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RELATÓRIO MÉDICO-LEGAL

No documento Psiquiatria Forense de Taborda (páginas 117-122)

O relatório médico-legal é o registro escrito e fiel de todos os elementos de interesse médico-legal observados pelo perito, acrescido de seus comentários, conclusões e respostas a quesitos, quando formulados. Denomina-se laudo quando for escrito pelo próprio especialista (distinguindo-se dos autos, que são ditados a escrivães). Poderá ser chamado, ainda, parecer, quando elaborado por assistente técnico.

Embora de certa forma corresponda ao registro do exame psiquiátrico próprio das avaliações clínicas padrão e mantenha alguma similaridade com esse tipo de documento, o laudo se reveste de importância muito maior, uma vez que é indissociável da avaliação em si: é por meio dele que a máxima pericial visum et repertum se concretiza. O Artigo 55 da Resolução CFM n° 2.056/20136 estabelece que “É

fundamental, nos procedimentos periciais, a observância do princípio visum et repertum (ver e registrar), de forma que o laudo pericial possa ser objeto de análise

– – – – – – – – – – – –

futura sempre que necessário”. Até a publicação das Resoluções CFM n° 2.056/20136 e

2.057/201311 não existia um modelo definitivo para a apresentação do laudo; cada

serviço e cada perito tinham sua própria forma de ordenar e relatar os dados observados. Com a publicação de tais resoluções, ficou definido o Roteiro básico do relatório pericial, sendo dever dos médicos peritos proceder de acordo com o preconizado nessas normas. É importante frisar, no entanto, que cada tipo de perícia exigirá tópicos específicos, os quais deverão ser incluídos no registro. O Artigo 56 da Resolução n° 2.056/2013, nesse sentido, afirma que:6

Os relatórios periciais (laudos) poderão variar em função da natureza e das peculiaridades da perícia (cível, criminal, administrativa, trabalhista ou previdenciária; transversal, retrospectiva ou prospectiva; direta ou indireta); entretanto, sempre que possível, deverá ser observado o roteiro normatizado na resolução.

O Artigo 59 da mesma resolução, por sua vez, pontua que:6

Excetuam-se dessa exigência os exames efetuados nos institutos médico-legais, de medicina do tráfego, aeroespacial, do trabalho, do esporte e previdenciária, por terem modelos próprios e oficiais relacionados no Manual de vistoria e fiscalização da medicina no Brasil.

O manual referido consta como anexo na Resolução CFM n° 2.056/2013.6

A seguir, são citados e comentados os pontos que devem constar no relatório pericial psiquiátrico (Quadro 4.1), conforme a Resolução n° 2.057/2013.11 Há de se

registrar que o roteiro pericial contido na referida resolução é específico para a área da psiquiatria e, em parte, difere do roteiro da Resolução n° 2.056/2013,6 elaborado para

as especialidades médicas em geral. Assim, aqui será descrito o roteiro com base na resolução específica da psiquiatria.

QUADRO 4.1 ESTRUTURA DO LAUDO PERICIAL

Preâmbulo

Individualização da perícia Circunstâncias do exame pericial Identificação do examinando

Síntese processual

Quesitos

(Elementos colhidos nos autos do processo) (História do crime segundo o examinando) História pessoal

História psiquiátrica prévia História médica

– – – – – – – – 1) 2) 3) 4) 5)

Exame do estado mental Exame físico

Exames e avaliações complementares

Discussão diagnóstica

Diagnóstico positivo Comentários médico-legais Conclusão

Resposta aos quesitos

Obs. 1: Os itens entre parênteses devem constar apenas das perícias de imputabilidade.

Obs. 2: Os itens em itálico são sugestões dos autores e não constam nas exigências do Roteiro Básico do Relatório Pericial das Resoluções CFM n° 2.056/2013 e 2.057/2013.

Fonte : Conselho Federal de Medicina.6,11

Preâmbulo – Autoapresentação do perito, na qual informa sobre sua qualificação profissional na matéria em discussão. Deve relacionar seus dados pessoais, principais títulos acadêmicos e experiência profissional. É extremamente importante porque, no contexto forense, o argumento de autoridade tem peso.

