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ORGANIZANDO O USO DE MATERIAIS COMO FERRAMENTA EDUCATIVA

PARTE II OS DIFERENTES CONTEXTOS DA PRÁTICA DOCENTE

CAPÍTULO 7 ESTRUTURAÇÃO DAS SITUAÇÕES DE ENSINO

7.3 ORGANIZANDO O USO DE MATERIAIS COMO FERRAMENTA EDUCATIVA

EDUCATIVA

Este item pretende discutir sobre os materiais que tiveram um significado educativo dentro do processo de ensino da professora. Aqueles que possibilitaram ampliar a visão do trabalho desenvolvido pelos/as alunos/as e contribuíram para o aumento da aprendizagem dos conceitos da disciplina ou de habilidades, procedimentos e valores.

No conjunto de suas aulas, cinco materiais foram marcantes e destacados como ferramentas educativas pela professora: maquete de bacia hidrográfica; mapa cartográfico; pasta de leituras, textos e filmadora.

Dentro do projeto do rio, no segundo semestre, os/as alunos/as usaram com freqüência dois materiais: o mapa cartográfico e a maquete da bacia hidrográfica do rio “Monjolinho” — que abrangia os bairros de todos/as os/as alunos/as da sala.

A maquete — emprestada por uma Coordenadoria de Divulgação Cultural e Cientifica da Universidade de São Paulo (CDCC) — foi trazida em três aulas pela professora. Ela possibilitava uma visualização tridimensional da bacia hidrográfica dos rios com que os alunos iriam trabalhar. Era um modelo espacial que representava as curvas de nível do solo e uma projeção do mapa cartográfico, trazido nas aulas seguintes.

O mapa, também emprestado pelo CDCC, foi fotocopiado pela professora e entregue aos/às alunos/as com a condição de devolverem no final do semestre. A professora explicou que se devolvessem esses mapas eles poderiam ser usados por outras classes. A utilização do mapa também provocou negociações entre os grupos de alunos/as. Eles/as tiveram que revezar o uso de dois mapas entre quatro grupos.

Na terceira aula do semestre, a professora solicitou aos grupos que escolhessem os trechos dos rios com que iriam trabalhar. Para tanto, cada agrupo teve que se debruçar sobre o mapa e fazer uso dele. O mapa exigia uma leitura de identificação de ruas e rios numa outra escala espacial, provocando os alunos e alunas a um exercício de localização diferenciado. O mapa também possibilitava a visualização de curvas de nível

daquela bacia hidrográfica. O inicio foi muito desafiador, porém a alegria foi grande e expressiva quando conseguiam entender esse mecanismo e encontrar as ruas de suas casas!

A utilização da maquete e do mapa parece ter sido mais fácil para os homens do que para as mulheres, segundo observações da professora, que se mostrava atenta às questões de gênero no processo de ensino:

Os alunos em geral ficaram envolvidos com o projeto do rio. Mais os homens do que as mulheres, talvez pela questão espacial e de mapa que os homens dominam mais – educação e gênero – não é mesmo? Os homens sempre foram mais estimulados a desenvolver habilidades de movimento, localização espacial, domínio espacial. (Diário, 20 ago. 2002, p. 127)

O uso desse material novo, em grupo, interferia diretamente no som ambiente da escola. A sala ficava num prédio onde o som ecoava para as outras salas de aula. A diversificação de materiais, associado ao uso também diferenciado do espaço e do tempo nas aulas, exigia da professora uma atitude de sustentação da atividade:

Fiquei um pouco preocupada com o barulho que minha sala fazia, com a movimentação geral dos alunos, com a “aparente” bagunça, desorganização e falta de controle em sala. Mas tentava me controlar e não chamar a atenção dos alunos. Estavam envolvidos em localizar suas casas e rios no mapa que levei. Alguns conversavam sobre outras coisas até poderem ver o mapa e a maquete da Bacia do Monjolinho. (Diário, 20 ago. 2002, p. 128)

Outro material usado pela professora foi um conjunto de textos de fontes variadas. Constituíam-se nos "textos de apoio”. Ela solicitava aos alunos que se organizassem e fotocopiassem esse material. A professora fez um processo de convencimento dos alunos para aceitarem esse formato de trabalho. Afinal, a maioria estava acostumada a copiar os resumos de todos/as os/as professores/as colocados na lousa. Revelava essa preocupação em alguns trechos do diário, quando planejava o contrato didático, que seria discutido nas primeiras aulas: “Fotocópia — é possível? Conteúdos e forma. Lousa cheia é sinal de muita aprendizagem?” (Diário, 08 fev. 2002, p. 3).

