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SOBRE O AUTISMO

No documento Truques Da Mente (páginas 74-78)

Bem-vindos ao espetáculo, mas, por favor, mantenham os olhos vendados: ilusões

SOBRE O AUTISMO

A atenção conjunta é o mecanismo pelo qual podemos compartilhar a experiência de outra pessoa, acompanhando a direção de seu olhar e dos gestos com que ela aponta. Um sintoma comum e clinicamente estabelecido de muitos pacientes autistas é um dé icit da atenção conjunta, que pode ser medido ao acompanharmos seus movimentos oculares. Por exemplo, os pacientes autistas tendem a não olhar para o rosto dos outros, nem mesmo os de atores em ilmes ou de pessoas fotografadas.18

Os mágicos utilizam a atenção conjunta como uma forma de despistamento social, para desviar a atenção do espectador do método por trás do truque e em direção ao efeito pretendido na percepção. Se o ilusionista quer os seus olhos concentrados no rosto dele, olha diretamente para você. Se, ao contrário, quer que você desvie o olhar para determinado objeto, ele mesmo vira o corpo, a cabeça e os olhos em direção a tal objeto, e a sua cabeça e os seus olhos o acompanham prontamente. É o mágico manipulando a sua atenção conjunta. Em um trabalho em dupla, como o espetáculo de Penn & Teller, as oportunidades de fazer uso da atenção conjunta dobram. Quando

Penn Jillette faz um número, o corpo, a cabeça e o olhar de Teller se orientam atentamente para o local de atenção que a dupla quer impor à plateia (as mãos ou o rosto de Penn, um objeto no palco) e vice- versa. Tivemos o cuidado de empregar esse mesmo princípio ao apresentar nosso número no Castelo Mágico. A atenção conjunta é crucial para a aquisição da linguagem e para o desenvolvimento cognitivo e social. Mas também nos torna suscetíveis a truques de mágica, que exploram nosso impulso natural de prestar atenção aos mesmos lugares e objetos para os quais atentam as pessoas que nos cercam. Ao contrário das pessoas autistas, a maioria de nós volta o olhar e a atenção para os rostos das pessoas nas fotografias. Entretanto, nossa focalização intensa nos rostos se dá à custa de outras informações potencialmente interessantes. Você notou alguma coisa estranha nesta foto? Olhe com mais atenção e perceberá que a menina tem um dedo a mais na mão direita. Os observadores autistas podem notar detalhes desse tipo com mais rapidez, porque sua atenção não se concentra nos rostos. (Fotocomposição de Smitha Alampur e Thomas Polen/iStockphoto)

problemas de atenção conjunta, devem reagir de forma anormal aos truques de mágica que dependem da atenção conjunta. Não se deixarão tapear pelo despistamento social e por isso deverão ser mais propensos a “pegar” a ação secreta dos mágicos do que os observadores normais. Portanto, não ser enganado por truques de mágica que dependem do despistamento social seria uma indicação de prejuízo da atenção conjunta, o que poderia contribuir para o diagnóstico de distúrbios do espectro do autismo. Também ajudaria a avaliar o sucesso das terapias orientadas para a melhora da atenção conjunta: à medida que melhorasse a atenção conjunta dos pacientes, eles icariam cada vez mais suscetíveis ao despistamento social e, por conseguinte, mais propensos a “cair” nos truques de ilusionismo que dependem de pistas da atenção conjunta. Pleiteamos uma verba de inanciamento para um estudo destinado a determinar se nossa hipótese está correta.

O despistamento social no palco, tal como usado pelos mágicos, é apenas um tipo mais re inado do despistamento social usado por nossos primos primatas para assegurarem melhor acesso ao alimento e a outros recursos. Estudos etológicos mostram que o macaco evita olhar para um reservatório escondido de alimento, a im de manter afastados os concorrentes potenciais. Estudiosos da consciência dizem que esses macacos têm uma teoria da mente . Em outras palavras, sabem interpretar a orientação do olhar, da cabeça e do corpo de seus pares como indicadores do local de atenção e interesse deles. Também sabem ajustar ou redirecionar o próprio corpo e olhar para ingir interesse em um objeto indesejado, a im de desviar os concorrentes do objeto do desejo. Nesse sentido, os primatas e os seres humanos são leitores competentes do pensamento. Mas os mágicos são melhores. E Apollo, como você verá no próximo capítulo, tem ainda mais truques escondidos na manga proverbial.

1 http://sleightsofmind.com/media/magicsymposium/Apollo/.

2 Para investigar a atenção conjunta, os pesquisadores escondem um objeto ou um alimento em um recipiente opaco e o apontam com o dedo. Os bebês de catorze meses ou mais são capazes de localizar com facilidade o objeto oculto, mas os macacos acham essa tarefa bastante di ícil. Surpreendentemente, os cães domésticos têm um desempenho esplêndido na solução do mesmo problema. Referências: B. Hare et al., “Communication of Food Location Between Human and Dog (Canis familiaris ) ”, Evolution of Communication 2 (1998), p.137-59; A. Miklosi et al., “Use of Experimenter-Given Cues in Dogs”, Animal Cognition 1 (1998), p.113-21.

sutis. A neurocientista Sonya Babar e seus colaboradores descobriram que, quando itamos o rosto de alguém, deslocamos o olhar entre os dois olhos do parceiro, buscando o melhor contato visual. O olho em que pousamos em dado momento tende a ser a imagem especular do olho escolhido por nosso interlocutor. Por exemplo, quando sentimos que o olhar do parceiro está focalizado em nosso olho direito, nosso re lexo é deslocar o olhar para seu olho esquerdo. Essa mudança conjunta do olhar é percebida como um contato visual adequado. Todavia, quando o interlocutor olha para nosso olho direito, ao itarmos seu olho direito, ambos costumamos sentir uma ruptura no contato visual, ou uma falta de atenção. Referência: S. Babar et al., “Eye Dominance and the Mechanisms of Eye Contact”, Journal of AAPOS 14 (2010), p.52-7.

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No documento Truques Da Mente (páginas 74-78)