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Por que as varinhas mágicas funcionam: correlações ilusórias, superstição, hipnose e

No documento Truques Da Mente (páginas 193-200)

vigarice

No inverno de 1983, Susana sentou-se à mesa da sala de jantar de sua mãe, acompanhada da irmã, Carolina, e de uma amiga, Beatriz. As três adolescentes se debruçaram sobre um tabuleiro Ouija que Susana tinha feito na semana anterior. O tabuleiro Ouija, caso você nunca o tenha usado, é um dispositivo que permite que os jogadores façam perguntas ao mundo espiritual e encontrem as respostas a partir de um indicador chamado prancheta, que se move, aparentemente por vontade própria, por uma tábua em que estão gravados as letras do alfabeto, os algarismos e as palavras “sim”, “não, “talvez” e “adeus”. Susana estava zonza de expectativa. Ao contrário da irmã e da mãe, ela era a cética da família. Aquilo seria divertido.

As meninas puseram as pontas dos dedos com delicadeza sobre a prancheta, que – em vez do dispositivo habitual em forma de coração, apoiado sobre três pernas – era uma enorme moeda de prata, na qual estava gravado o rosto do falecido ditador espanhol Franco. Havia um rádio berrando. A mãe de Susana abanou a cabeça com ar de reprovação e se afastou. Para implicar com a irmã caçula, Susana perguntou: “Como é o nome do garoto por quem a Carolina está apaixonada?” Carolina fez uma expressão de desdém.

E então o tabuleiro Ouija começou a trabalhar. A prancheta se mexeu, como que sozinha, deslocando-se para a letra J. Passado um breve momento, iniciou sua viagem para a letra A. Susana lembrou-se do momento desse dia, mais cedo, em que tinha contado a madre Silvia, uma das freiras da escola, que izera seu próprio tabuleiro Ouija em casa. A

freira havia insistido para que ela não o usasse: “Você não tem como saber ao certo com quem está falando”, dissera. Para muitos cristãos, o tabuleiro Ouija é um portal para o controle satânico ou a possessão demoníaca. Para eles, servir de médium para os espíritos dos mortos ou consultá-los é um grave pecado.

A prancheta se moveu então para a letra V. De repente, uma lâmpada explodiu no lustre acima da mesa. As meninas gritaram e tiraram as mãos do dispositivo sinistro, tremendo com uma estranha mistura de pavor e deleite. O que acabara de acontecer? Será que a explosão da lâmpada tinha sido uma coincidência? Ou teria sido uma advertência do mundo dos espíritos? Será que a explosão e a escrita iminente do nome “Javier” tinham sido uma correlação autêntica, ou uma ligação ilusória?

Susana se recorda de que ela e as outras meninas icaram meio atordoadas, mas satisfeitas por terem conseguido uma “manifestação” tão forte, antes de suspenderem o jogo por aquele dia. A mãe de Susana era bastante supersticiosa, o tipo de pessoa que acredita que não se deve brincar com a sorte. Ela não dizia as palavras “cobra” nem “víbora” porque isso daria azar. A mãe e a irmã de Susana acreditavam que uma mão sobrenatural tinha movido a prancheta e estourado a lâmpada.

Como neurocientistas cognitivos que estudam as fraquezas da mente humana, enxergamos as crenças supersticiosas como exemplos de correlações ilusórias – o fenômeno de ver uma relação entre os acontecimentos mesmo quando não há qualquer prova factual da existência dela. Exploradas tanto por mágicos como por médiuns, as correlações ilusórias constituem a base de números encenados no palco, do pensamento mágico e de toda sorte de vigarices. E podem causar danos terríveis neste mundo.

Na condição de cientistas, podemos explicar como funcionam os tabuleiros Ouija. Não são os espíritos que movimentam a prancheta, mas você e os outros jogadores, por meio do chamado efeito ideomotor . Seus músculos voluntários são capazes de fazer movimentos minúsculos fora de sua percepção consciente. Quando os movimentos de todos os jogadores chegam a um consenso (mais uma vez, inconscientemente), a prancheta corre para uma letra, depois para outra, e assim por diante. O efeito id e omotor explica outros fenômenos sobrenaturais, inclusive a rabdomancia, a escrita automática e a comunicação facilitada. Os movimentos são gerados pelo próprio sujeito, mas a ilusão de uma força externa é imperiosa.

