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6.2 GESTÃO DEMOCRÁTICA E COMUNIDADE EDUCATIVA: ENTRETECER

6.2.2 Famílias

O segundo membro que participa de uma gestão participativa, na visão das gestoras, é a família. A família é a primeira instituição formadora do sujeito. A esse respeito Almeida e Medeiros (2010, p. 01) colocam, com a ajuda de Orsi (2003):

Neste sentido, toma-se como fundamento da análise proposta a influência da família para a formação do sujeito enquanto “ser social”, por estabelecer e depender desta, suas primeiras relações humanas, afetivas e emocionais. Para tanto, é preciso delinear o conceito de família na história da sociedade segundo o modo de produção vigente em cada época, ao passo que afeta a “[...] estrutura dinâmica familiar que compõe o tecido social” (ORSI, 2003, p. 68).

Para que se concretize a participação dos pais nas instituições, é necessário que esta esteja pronta para abrigar as famílias, que demonstre a elas que a ação educativa deve, também, expressar os anseios e aspirações de toda comunidade envolvida. As ações coletivas e a gestão democrática devem ser o viés de toda a instituição. A Educação Infantil é a primeira instituição educativa fora do ambiente familiar; logo, é apontado na legislação, através do CNE/CEB nº 20/2009, sua função de cuidar e educar de modo indissociável e complementar à família, como já citei anteriormente.

Com relação a esta questão, a gestora Rita se expressa por meio da narrativa escrita, quando foram questionadas da atuação da família na creche.

As gestoras narram a participação dos pais na elaboração dos documentos

internos da instituição, mas não se observa, na construção do PPP, no regimento ou nas

normas, tal participação. Mas, qual realmente é o espaço destes pais, destas famílias no PPP, no regimento interno? Novamente, percebo uma participação em questões meramente burocráticas.

Figura 21 – Ilustração de uma das gestoras

Fonte: Acervo da autora, 2016.

Tenciono, aqui, a questão do Regimento interno, pois, em uma das instituições, os pais têm 12 regras básicas para serem seguidas, muito bem determinadas, nas quais, ao final,

existe a frase: “Recebi, li e estou ciente do regimento do CEI”, onde deverá, abaixo, constar a assinatura do responsável. Agora, veremos algumas das determinações deste documento:

 O aluno poderá ter no máximo 05 faltas consecutivas ou 10 alternadas sem justifica-las. Depois disso perde a vaga;

 A responsabilidade quanto a higiene das crianças é dos pais [...];

 Os funcionários do CEI não ministram medicações de forma alguma, nem mediante a receita [...];

 As crianças matriculadas no maternal II não devem estar mais usando fraldas ficando sob a responsabilidade da família a obrigação de retira-las antes deste período;

 Quando ocorrer qualquer problema com a criança e os pais precisarem ser avisados, o CEI entrará em contato através dos telefones disponibilizados. Se não for possível por falta de atendimento, desligado, etc., o conselho tutelar será acionado apara que sejam tomadas as devidas providencias [...];  É nossa responsabilidade zelar pela segurança e saúde dos seus filhos

enquanto estão no CEI. Mas, os pais e a família são os maiores responsáveis. O aluno é nosso. Mas o filho é seu.

Se os pais participam do PPP e do regimento interno das instituições, como será que eles participam? Só estão ali para seguir, como ouvintes, as normas da creche, porque não aparece claramente a participação dos pais. Será realmente que os pais aceitaram, discutiram, reformularam o regimento? Será que estes mesmos pais sabem o que a legislação diz?

Pois bem, se a legislação fala em cuidar e educar de modo indissociável e

complementar a família, então, por que a responsabilidade da higiene, da retirada da fralda do

prazo antes de chegar no maternal seria somente dos pais? Por que acionar o conselho tutelar pelo não atendimento do telefone quando for necessário? Por que perder a vaga pelas faltas? Por que frisar que os pais e a família são os maiores responsáveis, eximindo-se de qualquer cuidado mais expressivo?

Há a necessidade de pensar realmente uma nova relação com as famílias, considerar o que as famílias dizem e não somente chamar para as reuniões e impor regras. A participação dos pais na instituição implica em ouvir e expor a opinião própria; principalmente, trata-se da possibilidade de uma ação coletiva construída por todas as partes envolvidas no processo de educar e cuidar das crianças, ou seja, participar de cada etapa do processo educativo, resguardando as características dos sujeitos envolvidos.

Segundo Maistro (1997, p. 167, grifos da autora), algumas questões podemos levar em consideração atualmente, como:

existe pouca presença da família, mas também, pouca disposição da instituição ao diálogo; as famílias ‘veem quando são chamadas’, nas reuniões, não existe um espaço efetivo e cotidiano de inclusão no contexto da creche; pais reclamam de

reuniões cansativas e rotineiras; pouca cooperação para manutenção da creche, as famílias não colaboram com as melhorias, são omissas, apáticas e ausentes nas tomadas de decisão; pais relatam que é melhor o silêncio, não manifestam o que sentem e pensam para evitar o preconceito, descriminação e até mesmo a ameaça de seus filhos na instituição; alguns profissionais reconhecem uma exclusão das famílias, não explícita, com uma relação de poder vertical e autoritária das instituições.

Franzoni (2015, p. 146) alerta para as mesmas questões em recente pesquisa, e observa que, nos depoimentos das famílias há, também, muitos relatos sobre a ausência de participação dos pais.

