• Nenhum resultado encontrado

TRABALHANDO COM PROJETOS E SEMINÁRIOS TEMÁTICOS

PARTE II OS DIFERENTES CONTEXTOS DA PRÁTICA DOCENTE

CAPÍTULO 8 ARTICULAÇÃO DOS DIFERENTES CONTEÚDOS

8.2 TRABALHANDO COM PROJETOS E SEMINÁRIOS TEMÁTICOS

A professora propôs a cada classe de supletivo – no primeiro e no segundo semestre – que desenvolvesse um projeto temático, em pequenos grupos. Ela acreditava que esta estratégia poderia problematizar os conteúdos que havia elencado como eixos daqueles semestres. Constituía-se numa tentativa de capturar o interesse destes/as estudantes no processo de ensino-aprendizagem e de aproximar a escola do cotidiano dos/as alunos/as.

A proposta inicial do projeto da turma A envolvia uma pesquisa sobre um tema da atualidade. "Antes de falar do projeto temático com os alunos", fez "uma dinâmica do paleontólogo, das pegadas" (Diário, 21 mai. 2002) que explorava correlações e elaboração de hipóteses para explicar a disposição das "pegadas de dinossauros encontradas por um paleontólogo". A professora associou o projeto que os/as alunos/as iriam desenvolver ao papel de um/a investigador/a, ou seja, teriam que fazer uma busca curiosa dos temas e não simples cópias de textos.

Os temas trazidos pela professora foram: clonagem, alimentos transgênicos, engenharia genética e tipos sangüíneos, pois faziam parte do conjunto de tópicos ligados ao conteúdo geral de genética. Os/as alunos/as podiam escolher um dentre estes listados pela professora. Entretanto, atendendo aos pedidos de dois grupos, a professora ampliou a lista

para a temática de doenças sexualmente transmissíveis e AIDS. Também teriam que fazer uma entrevista sobre o assunto com algum pesquisador, especialista, técnico ou outro público, elaborar um folheto educativo sobre o assunto e apresentar o trabalho, na forma de seminário, nas últimas semanas de aula.

Essas etapas exigiam do/a aluno/a o desenvolvimento de outros conteúdos para além do conteúdo específico da Biologia, tais como: i) desenvolver habilidade de pesquisar um tema; ii) elaborar e conduzir uma entrevista, pensando em questões numa ordem que facilitasse a apreensão de informações; iii) comunicar os resultados em público e; iv) selecionar informações essenciais para inserir no folheto educativo.

A professora retomava constantemente o trabalho em grupo, reservando momentos específicos da aula para que os grupos se preparassem e para que apresentasse a eles/as alguns textos de apoio sobre o tema escolhido.

na segunda parte da aula, os grupos se reúnem para discutir o trabalho temático extra-classe. Neste momento, mostrarei alguns textos que tirei da internet sobre os temas e os cadernos e folhetos sobre AIDS e DST. (Diário, 04 jun. 2002, p.79)

Os temas da atualidade e os momentos em aula para a preparação dos trabalhos parecem ter colaborado para o interesse dos/as alunos/as com o projeto. O grupo que abordou a temática de DST demonstrou bastante envolvimento, pois dois de seus participantes eram enfermeiros e além de dominarem este conteúdo, tiveram várias conversas com médicos que trabalhavam na área. O tema da clonagem também estava problematizado por uma telenovela, na época, o que motivou os/as alunos/as a entrevistarem seus familiares sobre o tema. Os grupos que abordaram as temáticas de "engenharia genética", "AIDS" e "grupos sanguíneos" apresentaram o seminário com menor motivação e entendimento do assunto. Um dos fatores que pode estar relacionado a isso é o excesso de faltas destes/as alunos/as e a conseqüente diminuição da coesão do grupo. Mesmo assim, a professora aproveitou a oportunidade para tecer complementações e explicações sobre os conteúdos tratados durante os seminários apresentados.

Para a turma B, foi proposto um projeto na área de Ecologia, que tinha como unidade de estudo a microbacia hidrográfica de seus bairros - "o rio mais próximo de casa".