Você pode experimentar por si o efeito ideomotor. Suspenda com a mão um pêndulo sobre uma folha de papel na qual tenha escrito as palavras “sim”, “não” e “talvez”. Faça todo e qualquer tipo de perguntas e o pêndulo lhe dará respostas.

Se você quiser desmascarar a ilusão do tabuleiro Ouija, peça aos jogadores que vendem os olhos antes de moverem a prancheta. As mensagens soletradas por eles serão um palavrório incoerente.

Teller, o parceiro silencioso da famosa dupla Penn & Teller e mestre na correlação ilusória, entrou no palco do simpósio A Mágica da Consciência.1

Ele é baixo, porém mais alto do que você imaginaria, uma vez que sempre aparece ao lado do imponente Penn Jillette, que tem quase dois metros, na televisão ou no show que eles apresentam no palco do Rio Hotel and Casino, em Las Vegas – e é ágil e tem uma personalidade endiabrada. De calças pretas, mocassins pretos e camisa preta com dragões bordados nas costas, parece um rei dos elfos de O senhor dos anéis. Teller quase sempre exibe uma expressão divertida, como se escondesse uma piada particular, e claramente adorou a oportunidade de explicar o ilusionismo aos cientistas ali reunidos.

– Uma das coisas que os mágicos fazem – disse ele – é tirar proveito da nossa inclinação natural para estudar aquelas coisas que vemos se repetirem inúmeras vezes e então achar que estamos aprendendo algo. É que, na vida real, quando se vê algo ser feito uma vez após a outra, estuda- se isso e, aos poucos, apreende-se um padrão. Fazer o mesmo com um mágico pode ser um grande erro.

Teller começou a andar pelo palco:

– Vamos supor que eu produza uma moeda – disse. Levantou bem alto a mão direita acima da cabeça e tirou do nada uma reluzente moeda de prata. Deixou-a cair em um balde de latão que segurava com a mão esquerda. Ouviu-se um tilintar alto. Ele esticou a mão direita em outra direção e tirou mais uma moeda do ar. Tlim. Depois, mais uma. Tlim. E outra. Mordeu-a e disse: – Esta é real – antes de jogá-la no balde. Tlim. – Quem sabe, mais uma dali. – Tlim. Com esta última moeda, Teller abriu bem a mão e os dedos, para a plateia ver que não estava escondendo nada.

Depois, aproximou-se do público e, passando os dedos pela cabeça branca de um homem, tirou mais uma moeda e a jogou no balde. Tlim. Tirou os óculos de um sujeito e inclinou as lentes sobre a borda do balde. Tlim, tlim. Pegou a bolsa de outra pessoa, vasculhou-a e tirou mais moedas.

Tlim, tlim, tlim . Por im, levou a mão ao rosto e tossiu, e caiu outra moeda, que foi para o balde junto com as demais. Tlim!

Esse efeito, chamado de sonho do avarento, é um número clássico. Remonta ao menos a 1852 e ao mágico Jean-Eugène Robert-Houdin, que o chamava de chuva de dinheiro. Mais tarde, o truque icou conhecido como tesouro aéreo, até que, em 1895, T. Nelson Downs deu à sua versão o nome de sonho do avarento, uma denominação que pegou. Nesse truque, o mágico retira, de maneira contínua, moedas do ar, aparentemente do lugar que bem entender, e as joga em um recipiente. Tradicionalmente, o número é feito em silêncio, exceto pelo tinido alto das moedas que se acumulam no recipiente. – A inclinação natural de vocês, como observadores, é supor que estou fazendo a mesma coisa, uma atrás da outra – disse Teller. – Agora, vou lhes contar exatamente o que fiz, para vocês verem como somos ardilosos. ALERTA DE SPOILER! A SEÇÃO SEGUINTE DESCREVE SEGREDOS DA MÁGICA E SEUS MECANISMOS CEREBRAIS!

Teller explicou que inicia o truque empalmando cinco moedas na mão direita. A esquerda segura outras seis, que são pressionadas pelos dedos contra a parede interna do balde. Algumas moedas caem de sua mão direita e outras da esquerda (que não podemos ver), enquanto ele inge largá-las com a direita. Neste último caso, ele apenas inge o gesto de jogar com a mão direita e usa o movimento do punho para baixo para tornar a esconder a moeda. Mas esse ato ingido capta os neurônios especulares, que faz com que iquemos predispostos a vê-lo como o mesmo ato natural de jogar que nós mesmos fazemos, todos os dias, com moedas, chaves do carro e de casa, ingredientes culinários etc. O tinido da moeda que cai da mão esquerda no balde cria a ilusão de que a moeda falsamente jogada com a direita aterrissou no recipiente. O que de fato vemos é a mesma moeda cintilar repetidas vezes na mão direita. Nossas suposições nos enganam.

