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HONORÁRIOS PERICIAIS

No documento Psiquiatria Forense de Taborda (páginas 99-103)

A contraprestação monetária paga a um profissional pelos serviços que vier a realizar se constitui em uma das bases da atividade liberal. É parte integrante e indissolúvel desta e, portanto, questão da mais alta relevância. Recomenda-se, pois, que – à semelhança da atividade clínica de caráter não urgente – toda atividade pericial se inicie pela fixação dos honorários. Dessa forma, evitam-se constrangedoras discussões posteriores sobre o valor cobrado e, quiçá, futuras lides em torno do assunto.

A fixação de honorários é problema que só não ocorrerá quando estiverem atuando no processo peritos oficiais, ou seja, psiquiatras servidores públicos cuja atribuição precípua de seus cargos seja a de realizar procedimentos periciais. Poderão estar vinculados diretamente ao poder judiciário ou ao poder executivo, tanto na órbita da segurança pública quanto na da administração penitenciária, ou mesmo ao poder legislativo. Não estão inclusos nesse conceito os psiquiatras servidores públicos cuja função seja a de prestação de atendimento à saúde (em geral funcionários de secretarias da saúde ou órgãos similares).

Assim, ao ser designado perito, após estudo prévio dos autos do processo para estar ciente da matéria em discussão, de sua relevância patrimonial e/ou moral, da complexidade da perícia, do tempo e esforço que demandará, e tendo constatado não haver impedimentos, suspeições ou “motivos legítimos” que o impeçam de aceitar o encargo, o psiquiatra deverá encaminhar petição ao magistrado na qual dirá, em síntese, que aceita o encargo e o valor de seus honorários. O novo CPC2 estabelece que no

prazo de cinco dias o perito nomeado deverá apresentar a proposta de honorários, currículo, com comprovação de especialização, bem como contatos profissionais, especialmente o endereço eletrônico para o qual serão enviadas as intimações.[NT17]

Deverá alertar que neles não estão inclusos os valores de exames complementares que se fizerem necessários, bem como solicitar seu prévio depósito e o levantamento de 50% da importância antes do início das atividades. Essa providência é interessante

pelas seguintes razões: antecipa a discussão sobre os honorários a serem fixados para um momento anterior ao da realização da perícia e garante o recebimento integral destes logo após a realização do trabalho. Contudo, há de se salientar que “[...] quando a perícia for inconclusiva ou deficiente, o juiz poderá reduzir a remuneração inicialmente arbitrada para o trabalho”, nos termos do que dispõe o Artigo 465, § 5°, do novo CPC.2 No ponto, de se repudiar a redução dos honorários para os casos de

resultado inconclusivo, porquanto nem sempre é possível estabelecer resultado absolutamente conclusivo nos termos que o magistrado assim o entender ou exigir, por maior que seja a especialização do perito e a dedicação despendida à perícia.

Para a estimativa dos honorários, recomenda-se a utilização da seguinte fórmula: H = x (n° de horas × valor da hora), em que x é função dos parâmetros antes apontados (dificuldade técnica da perícia e valor da causa, quer material, quer moral), bem como do currículo profissional do perito, devendo sempre ser superior a 1. Essa fórmula, entretanto, não deve ser aplicada de maneira rígida, nem necessita ser explicitada nos autos, pois serve apenas para que o psiquiatra tenha uma ideia sobre o valor correto de seus honorários. Estes devem ser apresentados apenas por seu valor total, para evitar discussões do tipo “foram estimadas 10 horas de trabalho, mas, na verdade, apenas 9 horas foram trabalhadas”. Em relação ao número de horas despendidas, deve-se nelas incluir o tempo gasto em visitas ao foro para retirada e entrega dos autos, leitura e estudo do processo, realização das diversas entrevistas, pesquisa da literatura e redação do relatório médico-legal. Deve-se prever, também, possível chamamento a juízo para comparecer a audiência, quando sem dúvida um turno de trabalho no consultório estará comprometido. Outro aspecto importante é que o valor da hora pericial não necessita estar relacionado ao preço da consulta do profissional, podendo, se assim for entendido, ser mais elevado. Frise-se: a atividade pericial é de natureza essencialmente liberal, tendo o psiquiatra ampla liberdade para estabelecer seus honorários. Se forem considerados elevados pelas partes ou pelo magistrado, que seja designado outro profissional que aceite trabalhar por valores inferiores.

Ocorre, infelizmente, que nem sempre as coisas acontecem de maneira tão simples. Há um elevado número de processos em que as partes são pobres e não têm condições de financiar essa despesa. Nesses casos, o Estado provê o acesso gratuito à Justiça, isentando-as de custas e colocando-lhes à disposição toda sua estrutura. Os emolumentos de cartório não serão pagos, e advogados públicos defenderão seus interesses.

Não é raro, também, que o advogado seja particular e que tenha feito uma espécie de contrato de risco: no fim do processo, se vencer, receberá seus honorários; se perder, terá gasto tempo e trabalho. Em tal situação, em jurisdições nas quais não existam peritos oficiais para intervir nas causas de assistência judiciária gratuita (AJG), o único figurante a trabalhar rigorosamente de graça e sem ter qualquer dever funcional para tal é o perito. Isso porque receber honorários simbólicos, às vezes equivalentes ao valor de uma consulta pela tabela da AMB, é sinônimo de trabalhar graciosamente. Existe também o agravante de que esse pagamento irrisório pode ser efetuado meses ou anos após a realização da perícia. Essa situação adquire contornos de calamidade nas pequenas cidades do interior, onde há pouquíssimos psiquiatras, ou apenas um, recaindo sempre sobre a mesma pessoa o encargo pericial. Como pode, então, o profissional se posicionar diante dessa nova versão de “trabalho escravo”?

