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6.2 GESTÃO DEMOCRÁTICA E COMUNIDADE EDUCATIVA: ENTRETECER

6.2.1 Professoras

Nas narrativas das gestoras aparece a participação das professoras na elaboração do regime interno, nas regras, normas e no PPP. A gestora Lia narra:

Então sentamos com todas elas (professoras), separado por salas, berçário, maternal, prés. As regras e as normas foram deixadas em aberto para elas opinarem. Mudaram, retiraram algumas coisas e deixamos da melhor forma para que haja harmonia, porque precisamos de regras. Nós temos uma rotina e precisamos, as crianças também precisam disso. E ficou muito bom, porque como elas participam, dão opinião, elas não questionam nenhuma regra, porque elas conhecem todas (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

Um dos PPP traz, em seu texto:

O grupo de professores do Centro, em sua maioria, trabalha em harmonia com a Equipe Administrativa e Pedagógica. São incentivadoras de práticas de ensino inovadoras, são abertas às novas perspectivas desde que tragam benefícios às crianças. Participam e realizam os eventos do CEI e dão sugestões de melhorias. (CEI, 2016, p. 10).

As gestoras deixam claro que todos participam da elaboração do PPP e do Regimento interno da instituição. De que maneira será que eles participam realmente? Será que somente ouvindo as determinações já impostas pelas gestoras? O professor bom e ideal é

aquele que cumpre as regras, as tarefas, as determinações dos superiores, que usa as apostilas, que não se desvia?

Na realidade, não era intenção desta pesquisa trazer o PPP das instituições, ele somente foi solicitado no momento que eu queria conhecer um pouco mais sobre o histórico das creches. As concepções trazidas nos PPP, muitas vezes, não condizem com as realidades narradas.

No Regimento interno para funcionários de um dos CEI, a regra (assim nomeada pela gestora) 06 é: Não será permitida a permanência dos professores nos corredores e ou portas das salas durante a hora do soninho22 (CEI, [s.d., s.p.]). Será que realmente este regimento foi elaborado pelos professores e funcionários, ou será que foi somente determinado? Algumas dúvidas surgem sobre a elaboração real deste regimento.

Ferreira (2003, p. 35, grifos do autor) elenca, segundo sua perspectiva, o papel do professor comprometido com a ação educativa:

Ser professor significa tomar decisões pessoais e individuais constantes, porém sempre reguladas por normas coletivas, as quais são elaboradas por outros profissionais ou regulamentos institucionais. E, embora se exija dos professores uma capacidade criativa e de tomada de decisões, boa parte dessa energia acaba por ser direcionada na busca de solução de problemas de adequação com as normas estabelecidas exteriormente. Prepara-se para uma escola ideal, mas muito longe do “mundo real”' onde quase nunca as condições mais básicas para a ação educativa estão presentes.

Estabelecendo uma relação entre as regras da instituição e a citação acima, percebo o professor como alguém potente, que tem voz, que toma decisões, que é criativo, eficiente e que, desta forma, também pode participar de questões administrativas da instituição. No entanto, tencionando todas as potencialidades deste professor, ele ainda necessita cumprir com todas as regras pré-determinadas. Queremos uma instituição ideal e continuamos ligados à burocratização do sistema.

As questões administrativas também chamam atenção: as gestoras afirmam que nem sempre podem ser boazinhas, pois são tachadas de bobas. Uma delas conta:

Tem professor que acha que sou boba, mas sou assim. Uns querem se aproveitar, mas se é para brigar eu brigo também (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

A gestora citou isto com relação ao cumprimento do livro ponto, das faltas, das justificativas e atestados. Um dos problemas narrados é o cumprimento da hora atividade:

Coloco as faltas da hora atividade sim, não é justo todas virem e fazerem certinho sua hora atividade e tem lá aquela folgada que fica em casa. Não é justo com quem faz. Já estão ganhando para isso, trabalham 5 horas e meia, antes trabalhavam 8 horas e mais as 2 de hora atividade, ficavam as 10 horas. Tem professora que não vem nunca fazer hora atividade, e quando que ela planeja com as colegas? Infelizmente vai tudo para o relatório. E vem o desconto, mas se para elas não faz diferença. Só que é errado isso é, nunca estão para planejar (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

A gestora também menciona o momento das reuniões, pois sempre tem alguém com desculpas para faltá-las. A gestora narra que não tem nem coragem de cobrar dos pais as faltas nas reuniões, pois têm muitos professores que também faltam. Neste sentido, a gestora pontua que, administrativamente, ela tem que mandar estas faltas, para ser, de certa forma, “justa com quem participa” (narrativa da gestora Lia. Agosto 2016).

