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CORRE DE QUESTÕES ADMINISTRATIVAS E ORGANIZAÇÃO DE FESTAS

COMEMORATIVAS

O que envolve uma prática de gestão na Educação Infantil? O que implica ser gestora na Educação Infantil? Em que momentos do cotidiano as gestoras se reconhecem enquanto gestoras? Em busca de conhecer mais sobre essas questões, procuro enlaçar os fios da ação prática presente nas narrativas das gestoras e da reflexão teórica.

Para conhecer sobre as práticas de gestão, solicitei que as gestoras trouxessem imagens significativas de suas práticas. Por que estas imagens? Qual o motivo da escolha? Para Benjamin (1994), a narrativa remete à experiência vivida e não pede explicações, suscitando, em seu receptor, diferentes conteúdos, sensibilizando e produzindo significações daquilo que foi compartilhado. Nessa perspectiva, na escolha das imagens mais significativas, as gestoras narram sobre suas práticas, explicitando concepções sobre gestão na Educação Infantil. Tal como podemos observar na página seguinte.

Figura 15 – Foto trazida pela gestora

A gestora Rita apresenta a Formatura da pré- escola, o Natal e a atividade do dia do desafio como partes significativas do trabalho de gestão na Educação Infantil e narra:

Eu cheguei na creche bem no final do ano, natal, formatura, faltava um mês e não tinha nada encaminhado. Vou ter que dar um jeito, fazer alguma coisa! Junto com as professoras fizemos a beca, liguei para um, para outro... Preciso de doação de brinquedos e de um Papai Noel. Fiquei muito nervosa no dia, sabe, não tinha essa experiência. Mas quando eu vi eles entrando, com aquela beca, fazendo juramento, foi tão gratificante, vendo o brilho nos olhinhos deles... [...]

Então, teve presente, teve coquetel, arrumamos tudo, fizemos uma festa que geralmente eles não têm. Preparamos aquela festa... e na hora que o Papai Noel chegou, meu Deus! A gente sabe que é tão pouco, mas para eles assim, eles ganhando aquela bonequinha, aquela lembrancinha, eu fiquei olhando e daí eu decidi... Então é isso que eu quero para mim (narrativa da gestora Rita. Agosto, 2016).

Figura 16 – Foto trazida pela gestora

No dia do desafio, o SESC manda um ofício para creche, pedem para todos participarem do dia do desafio. Daí fui nas salas, expliquei para eles o que era o dia do desafio, e que era importante fazer exercícios, que faz bem para a saúde e tal. Fomos para o pátio fazer uns exercícios, fizemos alongamento, depois uma caminhada (narrativa da gestora Rita. Agosto, 2016).

Figura 17 – Foto trazida pela gestora

A gestora Lia trouxe fotografias da festa junina e também da semana da

criança, quando ocorreu uma atividade de contação de história. Sobre essa contação ela narra:

Figura 18 – Foto trazida pela gestora

Sempre as crianças que apresentam alguma coisa, ano passado mudamos, nós que fizemos a apresentação para eles, as professoras e os profissionais da creche. E ainda completa: - A gente ataca de decoradora e fizemos de tudo, geralmente, decidimos as coisas em cima da hora... Daí já viu, a gente se mata a trabalhar (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

Fonte: Acervo da autora, 2016.

Figura 19 – Foto trazida pela gestora

Fonte: Acervo da autora, 2016.

Outra imagem, também trazida pela gestora, refere-se a um projeto desenvolvido por uma professora com a turma da pré-escola: O projeto Sr. Alfabeto, sobre o qual ela narra:

- O Sr. Alfabeto eles levavam toda semana para casa com uma letrinha, então eles tinham que trazer algum objeto com aquela letrinha. Lembro muito do H, tivemos que ajudar a achar um helicóptero. Porque se a criança não traz, todos correm atrás para trazer... Ele ia para casa, os pais participavam, envolvia a família, porque eles tinham que levar a maleta do Sr. Alfabeto e o Sr. Alfabeto. Daí tinha criança que levava para dormir, para tomar banho, colocavam na mesa para comer, porque tinha que cuidar aquele final de semana do Sr. Alfabeto. E a foto é a festa final do aniversário do Sr. Alfabeto e a contação da história. Então para cada letrinha tinha um presente, e todo mundo ganhou o Sr. Alfabetinho, as professoras costuraram, bordaram e todos ganharam.... Foi muito bom (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