Quando questionados sobre os diferentes momentos do cotidiano em que a instituição os convida a participarem, a grande maioria das respostas sinaliza que os pais são convidados a estar presente nas festas e nas reuniões de pais, mas nunca são convidados a participarem do planejamento das atividades do dia a dia, da elaboração da proposta pedagógica, do planejamento das festas e comemorações e nas atividades de rotina da turma de seu (sua) filho (a). E ainda assim, muitos pais destacam que em relação à presença nestes eventos, muitas vezes deixam de participar porque são atividades marcadas no horário de trabalho (FRANZONI, 2015, p.146)

Nos relatos trazidos por Franzoni (2015, p. 148, passim), percebe-se que tanto a creche quanto as famílias reclamam da relação existente. Isto é, a família relata “não são convidadas e reivindicam maior participação” e a creche relata “ausência dos pais: A gente manda bilhetes na agenda e os pais nem leem” Assim, a autora destaca que os familiares reivindicam uma participação mais ativa e não a mera participação do voto ou do “estar presente”. Reivindicam tomar parte das decisões (FRANZONI, 2015, 148)

Com estas questões levantadas neste estudo de caso, é necessário que repensemos nossos atos, é possível democratizar as relações e quebrar o isolamento. “Abrir a creche à comunidade, de modo que a presença e a participação efetiva das famílias no contexto da instituição de educação infantil possam efetivamente se concretizar” (MAISTRO, 1997, p. 177).

Assim Franzoni (2015, p. 153) também destaca “este é um longo caminho a ser trilhado e que exige o compromisso de efetivar uma participação verdadeiramente ativa em que os sujeitos tenham suas vozes ouvidas e seus pontos de vista respeitados e valorizados”. Este é um caminho...

Cabe registrar que a gestão das creches na cidade italiana de Reggio Emília foi construída com a participação dos pais, da própria comunidade e dos demais educadores das instituições, e é uma parceria muito produtiva, pois a educação da criança pequena é bastante desafiadora, para a qual tendem conhecimentos científicos e práticos, reflexões e teorias (BONDIOLI; MANTOVANI, 1998).

Maistro (1997, p. 167) também afirma que, “entre as creches e as famílias contracenam aproximações, distanciamentos e contradições, com clima de silêncio e um certo distanciamento...”. Isto é percebido no cotidiano. Existe a vontade de realmente participar das atividades da creche. As famílias demonstram, através de alguns momentos, o desejo de se envolver com relações do dia-a-dia da creche, pois isso reverte no bem-estar das crianças. A primeira narrativa que trago desta parceria positiva com as famílias é quando, em um dos CEI, os pais tiveram uma ideia que deu certo! A gestora narra, quando questionada sobre a participação da família na gestão democrática, a opinião da família com relação à festa junina. Segundo a gestora, a festa junina sempre foi interna, mas, para atender as famílias, a creche abriu a festa para os pais. E ela conta:

Foi muito bom, achamos que não ia dar certo, mesmo sendo dia de semana, quatro horas da tarde e lotou! Olha como tem bastante pais. (sobre a imagem) Todos orgulhosos, batendo fotos. Os pais hoje em dia estão muito mais participativos em tudo. A gente na verdade ia fazer a festa interna, como é sempre. Daí fizemos em uma quarta-feira, 16h, e encheu de pais! Às vezes, a gente deixa de fazer uma homenagem, porque é fora de hora e eles trabalham. E encheu! Olha, foi maravilhoso. Hoje em dia melhorou muito (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

Figura 22 – Quebra-cabeça sobre a gestão democrática.

Figura 23 – Foto da festa junina trazida pela gestora

Fonte: Acervo da autora, 2016.

Vê-se, neste momento, que a creche deu voz às famílias, estas foram ouvidas e foi alcançada uma parceria superpositiva!

Em outro momento, a gestora Rita narra a participação da família na creche:

Elas estão sempre na creche porque vão buscar as crianças. A comunidade trabalha muito com peixe, geralmente, trabalham em casa limpando peixe, descascando camarão, estas coisas. Então, sempre que a gente convoca para reuniões, prontamente elas estão lá. Vão buscar as crianças e sempre perguntam: como foi o dia hoje? Incomodou muito? Elas são participativas assim. E se a gente chama, vamos fazer um mutirão, algo assim, que não é de costume, eles ajudam. Por exemplo, a festa de final de ano, todo ano eu faço no barracão da igreja. As mães já sabem que a gente precisa carregar cadeiras, materiais, estas coisas para formatura. Então cedo elas já estão lá para ajudar, carregar.

A água, eu compro em um mercadinho, daí uns pais perguntam: Dona Rita, tem que pegar água hoje? A tem uma lá para pegar, daí já vão lá já pegam e trazem para creche. Então tem este tipo de ajuda, são participativos (narrativa da gestora Rita. Agosto, 2016).

Nesta narrativa, primeiro a gestora fala da convocação para as reuniões. Então, os pais participam, isto é, mais uma vez os pais são chamados para se pedir ou falar alguma coisa preestabelecida pela instituição. Mas, uma ajuda positiva surge aí: os pais auxiliam na organização do evento de final de ano e também colaboram, por exemplo, pegando a água em um mercadinho próximo, já que a instituição se localiza na parte superior de um morro da comunidade, de difícil acesso.

Diante do exposto, percebe-se, que em questões burocráticasas famílias ainda participam de forma marginal, isto é, à margem do sistema organizado nas instituições, ainda participam quando chamados e precisam seguir as regras determinadas. E apesar deste distanciamento, no cotidiano, as famílias tentam participar auxiliando da maneira que podem, com coisas simples, cotidianas, mas que melhoram o dia-a-dia das crianças e da comunidade.