Individualização da perícia – Detalhes objetivos sobre o processo e as partes envolvidas (contém a indicação da comarca e juízo que determinou a perícia, número do processo e nomes das partes).

Circunstâncias do exame pericial – Descrição objetiva dos procedimentos realizados (entrevistados, número de entrevistas, tempo despendido, documentos examinados, exames complementares, etc.). Objetiva minuciar como foram obtidos os dados registrados. Além dos dados solicitados pelo CFM, sugere-se incluir: indicação do local onde as entrevistas ocorreram; indicação de visitas ou inspeções domiciliares realizadas; indicação das entrevistas realizadas em hospital ou cárcere; indicação da utilização de entrevistas estruturadas ou semiestruturadas, bem como de instrumentos objetivos de mensuração psíquica; descrição dos exames complementares solicitados e nome do profissional que os realizou; indicação de documentos pesquisados e examinados; discriminação dos atos realizados sob o escrutínio de assistente técnico das partes; e indicação dos atos que foram filmados ou gravados. A importância desse item consiste em transmitir uma ideia da natureza e da magnitude do trabalho realizado, afastando a suspeita de açodamento nas conclusões do laudo.

Identificação do examinando – Nome e qualificação completa da pessoa que foi alvo dos procedimentos periciais (nome completo, idade, data de nascimento, sexo, profissão, grau de instrução, estado civil, raça, religião, nacionalidade, naturalidade, filiação, endereço e local onde se encontra internado ou detido, se for o caso). (Em avaliações ambulatoriais ou realizadas no domicílio, é importante que se registre o número da cédula de identidade do sujeito.)

6) 7) 8) 9) 10) 11) 12) 13) 14)

História pessoal – Síntese da história de vida do examinando, com ênfase na sua relação com o objeto da perícia, se houver. Deve-se obter a história cronológica da situação atual e vida pregressa do examinando, além de dar atenção a seu padrão habitual de comportamento. Costuma abranger as seguintes etapas evolutivas: pré- natal e nascimento, infância, adolescência e idade adulta. Nesta, incluem-se as áreas familiar, social e profissional. A história sexual, a depender do tipo de perícia, poderá ser apreciada nesse tópico. Na medida do possível, deve-se enfocar esse item sob a perspectiva da questão pericial central. Em perícias cíveis, por exemplo, nas quais se busque anular ato jurídico praticado por alguém, é muito importante constatar a coerência biográfica do ato praticado.

História psiquiátrica prévia – Relato dos contatos psiquiátricos prévios, em especial tratamentos e hospitalizações.

História médica – Relato das doenças clínicas e cirúrgicas atuais e prévias, incluindo tratamentos e hospitalizações.

História familiar – Registro das doenças psiquiátricas e não psiquiátricas nos familiares próximos.

Exame do estado mental – Descrição das funções psíquicas do examinando. Extremamente relevante em perícias transversais, pois consiste na descrição do funcionamento mental no momento da entrevista. Engloba a análise de diversas funções psíquicas que devem ser observadas e que serão fundamentais para a realização de um diagnóstico sindrômico. Em perícias retrospectivas, na medida do possível se tentará inferir o estado mental do sujeito ao tempo dos fatos em discussão no processo.

Exame físico – Descrição da condição clínica geral do examinando, com ênfase para achados relevantes à conclusão pericial.

Exames e avaliações complementares – Descrição de achados laboratoriais, de resultados de exames funcionais ou de imagem e de testes neuropsicológicos aplicados.[NT19]

Diagnóstico positivo – Segundo a nosografia preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), oficialmente adotada pelo Brasil.