Pensei num projeto que abordasse as microbacias hidrográficas das moradias dos alunos, tipo “o rio mais próximo de minha casa”, no qual visitassem este rio, o localizassem no mapa de curva de níveis, avaliassem os desequilíbrios ambientais existentes, analisassem a água

(com fitas – coliformes fecais) – (cap. 2 ciclos biogeoquímicos, ciclo da água). Será que PAB poderia montar um filminho, com eles, sobre as bacias hidrográficas destes alunos? Ou pelo menos acompanha-los nas filmagens? O filme poderia ser o produto final do trabalho, com 10 minutos cada um. Teria que conter o máximo de conteúdos trabalhados em aula:

ciclos biogeoquímicos;

poluição, impactos ambientais, inclusive sociais; sucessões ecológicas;

populações naturais / teia alimentar; relações ecológicas.

Os levantamentos ocorridos durante o semestre servirão como roteiro do vídeo. Depois podemos expor o vídeo para toda escola! (Diário, 30 jul. 2002, p.116)

A professora construiu juntamente com a classe o roteiro da primeira visita a campo. Primeiramente, os/as estudantes levantaram aspectos importantes de serem observados no ambiente local, para montar um quadro da situação do ambiente do rio. Nessa etapa, a bagagem dos alunos e as experiências vividas no local de moradia puderam ser valorizadas.

A abordagem dos conteúdos de Ecologia era voltada, portanto, ao bairro onde esses/as alunos/as moravam, conectando os exercícios em sala de aula ao projeto "eixo" do semestre.

Dando continuidade a aula passada, onde os alunos elaboraram o roteiro do vídeo do rio, em grupos, e depois, fizemos um exercício conjunto, na lousa, de analisar o impacto que os pesticidas causam numa teia alimentar... Pedirei a eles que desenvolvam um texto, em dupla, analisando problemáticas ambientais. Abaixo, estão elas:

o esgoto do bairro ainda é jogado na micro bacia hidrográfica do Rio "Água Quente". A) comente sobre os desequilíbrios ambientais que o derramamento de esgoto provoca no rio, nos seres vivos próximos a ele e na comunidade vizinha que habita o local. B) o que pode ser feito diante desta situação?

Muitos moradores têm o costume de provocar queimadas em terrenos baldios e matas nativas. A) comente sobre os problemas que as queimadas causam nestes locais (bairros e matas nativas). B) como as queimadas interferem nas teias alimentares? C) que frases você colocaria caso tivesse a chance de fazer um folheto educativo para a comunidade?

Depois das questões em dupla, os alunos começarão a se preparar para a apresentação do vídeo (do rio) com: textos “faltara água no planeta” e “desequilíbrios ambientais”. Penso em fazer um “júri popular” sobre o texto da água na próxima aula. Quero que aprendam a discutir e analisar de forma mais complexa as problemáticas ambientais. Com isso, também desenvolverei conteúdos relativos a: poluição ambiental; ciclo da água; utilização da água por nossa espécie e relação com a água; teias alimentares e relações entre seres vivos... (Diário, 12 nov. 2002, p. 223)

A professora também utilizava em aula os cartazes com os esquemas dos/as alunos/as sobre as visitas às bacias hidrográficas de seus bairros, enfatizando esses conhecimentos como conteúdos importantes da disciplina.

A1- O que é isso, dona?

P - O trabalho que vocês fizeram na aula retrasada. Essa daqui hoje vai ser a matéria na lousa.(apêndice B, aula, 29 out. 2002)

Quando a professora solicitava aos/às alunos/as que encontrassem suas casas no mapa cartográfico, conectava a aprendizagem a um procedimento de leitura de uma ferramenta nova para os/as alunos/as. A experiência de visitar o entorno do rio no bairro e produzir o filme de dez minutos se constituiu em desafios singulares para cada grupo. Três grupos tiveram alto grau de envolvimento com o trabalho, embora a integração de seus participantes variasse bastante. Dentre esses três grupos, dois deles mantinham um funcionamento integrado, participativo e coeso. Um deles oscilava entre a obrigação que alguns membros sentiam em fazer as tarefas impostas e a empolgação de outros em conhecer o trecho do rio e seu ambiente de entorno.

