

Como então a gente vai se enxergar? A gente tem os alunos.

A gente olha pros alunos.

(professora anônima citada por FONTANA, 1997, p. 179).