Um "convencimento" inicial era enfatizado pela professora até que o/a aluno/a experimentasse e percebesse a importância pedagógica de tal procedimento. Depois se fazia necessária uma fase de estímulo, como um trampolim, para libertar o/a aluno/a pela

construção de um saber pessoal e conseqüentemente para uma tomada de decisão autônoma.

Os textos utilizados nos dois semestres eram de livros didáticos de Biologia, de livros paradidáticos, sítios eletrônicos e textos universitários (usados no estágio de Prática de Ensino de Biologia). Eles eram inseridos no processo como apoio ao desenvolvimento de conteúdos, como estímulo ao aprimoramento da escrita e interpretação e apoio aos projetos dos pequenos grupos (seminários sobre genética e sexualidade humana e o projeto do “rio mais próximo de minha casa”).

O texto universitário que relatava as etapas da pesquisa de Mendel foi estudado em partes, por duplas de alunos, e transformado em esquemas dos cruzamentos de ervilhas. Essa estratégia, somada à linguagem acessível e ao momento oportuno em que foi trazido para a aula possibilitaram a interação dos alunos com esse material. Os textos de sítios eletrônicos também apresentavam linguagem acessível, figuras e esquemas explicativos. Eles foram utilizados pela maioria dos grupos durante a elaboração dos seminários, juntamente com outros materiais levantados por eles/as. No semestre seguinte, a dificuldade de utilização dos textos foi maior já que a escolha se restringiu aos livros didáticos e paradidáticos, com linguagem técnica-científica. Esses textos parecem ter apoiado pouco esses/as alunos/as em seus processos de ensino-aprendizagem. Eram longos e com linguagem praticamente inacessível, com excesso de termos desconhecidos. Mesmo a professora usando diversas estratégias de exploração de seus conteúdos, a maioria dos alunos ficava frustrada por não compreender o sentido dos textos.

E após a avaliação do primeiro bimestre com esses alunos/as, a professora identifica que estes estranharam a falta de resumos na lousa e, a partir disso, ela retoma o significado do uso dos textos de apoio.

P — outra coisa apontada na avaliação de vocês foi o conteúdo na lousa versus (trabalho em grupo), quer dizer, muitas pessoas, ao mesmo tempo que elogiaram o trabalho em grupo, com o projeto do rio, que aprenderam com isto, preferem matéria na lousa [...] por quê? porque a matéria na lousa está 'simbolizando' que tem um conteúdo... (apêndice B, aula, 05 nov. 2002)

Ainda procura um ajuste entre o uso dos textos, que estavam incompreensíveis aos alunos, e o registro de esquemas na lousa.

Na perspectiva de estimular a leitura entre os alunos, a professora resgatou sua experiência anterior com a “Pasta de Leituras”. Verificou entre os alunos a doação de