Comentários médico-legais – Esclarecimento sobre a relação entre a conclusão médica e as normas legais que disciplinam o assunto em debate. É o mais importante elemento do laudo. Momento no qual se relaciona o que foi constatado no examinando com a discussão que ocorre no processo, enquadrando a conclusão médica nas normas legais existentes. Se, por exemplo, a ação em causa for a

15)

16)

1)

2)

interdição de uma pessoa que apresente um quadro demencial avançado, o perito deverá se estender sobre a natureza da doença, seu caráter irreversível, as limitações que acarreta para a administração da própria vida e como isso se insere no conceito legal de enfermidade mental que afeta o necessário discernimento. Conclusão – Frase curta, objetiva e direta que sintetiza todo o pensamento do perito. No exemplo citado no item anterior: “Conclui-se que [nome do examinando] está total e definitivamente incapacitado para a prática dos atos da vida civil”. Ou, se a incapacidade for parcial, discriminar os atos para os quais o examinando estaria impedido. Eventuais recomendações, muito comuns, por exemplo, em perícias das varas da infância e juventude e das varas de família, também podem ser incluídas nesse item. Cita-se, como exemplo, tratamento psiquiátrico e/ou psicoterapia para as partes de processos de destituição de poder familiar ou de casos de alienação parental.

Resposta aos quesitos – Respostas claras, concisas e objetivas. Se for o caso, o perito poderá remeter o entendimento da resposta ao corpo do laudo. Inicialmente são respondidos os quesitos do juiz; a seguir, os do Ministério Público, do autor e do réu.

Sugere-se, ainda, apesar de não constar no roteiro básico do relatório pericial, incluir o item discussão diagnóstica, antes do item diagnóstico positivo. Sua elaboração se dá a partir do diagnóstico sindrômico e das principais hipóteses diagnósticas, apresentando o porquê do diagnóstico a ser formulado.

Ambas as resoluções CFM de 2013 aqui abordadas prescrevem que nas perícias de responsabilidade penal, muito comuns na prática forense, é imprescindível que mais dois itens sejam contemplados, e devem constar nas posições 6 e 7:6,11

Elementos colhidos nos autos do processo – Descrição do fato criminoso de acordo com o relato da vítima, testemunhas ou de outras peças processuais, bem como quaisquer outras informações de relevo constantes do processo.

História do crime segundo o examinando – Descrição do fato criminoso de acordo com o relato do examinando ao perito. Tópico que compreende os antecedentes remotos e próximos do crime, sua preparação e execução e os momentos posteriores a ele, todos de acordo com a perspectiva do autor do delito. É essencial para que se avaliem os elementos cognitivo e volitivo descritos no Artigo 26 do CP.

Nas outras perícias que não as de responsabilidade penal, sugere-se incluir o item síntese processual, não exigido no roteiro do CFM. Refere-se a um resumo objetivo da

discussão que está ocorrendo nos autos, sem qualquer juízo de valor. Serve para mostrar claramente o foco da avaliação realizada e a querela judicial que a perícia tentará esclarecer. Esse item pode ser posicionado após identificação do examinando.

Com relação aos pareceres dos assistentes técnicos, cabe ainda ressaltar que, conforme o Artigo 57 da Resolução CFM n° 2.056/2013,6

Os pareceres dos assistentes técnicos terão forma livre, podendo seguir o mesmo modelo adotado pelo perito ou limitar-se a enfatizar ou refutar pontos específicos de seu relatório.

Por fim, há de se ter garantidas as condições mínimas exigidas na Resolução n° 2.057/2013,11 como se lê no Artigo 60:

Os consultórios, ambulatórios, institutos previdenciários e médico-legais devem estar dotados das condições mínimas definidas no Manual de vistoria e fiscalização da medicina no Brasil, para que os exames periciais sejam realizados com a segurança necessária ao seu objetivo.

ENTREVISTA PSIQUIÁTRICA FORENSE

Apesar de, na forma, assemelhar-se à entrevista psiquiátrica padrão – pois consiste basicamente em um encontro entre um psiquiatra e uma pessoa que pode estar apresentando algum transtorno mental ou alteração comportamental que necessitem ser diagnosticados –, a entrevista psiquiátrica forense (EPF) distingue-se por apresentar

No documento Psiquiatria Forense de Taborda (páginas 117-122)