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Extrafiscalidade no Sistema Tributário Nacional

2.2 Extrafiscalidade

2.2.4 Extrafiscalidade no Sistema Tributário Nacional

Pela simples análise do Sistema Tributário Nacional que se encontra no título VI, Capítulo I, da Constituição Federal, percebe-se a presença da extrafiscalidade na

95 BRASIL. Constituição (1988).

tributação. Quando é proibida a incidência de determinados impostos, em operações ou produtos que trarão benefícios econômicos, sociais e também com o intuito inter- vencionista e regulatório de determinadas atividades e usos de patrimônio público e ou privado.

A Constituição Federal no art. 149, § 2º, I, determina que as contribuições so- ciais de intervenção de domínio econômico não incidirão sobre as receitas decorren- tes de exportação; em outro momento no inciso II do mesmo parágrafo, autoriza a sua incidência sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços. Essa práti- ca evidencia o caráter extrafiscal dessas contribuições.

Os impostos sobre o comércio exterior, importação e exportação, também são hábeis instrumentos de política fiscal e de comércio exterior, existindo inclusive um conjunto de institutos próprios, denominado de regimes aduaneiros especiais, como o drawback 96, a zona franca97, o porto livre98, o dumping99, o contingenciamento100 e outros, que são utilizados com intuito intervencionista ou regulador pelo Estado.

96 DRAWBACK – Este instituto representa uma forma de proteção à indústria nacional, feita através do ressarcimento ao produtor, por ocasião da exportação do produto acabado, do imposto incidente sobre a importação dos insumos de origem estrangeira, colocando o contribuinte em condições de concorrer no mercado internacional com fabricantes que se utilizam de matérias-primas de seus pró- prios países, as quais, como é claro, não sofreram o encargo de quaisquer gravames alfandegários ou aduaneiros. As modalidades de efetivação do drawback são a suspensão, a isenção ou a restitui- ção do imposto. A suspensão consiste em sustar o pagamento do imposto na importação de bem alienígena, quando se destinar exclusivamente à composição de produto nacional a ser exportado. A isenção consiste na dispensa do pagamento do imposto na importação de produto estrangeiro, em quantidade e qualidade equivalente à utilizada no beneficiamento, fabricação, complementação ou acondicionamento de produto exportado. A restituição consiste na concessão de crédito fiscal do imposto que incidiu sobre produto estrangeiro importado e aplicado em produto nacional já exportado. VALÉRIO, Walter Paldes. Programa de Direito Tributário – Parte Especial. 6. ed. Porto Alegre: Sulina, 1990. p. 28 e 29.

97 ZONA FRANCA: É o local do território de um país onde licenciada a importação sem qualquer ônus alfandegário, para alguns ou todos produtos, oriundos de todos os países ou apenas de uns. (...) visa dois objetivos: favorecer o desenvolvimento ou o abastecimento de certas regiões, atraindo para aí as importações (...).Temos no território nacional a ZONA FRANCA DE MANAUS. Localiza-se à margem esquerda dos rios Negro e Amazonas. Teve origem em 1957, através da Lei n. 3.173, de 6 de junho. CELESTINO, João Baptista. Direito Tributário nas Escolas. 2. ed. São Paulo: Sugestões Literárias S/A, 1976. p. 147 – 148.

98 PORTO LIVRE: Porto Livre ou Porto Franco é o porto ou ancoradouro onde o País oferece isenção dos tributos aduaneiros para as mercadorias importadas ou exportadas, visando ao comércio local sobre mercadorias reembarcadas, classificadas ou beneficiadas. Além das vantagens auferidas na arrecadação de taxas, o local passa a constituir verdadeiro corredor de comércio exterior com provei- to tecnológico e científico. Ibid., p. 147.

99 DUMPING: Consiste na introdução de mercadorias a baixo preço, ou preço artificial, no país impor- tador, cujo prejuízo resultante é compensado no mercado interno do próprio país produtor, onde são comercializadas a preços altos. Os sindicatos econômicos criadores do Dumping vendem mais caro no mercado interno a fim de poderem vender mais barato no exterior. Com isto, além de conquista- rem mercados estrangeiros, mantém elevada produção com vantagens de quantidade e conseguem o escoamento do excesso produzido. Para o combate ao Dumping, o ISI tem sido instrumento válido, pois, havendo importação de produtos a preço vil em concorrência desleal com o preço do produto

Outro imposto muito utilizado para fins extrafiscais é o IPI, pois ao ser autori- zada a sua incidência seletiva no inciso I do § 3º do Art. 153, estabelece diferente tratamento aos produtos considerados essenciais (menos tributados) e aqueles su- pérfluos (mais tributados), também a vedação de sua incidência sobre os produtos industrializados destinados ao exterior, denota o interesse econômico de obtenção de divisas para o país.

Entretanto, é o ITR previsto no art. 153, VI, o instrumento mais utilizado de in- tervenção estatal, pois a Constituição, no inciso I do § 4º do Art.153 determina a sua progressividade com o objetivo de desestimular a manutenção de propriedades im- produtivas, ao mesmo tempo, no inciso II do mesmo parágrafo, veda a sua incidên- cia sobre pequenas glebas rurais de exploração familiar.