Figura 20 – Foto trazida pela gestora

A gestora explica que as fotos que ela separou são mais da semana da criança:

Porque a gente trabalha tanto, corre tanto, se dedica tanto, tem que arrumar tanta parceria para aquela festa dar certo. E o meu CEI tudo é muito, tudo tem que ser muito. Época que dá muito trabalho, mas é gratificante! (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

Fonte: Acervo da autora, 2016.

Bem, a partir do entrelaçamento entre as narrativas, as transcrições e as imagens, pude observar a associação do trabalho do gestor às datas comemorativas, festivas e

consideradas especiais na instituição. As gestoras trouxeram momentos como a formatura,

dia das crianças, natal, dia do desafio, da semana da criança, festa junina, como momentos constituidores, marcantes da gestão na Educação Infantil. O cotidiano, as relações educativas entre os sujeitos não são narrados pelas gestoras como significativos na gestão. Por quê?

Para Benjamin (1986, p. 206), “no dia-a-dia vivenciamos diversos acontecimentos, muitas vezes, de forma automática”. Nas instituições de Educação Infantil, este automatismo não é diferente. A rotina previamente organizada, linear e rígida não permite tempo para parar, olhar e ouvir mais atentamente para que, assim, este cotidiano nos sensibilize e, nos toque de alguma forma. Tal como aponta Pandini-Simiano (2015, p. 23, grifos da autora), “neste cotidiano acelerado, cronometrado pela lógica temporal do relógio, poucas situações realmente nos passam, nos tocam, nos marcam sensivelmente ou nos possibilitam viver experiências”.

É justamente na relação diária que encontramos os elementos mais importantes da gestão, pois é o cotidiano que permite “encontrar o extraordinário naquilo que é ordinário, cuidando dos detalhes, das pequenas coisas que propiciam o prazer de estar juntos” (GIOVANINNI, 2010, p. 117). Em outras palavras, é no dia-a-dia que crianças e adultos aprendem, criam laços de coletividade.

Pandini-Simiano (2015, p.110), em sua tese, conta sobre a importância dos registros do cotidiano, e não apenas de registros dos grandes acontecimentos e eventos incomuns. Nas palavras da autora, “trata-se de valorar a riqueza de significados de práticas cotidianas. Celebrar os acontecimentos do dia-a-dia”. Não desvalorizando as imagens trazidas pelas gestoras, entendo que, no momento, estas imagens tiveram significado e valor para a concepção de gestão de cada uma. Mas aqui, trago à tona o que faz sentido e que “tem peso” nas práticas da Educação Infantil.

Barbosa (2000 p. 43) adverte sobre o cotidiano nas creches e pré-escolas:

[...] é preciso aprender a comer com talheres, a escovar os dentes, a definir e compartilhar brinquedos. Entre outras aprendizagens. Nas sociedades ocidentais contemporâneas tal socialização é executada, prioritariamente, pelas famílias, pelas creches, pelas pré-escolas e por outros que servem como construtores dos sujeitos e da cultura.

Considerando que a função da Educação Infantil é educar e cuidar de modo indissociável e complementar à família, seria relevante o gestor da Educação Infantil valorizar a vida cotidiana como parte constituinte e fundamental de seu trabalho na gestão de instituições educativas. É no dia a dia, através de hábitos coletivos, que nossas crianças aprendem a viver. Critelli (1996, p. 86) lembra que o cotidiano é “tão-somente (...) o modo (único e possível) de o homem viver a vida e realizar as suas atividades”.

A valorização do cotidiano e sua compreensão como elemento principal de uma gestão na Educação Infantil não deveriam se enraizar em concepções de educação que estão atentas apenas às normas, às transmissões e às datas comemorativas. Pensar o cotidiano da Educação Infantil de maneira pertinente deveria se levar em consideração a dinâmica do cotidiano, a desaceleração, o tempo limitado e a padronização. Nesse sentido, afirma Barbosa (2000, p. 216):

A aceleração provoca a falta de sentido naquilo que se realiza cotidianamente na vida, na creche, pois, paradoxalmente, oferece uma sensação de muitas tarefas realizadas, mas de fracasso no sentido da realização – pessoal e profissional –, e uma derrota no sentido de educação das crianças – a vida basta com produção e consumo.

