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6.2 GESTÃO DEMOCRÁTICA E COMUNIDADE EDUCATIVA: ENTRETECER

6.2.3 Profissionais

Agora lanço um olhar para os profissionais, funcionários das instituições que, segundo a narrativa das gestoras participantes das oficinas, por ordem hierárquica, foram os terceiros listados na participação de uma gestão democrática. Opto pelo termo profissionais para incluir todos que trabalham direta ou indiretamente com as crianças, sendo estes: serviços gerais, merendeiras, supervisoras, secretária escolar, especialistas educacionais, professores readaptados.

Nas narrativas das gestoras, ora elas tratam os colegas de trabalho como profissionais e ora como funcionários. No trabalho, optei por chamá-los de profissionais, porque acredito ser um termo mais abrangente para tratar de todos os envolvidos nas creches, pois, pesquisando a questão etimológica da palavra, profissional deriva do latim professione-

+-al., “que significa pertencente ou respeitante à profissão, que desempenha o seu trabalho de

modo sério, rigoroso, competente” (CIBERDÚVIDAS, [s.d.] p. 01). Voltadas ao trabalho da creche, as gestoras sempre afirmam que não fazem distinção e que todos são iguais em sua gestão. Ao montar suas reuniões, a gestora Lia conta que

Peço opinião nas pautas, na organização em geral e nos horários e, porque eu tenho secretaria, supervisora, uma professora readaptada, especialista, os serviços gerais e cada uma pensa diferente. Então precisamos de uma organização, para orientações gerais. Por exemplo, como horários das turmas, das refeições... (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

Sobre a participação e união de todos, a gestora cita a semana das crianças do ano passado:

Nós fizemos uma apresentação de professores e todos os funcionários. Nós sempre fazemos as crianças apresentando e nós fizemos ao contrário, nós apresentando para eles. O nome da apresentação era: O rato, meu querido rato. E até hoje eles cantam a música do Rato, meu querido rato, que nós apresentamos. Foi uma diversão tanto para nós, porque foram as professoras, gestão, serviços gerais, pessoal da cozinha todas unidas para os ensaios (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

Ela relata que, algumas vezes, as meninas dos serviços gerais e da cozinha não querem participar dos eventos, das reuniões, e ela sempre relembra que elas são uma equipe e, principalmente, que a instituição não funciona sem o trabalho delas. Narra a gestora da maior instituição:

Porque não posso abrir a creche sem ter quem limpe e faça a comida! Elas ficam, ás vezes, inibidas... Ah, nós não somos professoras!

E eu digo, gente somos todos iguais, somos uma equipe. É mais fácil vocês funcionarem sem mim, do que eu sem vocês. Porque sem mim, alguém vai lá e faz uma coisa ou outra. Agora eu, sem vocês, não vou conseguir dar conta de limpar tudo e fazer os lanches. Vocês são muito importantes também (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

As gestoras demonstram que não fazem distinção em datas comemorativas, quando é feita alguma lembrancinha, todos ganham, como dia das mães, dia do servidor público, amigo oculto, natal. Este ano, estão organizando um passeio no final do ano, e a gestora já está vendo que alguns profissionais estão arredios e não querem ir. A gestora conta:

Já falei, é para ir todos! Vamos todos juntos, somos uma equipe! Já avisei vocês, nas reuniões, para marchar, são todos, e porque que vão ficar de fora no passeio? Não, vamos todos! (narrativa da gestora Lia. Agosto, 2016).

Vemos, nas narrativas das gestoras, o tecer de um conceito muito comum em nossas instituições, que é, de alguma forma, a discriminação dos profissionais da limpeza e das merendeiras. Historicamente, isto é comum, e mesmo quando há um gestor que as trate como deveriam ser sempre tratadas, elas não se sentem parte do todo, não se sentem como educadoras também.

Este é mais um motivo para pensarmos como é a participação real destes profissionais. Eles têm voz ou são ouvintes desta gestão democrática? Eles participam realmente do PPP? De que maneira? Acredito que única forma de realmente integrar todos os profissionais seria com o trabalho coletivo, e o vejo como o melhor meio de atualização e reflexão sobre a ação educativa de todos profissionais. Trabalhar coletivamente não denota, necessariamente, todos trabalharem juntos o tempo todo. Dependendo dos objetivos comuns, é admissível dividir responsabilidades e executar atividades com subgrupos, ou mesmo individualmente, desde que aconteça uma troca constante de informações e a continuidade do trabalho na direção dos objetivos estabelecidos de comum acordo.

