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UMA FALHA DA ATENÇÃO CONJUNTA

No documento Truques Da Mente (páginas 64-68)

Bem-vindos ao espetáculo, mas, por favor, mantenham os olhos vendados: ilusões

UMA FALHA DA ATENÇÃO CONJUNTA

Em março de 2009, fomos ao Muhlenberg College, em Allentown, na Pensilvânia, assistir ao seminário Teoria da Arte e da Mágica. Todos os dias desse encontro foram repletos de palestras teóricas, seminários

práticos e apresentações. Assistimos a uma apresentação brilhante de Roberto Giobbi, da Suíça, que também fez um seminário de um dia

inteiro sobre truques de baralho, complementando sua

respeitadíssima obra em cinco volumes intitulada Card College . (Portanto, quando dizemos que Roberto escreveu o livro sobre truques com cartas, na verdade ele escreveu cinco.)

Estávamos sentados no que claramente fora, em outros tempos, uma residência particular de luxo, agora usada pelo Muhlenberg College para pequenas conferências e encontros com doadores. Roberto foi fazendo um milagre após outro, e então apresentou sua versão do famoso truque do limão azedo. Nesse truque, o mágico pede a um espectador que escolha uma carta e a assine, e mais tarde este descobre que a carta foi transportada para o interior de uma fruta não cortada. A fruta é entregue ao espectador, junto com uma faca, e quando ele a corta, encontra uma carta enrolada. Você adivinhou – é a dele.

Roberto, um tradicionalista, de fato usa um limão. Mas seu truque acrescenta um toque especial. Em sua versão, ele põe um lenço na mão vazia e o limão aparece embaixo do lenço, como que surgido do nada. É um belo ato de prestidigitação, que enganou todas as pessoas da sala. Menos Susana.

ALERTA DE SPOILER! A SEÇÃO SEGUINTE DESCREVE

SEGREDOS DA MÁGICA E SEUS MECANISMOS CEREBRAIS!

Acontece que Susana estava esperando nosso segundo ilho, Brais, e sofrendo com seu enjoo matinal cotidiano durante o seminário de Giobbi. Não estava prestando atenção. Enquanto Giobbi mantinha o resto da plateia concentrado, Susana se ocupava com a tentativa de não vomitar. Até que um vislumbre de amarelo en im lhe captou a atenção. Ela olhou para o mágico e viu, com clareza cristalina, que ele estava en iando um limão embaixo do lenço, na palma da outra mão. Mais tarde, ela mencionou a Steve ter achado o truque atipicamente malfeito. Não entendia por que os mágicos pro issionais presentes na aula tinham icado tão admirados. Steve não entendeu o que ela estava falando. Achava que o truque do limão tinha sido impecável. Foi nesse momento que Susana se deu conta de que só tinha conseguido detectar o método por trás do truque por causa de seu dé icit de

atenção, induzido pelo enjoo. Roberto controla a percepção das pessoas fazendo-as concentrar a atenção em seu rosto, enquanto en ia o limão embaixo do lenço sem a menor cerimônia. É o controle da atenção conjunta em seu ápice. Mas a atenção de Susana estava focada em seu mecanismo de controle do vômito, por isso não pôde ser manipulada, nem mesmo por um mestre do ilusionismo.

FIM DO ALERTA DE SPOILER

A atenção também está ligada à memória de curto prazo e à nossa capacidade de entrar em sintonia com o que acontece a nosso redor. Às vezes, um estímulo é tão exigente, tão destacado, que não podemos deixar de prestar-lhe atenção – uma sirene de ambulância, o choro de um bebê, uma pomba que sai voando de uma cartola. Essa informação lui de baixo para cima – dos sentidos primários para níveis superiores de análise no cérebro. Isso se chama captação sensorial.