É preciso estarmos atentos que a valorização de datas comemorativas, como Natal, festa junina, formaturas entre outras, está intimamente relacionada à questão da produção e do consumo. Ao supervalorizarmos tais eventos, podemos estar incentivando o comércio e o consumismo entre os sujeitos que fazem parte das instituições de Educação Infantil.

Outra questão bastante relevante observada nas narrativas das gestoras é a associação à gestão a um cotidiano burocratizado, isto é, o tempo dispendido nas reuniões

na Secretaria de Educação, na prefeitura. Em dois encontros para oficinas, elas relataram estar vindo direto da reunião na prefeitura e que nem tiveram tempo de chegar no CEI. O correr

atrás de materiais didáticos, materiais de expediente, das verbas, das doações para que a

instituição possa se manter é parte do cotidiano. E o que fazer quando a parte burocrática impede de as instituições se manter?

Na gestão de instituições de Educação Infantil, dentre as suas responsabilidades inserem-se ações de ordem organizacional que fazem parte do papel burocrático que exercem. O gestor precisa cumprir as ações legais e questões administrativas que vão além do domínio dos procedimentos organizacionais e cadastrais de pessoal, também a gestão patrimonial e a manutenção das instalações escolares. Todas essas atribuições conferidas ao gestor escolar têm por objetivo garantir condições para que o trabalho pedagógico aconteça com êxito no interior das creches e pré-escolas.

Para Palmén (2014 p. 174), a separação entre o burocrático e o pedagógico na gestão se legitima ancorada em legislações locais, dado que os municípios devem elaborar os Planos de Carreira, Cargo e Remuneração para os Profissionais do Magistério Municipal, conforme determina a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9394/96 (BRASIL, 1996), e possuindo autonomia nessa ação. Ela ainda afirma que

[...] a ênfase dada ora ao burocrático ora ao pedagógico, conforme a posição ocupada pelos gestores deve fazer parte de uma reflexão coletiva do grupo de trabalho que constitui as unidades de Educação Infantil, de forma a romper com as contradições presentes nessa forma de conceber e promover a organização da unidade escolar, entendendo o trabalho realizado em seu interior de forma integrada, como um processo indissociável assim como o educar e o cuidar são compreendidos na Educação Infantil (CERISARA, 1999; FARIA, 2000; OLIVEIRA, 2002, apud PALMÉN, 2014, p. 174).

Saliento com todas estas vozes que existe a necessidade de que o gestor da Educação Infantil tenha uma formação, que “compreenda as crianças em suas múltiplas linguagens e como portadoras de saberes, bem como o eixo de trabalho da Educação Infantil, ou seja, as interações e a brincadeira” (BRASIL, 2009). Desta forma, articulando os conhecimentos que são inerentes à gestão em termos burocráticos administrativos, com os conhecimentos pedagógicos que compõem as especificidades da Educação Infantil (PALMÉN, 2014).

O que vemos ainda nas práticas das instituições de Educação Infantil são os gestores dessas instituições dando ainda muito valor às questões burocráticas, e as questões pedagógicas acabam ficando secundarizadas.

Tal fato pode ser percebido quando a gestora Lia fala sobre o material apostilado

como um instrumento pedagógico potente, que soluciona as questões pedagógicas:

Hoje em dia nós temos um material muito bom da Positivo para eles trabalharem. Antes a gente não tinha nada, por que para o fundamental vem muitos materiais e livros do MEC e para Educação Infantil nunca vinha nada. Tinha os projetos, contos que a gente trabalhava, mas esse material é muito bom, é por faixa etária até a pré-escola, só o berçário 01 que não tem, claro (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

Aqui fica evidente que a gestora acredita ser de extrema importância o material apostilado. Sabemos que este material é, atualmente, fonte de grandes polêmicas entre estudiosos e educadores da área. É sabido, também, que até os 5 anos, a orientação do Ministério da Educação (MEC) é para que se opte por brincadeiras, retardando a entrada da criança em um ensino sistematizado que antecipe a escolarização.