A lei determina que “o perito tem o dever de cumprir o ofício” (Artigo 146 do CPC),1,[NT18] exceto se houver impedimentos, suspeições ou motivo legítimo para

escusa. Reside nesse artigo a exigência de que deve realizar a perícia que lhe foi atribuída. Contudo, obrigação de aceitar o encargo não corresponde à obrigação de trabalhar a preço vil, mesmo que em nome de uma causa nobre – a do amplo acesso da população à Justiça. Esse é um grave problema social que cabe ao Estado e a seus agentes resolver. O cidadão particular, por dever de consciência, poderá livremente colaborar com esse objetivo, mas jamais poderá ser compelido a prestar seu serviço por valores irrisórios ou que considere insuficientes.

Na busca de uma solução para esse problema, o mais razoável é que se elabore um acordo informal com o magistrado. Em geral, os juízes são pessoas bastante razoáveis e muito mais acessíveis do que a imaginação do leigo supõe. O contato franco, expondo as dificuldades para conciliar o desejo do psiquiatra de servir à Justiça com a realidade de que necessita trabalhar e receber remuneração condigna por seu tempo, poderá ser muito útil. Poderão ser estabelecidos, portanto, o número de processos de AJG que serão encaminhados pela unidade de tempo (um por semana, um por mês, etc.), a relação entre a quantidade desses processos e de privados a serem destinados ao perito, os honorários a serem fixados ou qualquer outro ponto que entenderem ser relevante. Será, também, uma forma de estabelecerem uma relação pessoal e de confiança mútua, essencial para o desempenho das atividades periciais.

Se não puder ou não quiser estabelecer contato pessoal com o magistrado, o perito designado deverá estimar seus honorários e solicitar seu prévio depósito. Se o juiz não quiser fixá-los previamente ou se fixá-los em valores que o profissional considere

1) 2) 3) 4)

insatisfatórios, ou se não determinar o prévio depósito (o que é comum ocorrer em casos de AJG), caberá ao perito designado declinar do encargo por motivo legítimo, eis que não pode trabalhar na incerteza de quanto virá a receber ou por valores que considere vis ou insuficientes.

A propósito da arguição de motivo legítimo, por insuficiência de honorários, para exonerar-se de perícia, veja-se que a remuneração pelo trabalho é um direito constitucional e, no caso do profissional liberal, é estabelecida tão somente por ele e pelas regras do mercado e da livre concorrência, desde que haja acerto antecipado com quem deverá pagar. Para fazer valer sua inconformidade e sua motivação para recusar- se a trabalhar por valores que não considere justos, o perito designado poderá se valer de medidas extremas, tais como mandado de segurança e, se necessário, recurso de mandado de segurança perante o Superior Tribunal de Justiça. A depender da forma como a questão for inicialmente formulada, essa discussão poderá terminar no Supremo Tribunal Federal.

A corroborar essa orientação, em 30/9/2010, o CFM, mediante o Parecer n° 34/10,1 2 pontificou que: “EMENTA: O ato pericial em medicina é privativo e exclusivo do

médico que, quando designado por autoridade judiciária, tem direito a ser remunerado quando, sem impedimentos, aceitar sua feitura”. E, mais adiante, no mesmo parecer:12

O parecer é, pois, no sentido de que, ao ser designado perito judicial em processo de assistência judiciária gratuita ou custeado pelas partes, o médico aceita o encargo desde que obedeça aos seguintes parâmetros:

A perícia médica é ato médico exclusivo.

O objeto da perícia esteja de acordo com sua capacitação técnica.

Não ser perito do seu próprio paciente ou se existirem outros impedimentos ou suspeições.

Que encaminhe ofício ao magistrado estabelecendo seus honorários periciais – que deverão levar em consideração o tempo despendido para o ato, a complexidade da matéria discutida e seu currículo profissional – e solicitando prévio depósito.

Caso as partes não desejem arcar com esse custo ou o magistrado estabeleça parâmetros diversos, entende-se que se fará presente o motivo legítimo para recusa do encargo pericial.

Por fim, pode ser alegado como motivo legítimo para exonerar-se de perícia o fato de já estar realizando outra(s) perícia(s) naquele momento. Essa possibilidade é

prevista por Amaral Santos,3 conforme já citado. De acordo com esse entendimento, se

o médico já estiver atuando em um processo, pode recusar a aceitação de novos casos enquanto perdura a perícia que realiza. Faz sentido a regra, uma vez que se trata de uma pessoa que, além de suas atribuições e responsabilidades habituais, está realizando uma atividade extraordinária em colaboração com o poder judiciário. Da mesma forma que na hipótese anterior, caberia mandado de segurança contra ato judicial cujo objetivo fosse impor a aceitação do encargo pericial e recurso de mandado de segurança se o tribunal mantivesse a decisão atacada.

No documento Psiquiatria Forense de Taborda (páginas 99-103)