Em outras ocasiões, podemos deslocar a atenção de um lado para outro, a nosso critério, em um estilo de cima para baixo. Os sinais luem do córtex pré-frontal (o diretor-geral de nossas redes de atenção) para outras regiões que ajudam a processar as informações. Esse é o foco de atenção que ica sob o nosso controle. Você não ouve a sirene nem o bebê e não vê a pomba por estar prestando atenção a alguma outra coisa, como a última página daquele mistério policial cativante que está lendo agora. As pesquisas mostram que, quanto maior a capacidade da memória de curto prazo ou de trabalho, maior a possibilidade de resistir à captação sensorial. Os neurocientistas começaram a dissecar a natureza da atenção e a identi icar seus correlatos neurais. As primeiras áreas do cérebro a processar as cenas visuais usam circuitos que dispõem o espaço visual como um mapa. Essas primeiras etapas do processamento da visão (a retina, o tálamo visual e o córtex visual primário, discutidos no Capítulo 1) se organizam de forma que os neurônios que processam parte do campo visual se posicionem diretamente ao lado dos neurônios que processam as partes adjacentes a esse campo. À medida que os olhos se movem, a retina e os estímulos visuais também se movimentam. Entretanto, não importa para onde olhemos, alguns neurônios são destinados à visão central, enquanto outros são destinados a posições periféricas especí icas de estímulos provenientes da retina. As posições retinianas desses neurônios

da visão nunca se alteram.

Quando você toma a decisão consciente de prestar atenção a um local especí ico desse espaço “retinotópico”, os neurônios dos níveis superiores do sistema visual aumentam a ativação dos circuitos de nível baixo e aumentam sua sensibilidade aos estímulos sensoriais. Ao mesmo tempo, os neurônios das regiões circundantes do espaço visual são ativamente inibidos. Recentemente, trabalhamos com um grupo de colegas che iados pelo neurocientista José-Manuel Alonso, da Universidade Estadual de Nova York, e mostramos que os neurônios do córtex visual primário não só aumentavam a atenção no centro do foco e eliminavam a atenção nas regiões circundantes, como seu grau de ativação era modulado pela quantidade de esforço usada para realizar determinada tarefa. Em outras palavras, quanto mais di ícil a tarefa, mais a região central da atenção era ativada e mais a região circundante era reprimida.

Em um espetáculo de mágica, você enfrenta uma tarefa muito di ícil: descascar todas as camadas de despistamento e descobrir o método secreto subjacente a cada efeito mágico. No entanto, quanto mais tentamos, mais di ícil é: quanto mais a atenção é intensi icada no centro do foco de atenção, mais ela é reprimida em todos os outros locais. É claro que o centro do foco de atenção ica no exato local onde o mágico o quer – onde não acontece nada de interesse especial. Os locais que cercam o foco da atenção, onde acontece a ação real, são convenientemente reprimidos pelo cérebro. Os exércitos de neurônios que eliminam a percepção nessas regiões são os confederados do mágico.

Apollo lida com suas vítimas como se soubesse desde sempre desses circuitos neuronais. Tira uma moeda de 25 centavos do bolso do paletó e pergunta: “Isto é seu?” Você sabe perfeitamente que não é (quem guarda moedas de 25 centavos no bolso do paletó?), mas não consegue evitar: examina o rosto de George Washington como se fosse encontrar as suas iniciais gravadas na testa dele. “De que ano é a moeda?”, pergunta Apollo. E você tenta obedientemente discernir, mas as letras são muito miúdas e borradas, então você procura seus óculos de perto… no bolso do paletó. E eles não estão lá. “Experimente estes óculos”, oferece Apollo gentilmente, entregando-lhe os que usava no rosto, que são justamente os seus, como se veri ica. Enquanto você itava atentamente a moeda, que sabia não ter saído do seu bolso, as mãos de Apollo surrupiavam os óculos, literalmente embaixo do seu nariz, no momento em que você eliminava todo o movimento visual em volta da moeda.

Se os neurocientistas tivessem sabido – como Apollo parece saber – que a atenção funciona dessa maneira, isso teria poupado um tempo enorme gasto em pesquisas. Por isso, agora estudamos os mágicos.

No documento Truques Da Mente (páginas 64-68)