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MEMÓRIA E MEIOS DE COMUNICAÇÃO

No documento Truques Da Mente (páginas 124-127)

O truque indiano da corda: ilusões mnêmicas

MEMÓRIA E MEIOS DE COMUNICAÇÃO

No dia 23 de fevereiro de 1981, duzentos o iciais armados da Guarda Civil, comandados pelo tenente-coronel Antonio Tejero, irromperam na Câmara dos Deputados do Congresso espanhol, durante o processo de eleição do novo primeiro-ministro, e mantiveram, durante dezoito horas, o governo democraticamente eleito sob a mira de armas. A tentativa de golpe de Estado acabou no dia seguinte, mas pergunte a qualquer espanhol com mais de 35 anos o que ele estava fazendo na hora desses acontecimentos e ele será capaz de lhe contar até os mínimos detalhes. Aquela noite tensa e a longa madrugada que se seguiu ficarão gravadas na memória de maneira permanente.

Será mesmo? Como se constatou, muitas pessoas se lembram de ter visto o início do golpe ao vivo na televisão, enquanto ele acontecia. Não é verdade. Embora o golpe tenha sido transmitido ao vivo pelo rádio, as imagens em videoteipe só foram exibidas na TV no dia seguinte, muito depois de a tentativa de golpe ter fracassado e de os reféns terem sido libertados.

O escritor espanhol Javier Cercas escreveu sobre essa confusão especí ica quanto à fonte da lembrança em seu livro Anatomia de um instante: “Todos resistimos à extirpação de nossas lembranças, que são as detentoras da identidade, e alguns preferem aquilo de que se lembram àquilo que aconteceu, e por isso continuam a recordar que viram o golpe ao vivo.”

A confusão quanto à fonte da lembrança ocorre porque as pessoas determinam mal a fonte da informação. Você se lembra da explosão do ônibus espacial Challenger, que matou todos os astronautas a bordo, inclusive a professora Christa McAuliffe? Onde você viu pela primeira vez a imagem daquelas duas nacelas dos foguetes de lançamento descrevendo oitos lentamente pelo ar? Você se lembra da imagem. Quem poderia esquecê-la? Mas você a viu primeiro no New York Times , no Wall Street Journal, no Today Show, na CNN? Terá sido na televisão, ou você a viu primeiro no jornal? Será que ela lhe foi descrita no rádio? É di ícil lembrar porque não nos preocupamos tanto com a fonte de nossas informações quanto com o seu conteúdo.

É por isso que a propaganda é tão e icaz quando nos diz que o produto à venda é o melhor que existe. É claro que a fonte é tendenciosa (a empresa fabricante do produto pagou pelo comercial). Porém, quando ouvimos isso repetidamente por um número su iciente de vezes, começamos a acreditar. Essa é uma das razões por que a reforma do

inanciamento das campanhas políticas é um tema tão in lamado: queiramos ou não, os anúncios tendenciosos desempenham uma enorme in luência na formação de nossas opiniões, de modo que os candidatos com mais verbas levam grande vantagem.

A nosso convite, Magic Tony foi dar uma aula de ilusionismo e psicologia a alguns de nossos colegas de pesquisa no Instituto Barrow de Neurologia, em Phoenix. Nesse dia, ele resolveu que mexeria com as lembranças dessas pessoas. Faria uma demonstração de como criar uma

ilusão mnêmica, implantando a confusão quanto à fonte na plateia.

Tony chamou duas pessoas, Hector e Esther, para se juntar a ele diante do grupo. Explicou que, antes do início da aula, gostaria da ajuda deles em um truque. Pediu a Hector que pensasse em uma carta e continuasse pensando nela durante toda a palestra – simplesmente guardar a carta na memória. E deu a Esther um baralho, pedindo-lhe que retirasse uma carta e a pusesse no bolso, sem olhar para ela. Portanto, tínhamos Hector pensando em uma carta e Esther guardando outra, mas sem saber qual era. Chegou a hora da verdade: – Hector, qual foi a sua carta? – O valete de espadas. – Esther, olhe no seu bolso. Qual é a carta? Ela a tirou: o valete de espadas.

Aplausos. Hector e Esther exibiam uma expressão de perplexidade. Como foi que o Tony fez isso?

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– Uma das coisas encantadoras sobre ser mágico – disse ele – é que se percebe que as palavras têm consequências poderosas. E este truque é o exemplo perfeito de como um mágico pode usar a linguagem para criar um efeito que na verdade não existia inicialmente.

Tony pediu à plateia que pensasse na semântica, na ambiguidade e em como uma frase pode ter dois sentidos diferentes de acordo com o contexto. Consideremos estas duas frases: Pedi que ele pensasse em uma carta. Mostrei-lhe uma carta e pedi que continuasse a pensar nela. As duas descrevem o mesmo resultado, mas a primeira implica mais liberdade, explica Tony.

Ao colocar Hector diante do grupo, Tony usou a primeira frase para descrever o que havia acontecido. Implantou essa mentira na memória de todos. Para Hector, que estivera presente no evento original, a desinformação induziu a uma confusão quanto à fonte. Mais tarde, ele se lembraria de que ele próprio tinha escolhido livremente a carta. Mas, na verdade, Tony tivera uma interação anterior diferente com ele. Tinha aberto em leque um baralho e dito a Hector que parasse ao sentir vontade

de escolher uma das cartas. Uma vez feita essa escolha, Tony lhe dissera para continuar pensando na carta durante a palestra. No entanto, como você talvez descon ie, Hector não escolhera livremente a carta. Tony havia forçado o valete de espadas. Examinaremos as técnicas de forçar no próximo capítulo. Por ora, guarde em mente que Hector foi tapeado.

Em seguida, Esther. Consideremos duas frases: Entreguei-lhe um baralho e pedi que ela retirasse uma carta e a pusesse em seu bolso direito, e que colocasse o resto do baralho no bolso esquerdo . Ou: Pedi que ela escolhesse uma carta e a guardasse no bolso . Mais uma vez, a primeira frase implica uma liberdade muito maior – Esther teria o controle das cartas –, porém, a irma Tony, não foi isso que aconteceu. Ele abrira o baralho em leque e pedira a ela que escolhesse uma carta, mas, também nesse caso, essa escolha não tinha sido livre. Mais uma vez, ele havia forçado o valete de espadas. Esther também fora tapeada.

– Esse é um truque banal – confessou Tony –, mas, pelo simples uso da linguagem, foi transformado em um milagre. Hector e Esther têm uma lembrança falsa, simplesmente por causa das palavras que usei. Ao assemelharem suas lembranças a minhas palavras, tornando-as correspondentes, ajudaram a induzir a plateia a uma ilusão mnêmica e à experiência da magia.

FIM DO ALERTA DE SPOILER

No documento Truques Da Mente (páginas 124-127)