Analisando a tabela do ITR estabelecida pela Lei n. 9393/96, pode-se com- provar o interesse do Estado em estimular a produtividade e impedir a manutenção de latifúndios, haja vista que o ônus tributário é determinado considerando o grau de utilização da propriedade rural e a área do referido imóvel, as alíquotas do ITR pro- gridem na razão inversa do grau de utilização da propriedade rural e na razão direta da sua área.

Também, com relação ao ICMS, de competência dos Estados e do Distrito Federal, a Constituição Federal prevê uma série de imunidades específicas condi- cionadas no art. 155, § 2º, inciso X101:

X – não incidirá:

a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e presta- ções anteriores;

b) sobre operações que destinem a outros Estados petróleo, inclusive lubri- ficantes, combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e energia elétrica; c) sobre o ouro, nas hipóteses definidas no art. 153, § 5º;

d) nas prestações de serviço de comunicação nas modalidades de radiodi- fusão sonora e de sons e imagens de recepção livre e gratuita.

nacional, deve o Fisco aumentar num crescendo a incidência do tributo até que iguale ao preço cor- rente nacional o baixo preço do produto importado. CELESTINO, loc. cit.

100 CONTINGENCIAMENTO: Este instituto objetiva estabelecer as quotas ou contingentes de produ- tos que o país deva importar, com o propósito de atender necessidades transitórias de mercado ou oscilações de sua balança comercial. VALÉRIO, op. cit., p. 75, p.30

Ratificando a informação supra sobre o controle de concessões de isenção, foi determinada no art. 155, XII, “g”, a obrigatoriedade de celebração de convênios entre os entes federativos visando acordar concessões e revogações de isenções e incentivos e benefícios fiscais, para evitar a guerra fiscal entre os estados e o distrito federal. O ICMS, por força do inciso III, § 2º, Art. 155 da CF, poderá ser seletivo em função da essencialidade das mercadorias e serviços,

Os municípios também receberam mecanismos de política fiscal, o IPTU teve um tratamento especial, no art. 156 da CF, § 1º, incisos I e II102, foi autorizada a pro-

gressividade em razão do valor do imóvel urbano, bem como a fixação de alíquotas diferenciadas em função da localização e do uso do imóvel para atender a finalidade de ordenar o uso adequado do imóvel urbano para cumprir a função social da pro- priedade urbana, conforme determina o art. 182, § 2º. Concomitantemente com a progressividade no tempo, facultada ao Poder Público municipal, no inciso II do § 4º do Art. 182, para promover o adequado aproveitamento do solo urbano.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Pú-

blico municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

(...)

§ 4º É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietá- rio do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente de:

(...)

II – imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo.

Com vistas ao favorecimento da economia é determinada no art. 156 da CF, § 2º, I103, a não incidência do imposto de transmissão imobiliária inter vivos quando

isso ocorrer para a sua incorporação ao patrimônio de pessoas jurídicas em realiza- ção de capital ou em casos de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa ju- rídica, nos termos do dispositivo:

102 O § 1º, Caput, com redação determinada pela Emenda Constitucional n. 29, de 13 de setembro de 2000, que também lhe acrescentou os incisos I e II. BRASIL. Constituição (1988). Constituição da

República Federativa do Brasil.

§ 2º O imposto previsto no inciso II:

I – não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao pa- trimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmis- são de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extin- ção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil.

Na análise da extrafiscalidade no Sistema Tributário Nacional, foram cola- cionadas algumas evidências, não se pretendeu uma enumeração taxativa (numerus

clausus), mas sim, exemplificativa, com o intento de demonstrar a presença de fins

extrafiscais, intervencionistas, a par dos fins fiscais, meramente arrecadatórios da receita tributária.

Como conseqüente do estudo percebeu-se uma enorme versatilidade conti- da na extrafiscalidade que lhe garante o talento necessário para atender aos mais diferentes fins, então, no sentido de determinar se a extrafiscalidade poderá servir de instrumento para a implementação de uma política de preservação ambiental, dedi- cou-se o próximo capítulo ao assunto.

3 A EXTRAFISCALIDADE E A TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL

O presente capítulo abordará a Extrafiscalidade e a Tributação Ambiental. Primeiramente, apresentar-se-á o conceito de extrafiscalidade tributária pesquisando a sua aptidão para alavancar uma reforma social. Em seguida, analisar-se-ão os princípios de Direito Ambiental e os de Direito Tributário importantes para a Tributa- ção Ambiental, o conceito legal de tributo trazido pelo Código Tributário Nacional, bem como a questão da competência para instituição de tributos ambientais.

Logo após, serão abordadas as espécies tributárias existentes no Direito Tri- butário brasileiro determinando a compatibilidade de seu uso na proteção do meio ambiente.

“O tratamento das questões ambientais transcende a análise das necessida- des individuais, Num contexto em que se compreende o desenvolvimento sustentá- vel, tal transcendência ocorre também não apenas entre indivíduo e coletividade, mas entre coletividades.” (MODÉ, 2007) 104.