Os três grupos menos envolvidos resistiram ao convite para se envolverem com o projeto. Podemos supor que as múltiplas responsabilidades que já tinham no mundo do trabalho e da família e o fato de a proposta não representar suas realidades e necessidades de aprendizagens, podem ter influenciado no desempenho desses/as alunos/as.

A professora interpretava que trabalhar com projetos em sala de aula aproximava sua prática às idéias de Paulo Freire e às suas teorias em defesa da voz do/a aluno/a. Mas, ao mesmo tempo, o não envolvimento de muitos/as alunos/as levava-a a se colocar questões sobre: que realidade é esta que deveria ser valorizada, considerando que os projetos não davam conta disto? Como deveria garantir e promover espaços concretos de participação do/a aluno/a no currículo escolar? E mais especificamente, como isso poderia ser desenvolvido na disciplina de Biologia?

Ao recorrermos à literatura percebemos que essas questões postas pela professora em seus registros estão presentes em várias discussões acadêmicas (dentre elas, a do currículo), abertas a diversas possibilidades de resolução. Moreira (1997) frisa a importância da participação ativa dos/as docentes no processo de construção de inovações curriculares, porém a implementação de melhores caminhos somente poderá ser consolidada com o compromisso do coletivo escolar e de todo o sistema educacional no

processo. São questões, portanto, que transcendem a responsabilidade de um indivíduo e esbarram nas condições profissionais dos/as professores/as (MOREIRA, 1997).

O SABER DA PROFESSORA

Saber conduzir o ensino por meio de desenvolvimento de projetos e seminários desenvolvidos pelos/as alunos/as envolve uma teia de habilidades mais ou menos desenvolvidas pela professora. Primeiramente exigia saber fazer um convite inicial aos/às alunos/as para que se arriscassem a participar dos projetos. Em segundo plano, exigia da professora saber elaborar procedimentos de pesquisa para auxiliar os alunos no processo de investigação. Um terceiro aspecto se relaciona a como lidar com o movimento dos planos de ensino, ou seja, saber como articular e flexibilizar as aulas; definir/selecionar o que é essencial para se ensinar dentro da Biologia; conectar os conteúdos disciplinares com o currículo escolar e ao mesmo tempo, cumprir um currículo básico exigido pela escola. De uma série para a outra, fazia adaptações do conteúdo de acordo com o grupo de alunos/as, período, característica social, cultural etc.

Esse saber também envolve ser o/a próprio/a professor/a um/a aprendiz junto com os/as alunos/as, considerando que os projetos evocam dúvidas, novas habilidades, curiosidades e pesquisa de temas novos.

Para tanto, a professora mobiliza aprendizagens de experiências vividas durante a disciplina da graduação - "Conservação de recursos naturais" - que promovia excursões às bacias hidrográficas de São Carlos e durante o curso de especialização em Educação Ambiental, quando aprendeu a fazer maquetes e a utilizar mapas cartográficos. Outras experiências positivas com projetos temáticos, em anos anteriores à docência, também motivaram a professora fazer novas tentativas.

Alguns encontros com interlocutores possibilitaram maior reflexão e revisão de concepções da professora em torno do que seria a "realidade dos/as alunos", abordada pelos projetos temáticos. As interlocuções colaboraram para que a professora identificasse algumas lacunas da articulação de conteúdos relacionados a procedimentos, atitudes, cultura local, questões políticas e conhecimentos da ecologia.

Por outro lado, faltava à professora uma maior percepção de que seus dilemas relacionados a "como considerar a realidade dos/as alunos/as no ensino de Biologia" não eram particulares, e sim, pertencentes a um coletivo de educadores/as. E ainda a percepção de que a responsabilidade e a superação destas dificuldades devem ser

assumidas por um coletivo, seja na escola, nas instâncias de formação e no sistema educacional como um todo.