O CPC determina em seu Artigo 145, caput, que “[...] quando a prova do fato depender de conhecimento técnico ou científico, o juiz será assistido por perito”.1,[NT2] Por óbvio,
seria desnecessário enfatizar que, se alguém não detiver a especialização requerida para esclarecer o fato em exame, não poderá ser nomeado perito. A questão, entretanto, não é tão singela. Há dois fatores que devem ser observados para que se possa definir com correção qual psiquiatra efetivamente detém o conhecimento técnico mínimo indispensável para assumir o encargo pericial: a matéria em exame e as alternativas disponíveis na localidade.
Como regra, todo médico psiquiatra – por força exclusiva dessa condição – deverá ser considerado apto a realizar qualquer perícia psiquiátrica. No entanto, tal presunção é relativa. Em razão do crescente desenvolvimento da psiquiatria e da tendência à superespecialização, muitos profissionais acabam por trabalhar em área limitada da disciplina, detendo, em relação ao resto do campo, apenas conhecimentos básicos e, muitas vezes, desatualizados. Além disso, exige-se do perito psiquiatra – diferentemente e em grau muito mais elevado do que ocorre em outros domínios, como a engenharia e a contabilidade, por exemplo – uma boa compreensão do fenômeno jurídico, para que possa atingir conclusões válidas e precisas. Devido a essa exigência é que atualmente a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e a Associação Médica Brasileira (AMB) reconhecem o título de Especialista em Psiquiatria Forense (TEPF).
A situação ideal, portanto, seria aquela na qual o psiquiatra indicado pelo juiz estivesse familiarizado em sua prática diária com o tema em exame e que fosse detentor
do TEPF. No caso de não conformidade com essa situação, residindo em localidade na qual existam colegas com essas habilitações e não se sentindo em condições de bem exercer o encargo pericial, poderia se escusar da indicação sob esse argumento. Essa escusa, contudo, teria menores probabilidades de vir a ser aceita em comarcas nas quais a diversidade de profissionais fosse pequena. Compreende-se: uma vez que a falta de psiquiatras disponíveis obriga todos a trabalhar em todas as áreas, pressupõe- se que poderão realizar perícias psiquiátricas de qualquer natureza. Contudo, da mesma forma que pacientes em situações mais graves e complexas são removidos para centros maiores e com melhores recursos, em casos forenses excepcionais, de extrema dificuldade técnica, o psiquiatra generalista poderá invocar essa condição para declinar da indicação e solicitar que seja nomeado um colega de outra localidade que tenha experiência na área ou o TEPF. Nesse caso, ele deverá arguir a incidência do Artigo 424, inciso I, do CPC.1,[NT3]
IMPEDIMENTOS
O CPC,1 em seu Artigo 134,[NT4] relaciona os impedimentos dos juízes, estendendo-os,
por meio do Artigo 138, inciso III, aos peritos.[NT5] De acordo com a norma legal, pois,
o médico psiquiatra não poderá atuar como perito nos processos em que: for parte
houver prestado depoimento como testemunha
for cônjuge, parente em linha reta em qualquer grau ou parente em linha colateral até segundo grau (irmão ou cunhado) do advogado da parte
for cônjuge, parente em linha reta em qualquer grau ou parente em linha colateral até terceiro grau (tio e sobrinho) da parte
for membro da administração de pessoa jurídica que seja parte no feito
O novo CPC2 amplia as hipóteses de impedimento, em especial aquelas previstas
nos incisos de VI a IX do Artigo 144.
Como se pode constatar, os impedimentos dizem respeito a situações extremamente objetivas, fáceis de demonstrar, as quais, por sua natureza, deixam evidente que o perito não poderá exercer sua função com a imparcialidade necessária.
SUSPEIÇÕES
As razões de suspeição estão previstas no Artigo 135 do CPC.1,[NT6] Da mesma forma
for amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes
for credor ou devedor de qualquer das partes ou o mesmo ocorrer a seu cônjuge, bem como aos parentes em linha reta em qualquer grau ou em linha colateral até terceiro grau (tio e sobrinho)
for herdeiro, donatário ou empregador de qualquer das partes
houver recebido presentes de qualquer das partes, aconselhado em relação à causa ou auxiliado financeiramente com as despesas do processo
tiver qualquer interesse no julgamento do feito em favor de uma das partes
Visto que o Artigo 135 do CPC1,[NT7] é basicamente dirigido aos magistrados, nele
não está expressa a suspeição de parcialidade pela condição de empregado de qualquer das partes. Entretanto, por analogia, deve-se considerá-la como existente para quem for designado perito. O novo CPC2 traz a hipótese de vínculo empregatício do perito com
qualquer das partes, ou mesmo de prestação de serviços, como condição de impedimento, conforme inciso VII do Artigo 144.
É interessante registrar, também, que o CPC1 relaciona como razão de suspeição
apenas a amizade íntima ou a inimizade capital. Essa restrição, porém, não poderá ser considerada se o perito, em razão de amizade ou inimizade, mesmo que não íntima ou não capital, perceber que não tenha condições de exercer seu ofício com a neutralidade exigida. Nesse caso, à semelhança de faculdade concedida aos magistrados no parágrafo único do mencionado Artigo 135 do atual CPC,1 poderá se declarar “suspeito
por motivo íntimo”.[NT8] Já o novo CPC,2 em seu Artigo 145, ampliou a hipótese de
suspeição ao omitir o termo “inimizade capital”, mantendo tão somente a expressão “inimizade”, inclusive estendendo-a ao advogado de qualquer das partes.
Das razões de suspeição mencionadas, a mais corriqueira, principalmente nos centros pequenos ou entre profissionais muito reconhecidos na área forense, diz respeito ao aconselhamento prévio de uma das partes. Em certas causas, os advogados, ou a própria parte, percebendo que o desfecho da lide dependerá da prova pericial que construírem, algumas vezes consultam profissionais antes do ingresso da petição inicial para melhor aquilatarem suas possibilidades e os limites do que poderiam dizer ou requerer. Essa orientação prévia é totalmente válida e moral, mas inviabiliza em definitivo que o profissional seja perito nesse processo. Se vier, então, a ser nomeado pelo juiz, deverá mencionar esse fato e se declarar suspeito. Estará liberado, porém, para intervir como assistente técnico da parte que o consultara.