uma pasta usada (para reaproveitar um material em desuso) que ficaria na escola e seria trazida em todas as aulas. Nessa pasta seriam colocados textos, livros, revistas, reportagens e jornais relacionados aos temas abordados em aula ou a outros assuntos de interesse dos/as alunos/as. Os materiais poderiam ser doados ou emprestados por um período de tempo ou simplesmente trazidos e levados na mesma aula, e o principal: todos estavam convidados a trazer e usar os materiais. Os empréstimos deveriam ser anotados numa folha presente na pasta. A pasta circulava pela classe em todas as aulas, para que os/as alunos/as pudessem ver os materiais novos. Em algumas aulas, havia momentos reservados, com duração de 15 minutos, para leituras livres. A professora comunicava para toda a classe a chegada de materiais novos e o nome dos contribuintes. Os/as alunos/as comunicavam a professora espontaneamente quando retiravam e/ou devolviam materiais. Essa pasta foi utilizada com muito dinamismo. Os/as alunos/as traziam livros que estavam encostados em suas estantes, revistas antigas, folhetos educativos, reportagens sobre questões ecológicas e sócio-ambientais, a ponto de estourar a capacidade da pasta para armazenar esses materiais! Uma aluna que enfrentava um período de depressão e tinha notas baixas nas disciplinas leu um livro sobre engenharia genética, que estava na pasta. Outro aluno leu três livros. Alguns levavam para casa para mostrar para a família ou para ajudar o filho a fazer o trabalho de escola. No segundo semestre, a pasta funcionou pouco pois o dinamismo do projeto do rio dispersou a atenção dos/as alunos/as para as leituras extras. Eles/as foram tomados pela organização das visitas a campo, filmagem do ambiente do rio, dentre outras atividades nesse percurso.

A filmadora foi um material utilizado no segundo semestre, que ganhou significado duplo – tanto para registrar as aulas (oferecendo benefícios para a pesquisa da professora mas intimidando alguns alunos) como para registrar os projetos dos/as alunos/as e possibilitar a produção de vídeos (de 10 minutos) pelos grupos. Constituía-se numa ferramenta que todos os grupos tinham que aprender a usar, para dar conta de produzir os trabalhos finais do "projeto do rio".

Por fim, a professora tinha alguns cuidados ecológicos no uso de materiais, dando um enfoque de uso racional destes, em sala de aula.

P — Eu trouxe cartolina, vocês vão reaproveitar o outro lado, são cartazes antigos, tá? Daí a gente não gera lixo. E nestas cartolinas vocês vão fazer esquemas, desenhos... do ambiente do rio. (apêndice B, 22 out. 2002)

Em relação à disponibilização e utilização dos materiais pedagógicos, a professora não faz reservas de seu tempo pessoal para buscar e colocar à disposição dos alunos materiais diversos. Age assim movida por sentimentos de responsabilidade e de doação na relação professora-alunos. E, talvez por esse aspecto não lhe ser conflituoso ou mesmo desgastante, pode com leveza aproveitar para fazer sistematicamente avaliação, ou melhor, uma certa investigação sobre o potencial dos mesmos em diversas situações de ensino.

Esse aspecto de "doação" se relaciona com a formação religiosa na relação com o outro que é de doação, ligada à identidade da professora como pessoa (NÓVOA, 2000). Porém, esse saber tem forte origem na formação universitária da professora. O uso desses materiais e modelos, no campo da Biologia, são muito comuns, pois demonstram e ilustram reações, paisagens, anatomia e funcionamento de organismos, dentre outros. Também parece sofrer influências do estágio que a professora desenvolveu no Projeto de Ensino “Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo”. Em muitas reuniões reflexivas desse projeto, eram planejadas e discutidas outras possibilidades de uso do tempo, do espaço natural e transformado do meio urbano, do uso de materiais investigativos e artísticos (incluindo a confecção de maquetes) e organização de exposições para melhoria do ensino de botânica.

A utilização de mapas cartográficos e maquetes foi muito exercitada pela professora em outros momentos de sua carreira, quando participou (como professora) de um curso de especialização que tinha como unidade de estudo as bacias hidrográficas próximas às escolas participantes19.

Por fim, podemos identificar que o uso diversificado de materiais com um significado integrado e ajustado a um projeto pedagógico — no caso, os seminários temáticos, o ensino histórico de genética, o projeto do rio mais próximo de casa — colaboram para a ampliação i) do conhecimento do funcionamento de algumas ferramentas/tecnologias (filmadora, mapa cartográfico e maquete); ii) do entendimento da realidade sob outras óticas (visão tridimensional, em outras escalas) e, iii) do uso da linguagem, a partir do contato com outras bibliografias e leituras (com os textos de apoio).

19

7.4

ESTIMULANDO AS INTERAÇÕES, FORMAÇÃO DE GRUPOS E