De acordo com Bortolini (2013, p.07),

para que haja essa participação, há que se ter consciência e responsabilidade, o que exigirá de todos, presença, reflexão e crítica constantes. As linhas de qualquer Projeto Político Pedagógico devem refletir o desejo de um trabalho coletivo. O trabalho coletivo não é meta fácil de atingir.

A qualidade pode ser vista de maneiras diferentes, do ponto de vista de cada ator social, como diria Bondioli (2004, p. 14): “a partir da própria ótica [sic] – qualidade não é a mesma coisa para um pai, para um educador, para um político [...] reconhecer a natureza ideológica, valorativa da qualidade e considerar o embate entre pontos de vista, ideias e interesses um recurso e não uma ameaça”. E ela ainda finaliza que não há qualidade sem participação.

A gestora Rita, quando fala da participação dos profissionais na gestão democrática, conta, através da ilustração abaixo.

Figura 24 – Ilustração da gestora

Fonte: Acervo da autora, 2016.

Outra situação que se percebe nas falas destas gestoras é que a alimentação é pensada somente como forma de nutrir o corpo, e a organização do espaço pensado unicamente pelo viés da higiene, e não pensado como prática social e cultural que necessita de aprendizagem. A função da merendeira não é concebida em uma perspectiva de educar as crianças, mas somente de sustentar o corpo das crianças, e não uma aprendizagem. As merendeiras não sentem que participam da equipe justamente porque não participam na educação e no cuidado das crianças. As crianças aprendem a comer, aprendem práticas sociais

e culturais pela alimentação e, neste momento, as merendeiras podem estar junto com a professora para pensar este ato.

[...] A cozinha, e é um espaço geralmente negado às crianças, é aberta e inteiramente conectada com a proposta pedagógica. Para a equipe gestora, a proximidade das crianças ali reforça a importância da relação com a família, já que é no ambiente que se constroem importantes laços, como o “comer junto”, e a vida familiar cotidiana. A merendeira também atua como educadora e permite as crianças que participem do preparo dos alimentos – na tarefa, eles não só conhecem os alimentos, como são convidados a experiências sensoriais e de degustação, ao descascar, cortar e provar os diferentes ingredientes (CENTRO de Referências em Educação Integral, [s.d.] p. 01)

Assim como a limpeza, e organização do espaço é pensada somente no viés da higiene. As profissionais que fazem parte dos serviços gerais poderiam se tornar educadoras no sentido de não só manter as instalações educativas em ordem e limpas, também trazê-las para pensar que as crianças são os centros do processo pedagógico e, neste sentido, precisam experienciar... O espaço é pedagógico!

Baseio-me nas palavras de Bondioli (2004), de seu livro O projeto pedagógico da

creche e a sua avaliação, a qualidade negociada, quando demonstra que a qualidade de uma

creche não depende somente dos administradores, mas também de todos aqueles que, em diferentes funções, trabalham para a qualidade e a consolidação de boas práticas educativas. Um conceito que perpassa esta ideia é o que propõe Malaguzzi (1993, apud DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, p. 22):

acreditamos na importância de uma educação que se sustenta nos relacionamentos, os quais são diversos e complexos, não apenas entre as próprias crianças e entre crianças e adultos, mas também entre os adultos. Uma característica distintiva de ambientes tipo creche é que eles oferecem possibilidades dos membros de funcionários trabalharem juntos como um grupo, proporcionando apoio mútuo e entrosando-se com o outro e com os outros, no processo de documentação e no diálogo mais geral. Outra característica desses ambientes de creche é que eles têm o potencial para tornarem-se fóruns na sociedade civil e, como tais, contribuírem para uma democracia participante e uma cidadania ativa.

Em resumo, Malaguzzi (1993) fala da possibilidade de uma gestão democrática e participativa, onde todos os envolvidos colaboram de forma ativa, trabalhando coletivamente em prol de um bem comum.