Partindo do pressuposto de validade do Princípio 3 da Declaração do Rio So- bre Meio Ambiente e Desenvolvimento, segundo o qual105: “O direito ao desenvolvi-

mento deve ser exercido, de modo a permitir que sejam atendidas eqüitativamente as necessidades de desenvolvimento e ambientais de gerações presentes e futu- ras”.

Infere-se a igualdade entre as capacidades de desenvolvimento da geração presente e das gerações futuras, sendo que as últimas, devido ao distanciamento

104 MODÉ, Fernando Magalhães. Tributação Ambiental – a Função do Tributo na proteção do meio ambiente. p. 46.

temporal, não podem debater suas necessidades e torná-las efetivas, exigindo a presença do Estado como interventor desse processo. O Estado é chamado a agir no presente, para garantir um direito no futuro, segundo Cristiane Derani106, “é a

primeira vez que se prescreve um direito para quem ainda não existe: as futuras ge- rações”.

Acredita-se que, apesar do Estado ser sensível aos interesses do poder eco- nômico, somente ele, enquanto instituição pode proporcionar potencialmente a esca- la temporal indispensável à sustentabilidade, além de deter a autoridade e os meios potenciais para atuar como um agente de equilíbrio face aos poderosos grupos de interesse. Compete ao Estado a provisão do tempo necessário para que os proble- mas ambientais sejam solucionados, há que planejar no presente, com vistas ao fu- turo, tomar decisões para longo prazo e implementá-las, diferentemente dos agentes econômicos, que visam apenas benefícios no presente, jogando os custos para o futuro, desconsideram, ao decidir, o custo decorrente da degradação ambiental.

Os instrumentos de que dispõe o Direito Ambiental, como o estudo de impac- to ambiental, o licenciamento ambiental, o zoneamento ambiental e as unidades de conservação, entre outros, interferem diretamente no domínio econômico, pois res- tringem o direito de livre-iniciativa, de livre disposição da propriedade107 ou até mes- mo instituem um ônus sobre determinada atividade econômica, com o objetivo de fazer o agente econômico arcar com os custos da diminuição ou afastamento do da- no ambiental.

Dentre os instrumentos a disposição do Estado para a intervenção na econo- mia, tendo em vista a defesa do meio ambiente, encontra-se o sistema tributário.

A aplicação da tributação na defesa do meio ambiente se dá, no mais das ve- zes, mediante a internalização compulsória dos custos ambientais não diretamente ligados a determinada atividade produtiva ou produto (princípio do poluidor pagador). A internalização dos custos ambientais (externalidades negativas), embora se apresente à primeira análise como estritamente economicista, não pode deixar de ser analisada sob a ótica da realização da justiça. Através da internalização compul-

106 DERANI, Cristiane. Direito Econômico Ambiental. São Paulo: M. Limonad, 1997. p. 267.

107 DE GREGORI, Isabel Christine Silva. Propriedade Urbana e a (Re)significação da Função Social – uma abordagem à luz das práticas de proteção do patrimônio cultural urbano em Santa Cruz do Sul, RS. Tese de doutorado em Desenvolvimento Regional. UNISC, RS, Brasil, 2007. p.15-44.

sória dos custos ambientais busca-se impedir que um determinado agente econômi- co (poluidor) imponha, de maneira unilateral, à coletividade, o ônus de suportar tal deseconomia. O ideal de justiça igualmente é verificado quando se possibilita, medi- ante a internalização dos custos ambientais não incorporados aos produtos ou aos processos de produção, que a igualdade de condições entre as diversas empresas se recomponha. Assim, se, por exemplo, uma determinada empresa teve seus cus- tos de produção, levando-a à reutilização de rejeitos antes despejados no meio am- biente, a imposição de um tributo à concorrente que não adotou tal medida, e que portanto, tem condições de colocar no mercado um produto concorrente a preço menor , é, não somente, uma medida de cunho econômico, mas , de distribuição de justiça.

Ao não se atuar, pela via tributária, na internalização compulsória dos custos ambientais, está-se ratificando situação de total ineficiência de todo o sistema eco- nômico sob o aspecto da defesa do meio ambiente. Ao não se agregarem, ao custo do produto ou do processo produtivo de determinado bem, as externalidades negati- vas produzidas em todo o processo, possibilita-se que esse mesmo bem seja colo- cado no mercado a um preço mais reduzido, subvencionado, na verdade, pelo con- junto da sociedade que suportará as externalidades negativas não consideradas.

A redução, artificial, nos termos propostos, do preço desse produto fará com que a procura sobre ele seja, igualmente de forma artificial, aumentada, incremen- tando o resultado negativo para o meio ambiente de forma injusta. Injusta ainda se mostra a relação quando não tenham aqueles que mais contribuem para a poluição, suportado correspondente carga tributária, a disponibilizar recursos ao Estado para os serviços e investimentos necessários à recuperação da degradação ambiental ocorrida.

Assim os tributos ambientais buscam a prevenção dessas desigualdades, in- dependente de ocorrerem no âmbito exclusivamente da economia ou, num sentido amplo, da realização da justiça.