Embora não seja intenção deste trabalho discorrer sobre este tema polêmico, gostaria de deixar claro que acredito que o material apostilado não contempla as especificidades das crianças, burocratiza as relações pedagógicas, inviabiliza as relações entre as crianças e as professoras, limita, segrega, não sendo um recurso adequado para trabalhar com as crianças.

Segundo Adrião (2011), pesquisadora da UNICAMP, em seu relatório técnico, fala do crescimento da adoção do material apostilado na Educação Infantil, e conta que, nas escolas privadas, já acontece há alguns anos, e que nas redes públicas estão sendo incluídas mais recentemente. Ela avisa que este tipo de material deixa as aulas padronizadas, seus temas e suas atividades pedagógicas também. Fica aqui um alerta para pensarmos pois, justamente na fase em que a criança precisa de brincadeiras e atividades lúdicas, o trabalho a partir de um material apostilado, limitado às atividades propostas, restringe a criatividade e a possibilidade de experiência dos pequenos. Nas palavras de Moura ([s.d.], p. 02),

As propostas das apostilas não têm nada a ver com o que a criança precisa saber nesta fase: As apostilas limitam o espaço e as possibilidades de pensamento das crianças quando o que elas mais precisam é explorar, experimentar, perceber, comparar, analisar, associar, organizar – habilidades essenciais para toda sua vida. É como se as apostilas quisessem começar a construir a casa pelo telhado, ao invés de pelo alicerce. É óbvio que não dá certo e a casa cai. As crianças vão aprender muito mais se explorarem espaços, brinquedos, jogos, histórias e brincadeiras com colegas.

Isto vem ao encontro com o que Edwards (2015, p. 160) sugeriu: “o livro didático não atua no sentido de priorizar na prática pedagógica com as crianças momentos de elaboração de hipóteses e resolução de problemas que surjam do contexto”. Ao contrário, o livro didático constitui simplificador de aprendizagem das crianças e, assim, o professor

também acaba por construir uma aprendizagem facilitada ao invés de torná-la complexa e reflexiva. A criança somente recebe as informações, sem ampliar suas potencialidades e as significações no seu cotidiano. Como trazem Boito, Barbosa e Gobatto (2016, p. 10),

[...] o livro vai limitando os diálogos, os encontros entre as crianças, entre as crianças e o mundo, as crianças e o professor, apagando a imaginação e a criatividade, enfraquecendo a curiosidade, a capacidade de fazer perguntas, de construir hipóteses. Silencia a autoria, das crianças e do professor. Vai colocando em segundo plano o brincar, o jogo simbólico, as linguagens, a arte como dimensão humana, as práticas cotidianas. Afasta da escola as culturas das crianças, a ludicidade, as infâncias.

Assim, deve-se também atentar que os livros didáticos acabam por antecipar a escolarização. Boito, Barbosa e Gobatto (2016, p 14) ainda relatam: “quanto ao professor, é direcionado a priorizar os conteúdos, a “dar aulas”, distanciando-o da especificidade da docência com as crianças pequenas”.

Quando se usa este material, “a pedagogia construída não é a da escuta das crianças em que nas relações entre crianças e adultos se constroem os projetos” (RINALDI, 2012, p. 155), mas aquela em que os sujeitos envolvidos não são tidos como relevantes no processo educativo.

Embora Boito, Barbosa e Gobatto (2016) façam referência à utilização do material didático no uso docente, tenciono a reflexão para pensar o olhar da gestão na Educação Infantil. Na visão das gestoras, parece que o livro didático ou o material apostilado garantem a aprendizagem, sendo a solução para diversos problemas pedagógicos. No entanto, é sabido que estes mesmos livros didáticos não enriquecem em nada, principalmente, na Educação Infantil. Neste sentido, é fundamental que os gestores incentivem os professores a repensarem a utilização deste tipo material, que limita a imaginação, a criação, e ainda inviabiliza as relações entre professores e crianças.

6.2 GESTÃO DEMOCRÁTICA E COMUNIDADE EDUCATIVA: ENTRETECER