Teller confia no despistamento e na agilidade manual para criar uma ilusão chamada de “sonho do avarento”. (Fotografias © Misha Gravenor)

Teller diz que a primeira moeda faz surgir uma pergunta na cabeça: de onde ela veio? Após quatro moedas, você acha que sabe. Ele só pode estar empalmando-as na mão direita. É nesse momento que Teller revela que a mão direita está completamente vazia, a não ser por uma única moeda, presa entre o polegar e o indicador. Você conclui que não há moedas ocultas. Mas espere. Ele continua a jogá-las no balde, tlim, tlim , só que agora elas vêm da mão esquerda.

– Toda vez que vocês pensam que sabem o que está acontecendo, eu mudo o método – disse ele. Cada moeda é uma nova pequena explosão de visão e som – você a vê e a ouve, e tudo acontece tão depressa que se deixa enganar. Você pensa que toda repetição é real.

FIM DO ALERTA DE SPOILER

Teller prosseguiu:

– A inclinação natural de vocês, como observadores, é presumir que o que estou fazendo é a mesma coisa, uma vez após a outra. Presumimos que uma repetição é uma repetição [mesmo] quando ela não o é. Todos inferimos causa e efeito na vida cotidiana.

Quando A precede B, concluímos que A causa B. O mágico habilidoso se aproveita dessa inferência, certi icando-se de que A (a jogada falsa da moeda) sempre preceda B (um tinido alto). Na verdade, porém, A não causa B.

A apresentação do sonho do avarento feita por Teller revela a compulsão humana por descobrir padrões no mundo e os impor, mesmo quando eles não existem de fato. O mágico se utiliza desse instinto de inferir relações de causa e efeito. Isso se assemelha ao modo como os mágicos usam nossas expectativas contra nós (como discutimos no Capítulo 8). Aqui, no entanto, estamos falando de como os mágicos nos fazem ver correlações que não existem de verdade. Eles se apropriam de nossa poderosa capacidade de identi icar padrões no mundo natural e nos induzem a extrair correlações, de maneira errônea, entre o inesperado, o ridículo e o absurdo. Depois, jogam nossos processos cognitivos no chão enquanto nos debatemos com as contradições que nossas mentes inventaram.

Como você viu no incidente do tabuleiro Ouija, esse é o efeito da correlação ilusória. Na maioria das situações, nosso instinto inato de inferir relações de causa e efeito nos é muito útil. Você quer um ovo? Procure em um ninho de pássaro. Há nuvens escuras se acumulando no céu? É provável que chova, vá procurar abrigo. Até aí, tudo bem, mas a inferência causal é uma faculdade sumamente imperfeita e eminentemente falível. Erra o tempo todo e nos leva a acreditar em toda sorte de coisas.

A correlação ilusória está na raiz do motivo por que algumas pessoas acreditam, sinceramente e com toda a boa-fé, que têm poderes mediúnicos. O telefone toca e, naquele exato momento, você estava pensando na pessoa que ligou. Você se senta diante do computador para enviar um e-mail para um amigo e descobre que ele acabou de lhe escrever sobre o mesmo assunto. Talvez você conheça alguém que acredite ter previsto o futuro em um sonho – um desastre de avião, digamos. Mas o que ele não lhe conta é que tem premonições sobre desastres de avião várias vezes por semana.

Tende a não notar ou a não se lembrar dessas falsas previsões, mas aquela que coincide com um acidente de verdade dispara sinetas desvairadas de alerta no cérebro dele. Seu detector mental de correlações grita Certo! Verdadeiro! Válido! Em casos extremos, a correlação ilusória pode levar a convicções extraordinárias, como a antiga teoria asteca de que era preciso fazer um sacri ício humano todas as manhãs para que o sol nascesse. Pode parecer macabro, e é fácil de condenar em retrospectiva, mas funcionava todas as manhãs, conforme anunciado.