Pensando no sentido de impor certas formas e regras de gerir uma instituição, trago Lima (1992, pp. 122-123), que destaca, ainda:

Há um consenso em que decisões impostas de cima para baixo têm, em geral, resultados negativos, quando não catastróficos. Os professores resistem de várias formas e por diferentes razões, às interferências em seu cotidiano em sala de aula. Transformações necessárias, reconhecidas como tal tanto pelo professor como pelo diretor, só podem ocorrer através de um trabalho preliminar de discussão, que deve envolver o maior número possível de profissionais de Educação da Unidade.

Palmén (2014 p. 238), sobre este assunto, afirma que a resistência dos professores “pode indicar uma recusa em aceitar uma postura impositiva, ou em aceitar a forma como a negociação foi mediada, revelando posturas e pontos de vista que são inerentes ao lugar profissional ocupado por cada um dos atores envolvidos revelando suas percepções, concepções e objetivos”. A gestão das instituições configura-se como um ato político e, dessa forma, como pontua Dourado (2006), demanda sempre uma posição política que indica

interesses, princípios e compromissos, permeando as práticas na instituição, “desde uma

simples ação envolvendo a manutenção e sua limpeza, até aquelas envolvendo as relações interpessoais e as intervenções pedagógicas” (PALMÉN, 2014, p. 238).

Vieira (2007, p. 59) confirma que

[...] gestão se faz em interação com o outro. Por isso mesmo, o trabalho de qualquer gestor ou gestora implica sempre em conversar e dialogar muito. Do contrário, as melhores ideias também se inviabilizam. Embora o diálogo seja um instrumento fundamental na obtenção dos consensos necessários à construção das condições políticas, há outros ingredientes que alimentam este processo. A negociação é outro componente importante desse processo, porque gestão é arena de interesses contraditórios e conflituosos. Nesse sentido, o gestor que não é um líder em sua área de atuação poderá se deparar com dificuldades adicionais.

Por isso, há necessidade de diálogo, de orientação, de acompanhamento, de negociação. Sendo assim, é de grande importância as interações interpessoais na instituição, cabendo ao gestor integrar a equipe coletivamente, realmente vivendo o Projeto Político Pedagógico, criando as condições para sua consolidação.

Os professores e gestores precisam mudar a concepção de que os educadores somente são responsáveis pelas atividades dentro das salas de aula. A função docente vai muito além, passa a incluir a função educativa de forma plena, aspectos pedagógicos, organizacionais e, principalmente, de ordem social e política, incorporando a gestão também.

Para Habermas (apud GUTIERREZ; CATANI, 1998, p. 89), “participar significa que todos podem contribuir, com igualdade de oportunidades, nos processos de formação discursiva da vontade”, ou seja, “participar consiste em construir comunicativamente o consenso enquanto a um plano coletivo”. Para isso torna-se necessária a construção de espaços de participação dos professores, não só em reuniões e elaboração dos projetos, mas em conselhos escolares, municipais, fóruns, etc.

Neste sentido há, na instituição, uma nova forma de aprender, pois participar da gestão, tanto para o professor quanto para a comunidade, significa tomar consciência política no sentido de opinar, fiscalizar e cumprir decisões. Significa, também, mudar algumas visões de gestão, passando a não esperar decisões prontas a serem seguidas. É indispensável, por parte da gestão, uma coerência entre o discurso e a prática nas relações interpessoais, e a competência no desenvolvimento das práticas realmente participativas.

Através das narrativas, percebo como é complexa a relação dentro das instituições, pois, mesmo que as gestoras afirmem que todos participam, que a relação é boa, existem entraves e problemas de relacionamento. Existe a falta efetiva de participação coletiva, de uma gestão realmente democrática.