Na segunda temporada do seriado de televisão Lost, os sobreviventes do desastre aéreo presos em uma ilha tinham de apertar um misterioso botão a cada 108 minutos para “salvar o mundo” (impedir a ocorrência de um evento catastró ico em escala mundial). Como o im do mundo ainda não chegou, o botão deve estar funcionando. Contudo, ninguém jamais deixa de apertá-lo para descobrir ao certo.

Um efeito semelhante no cérebro é chamado de viés de disponibilidade. Essa ilusão, causada por uma falha da memória, surge com frequência na vida cotidiana. Por exemplo, segundo Steve, “Eu troco muuuito mais as fraldas do nosso bebê do que Susana. Evidentemente, porque ela é mais preguiçosa que eu”. O intrigante é que Susana pensa exatamente o inverso. Acha que troca as fraldas do Brais mais do que Steve. A verdade é que nós dois estamos errados. Trocamos as fraldas do Brais com uma frequência mais ou menos igual. Em nossa mente, porém, nossas contribuições e sacri ícios são ampliados pelo fato de nos lembrarmos melhor de nossos atos do que dos de outras pessoas. De modo incorreto, traçamos correlações mais fortes entre os fatos de que nos recordamos do que entre os fatos fornecidos por terceiros.

Os mágicos têm plena ciência dessas pequenas fraquezas do cérebro e as exploram como um rato de laboratório apertando uma alavanca que libera cocaína. “Grande parte da nossa vida é dedicada à compreensão de causa e efeito”, diz Teller. “O ilusionismo proporciona um parque de diversões para essas habilidades racionais. Ele é a vinculação de uma causa a um efeito que não tem base na realidade ísica, mas que, no fundo, achamos que tem que ter. É muito parecido com uma piada. Há uma progressão lógica, mesmo que absurda. Quando se chega ao clímax de um truque, há uma pequena explosão de prazer que dá calafrios, no instante em que aquilo que vemos se choca com o que sabemos da realidade física.” Essa “pequena explosão de prazer que dá calafrios” pode ser estudada em

laboratório. Em 2009, uma equipe de neurocientistas cognitivos, che iada por Ben A. Parris e Gustav Kuhn, das universidades de Exeter e Durham, na Inglaterra, usou truques de mágica para investigar os correlatos neurais de relações causais gravadas no cérebro pela experiência. No estudo, eles assinalaram que o mágico confunde a cabeça do observador quando põe uma moeda na mão direita, fecha-a, abana a mão esquerda sobre o punho fechado e em seguida abre lentamente a mão direita. A moeda, que você sabe que ainda devia estar lá, desapareceu. Seu sistema implícito de conhecimento de causa e efeito lhe diz que as moedas não podem desaparecer assim.

Então, o que acontece no cérebro das pessoas que assistem a truques desse tipo? Para descobrir a resposta, os pesquisadores escanearam o cérebro de 25 pessoas, usando a ressonância magnética funcional, enquanto elas assistiam a videoclipes de vários truques de mágica e a duas situações de controle estreitamente correlatas. Por exemplo, o truque podia ser como o que acabamos de mencionar: moeda na mão, mão fechada, aceno da outra mão, abertura da mão em que a moeda foi vista pela última vez, desaparecimento da moeda. A situação de controle seria: moeda na mão, mão fechada, aceno da outra mão, abertura da mão em que a moeda foi vista pela última vez, moeda ainda presente nela. Uma situação de surpresa seria: moeda na mão, mão fechada, mão aberta, mágico mostra a moeda na boca.

A principal descoberta foi que duas regiões cerebrais cujos nomes parecem palavrões – córtex pré-frontal dorsolateral (CPFDL) e córtex cingulado anterior esquerdo (CCAE) – se acendiam quando as pessoas assistiam aos truques de mágica. As pesquisas mostraram que uma dessas áreas, o CCAE, identi ica o con lito, ao passo que a outra, CPFDL, tenta resolver con litos – exatamente o que se esperaria ao ser violada uma relação de causa e efeito. Na situação de surpresa, a área identi icadora de con litos, CCAE, acende-se junto com outra região do córtex pré-frontal, chamada faixa ventrolateral , que se constatou registrar a surpresa. Na situação simples de controle, nenhuma dessas áreas exibiu um aumento de atividade. Os pesquisadores concluíram que nossa capacidade de identi icar informações que contradizem ou questionam nossas crenças estabelecidas é crucial para aprendermos coisas sobre o mundo. O circuito que se iluminou parece desempenhar uma função importante na neurobiologia da incredulidade.

No documento Truques Da Mente (páginas 193-200)