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CAPÍTULO I – METODOLOGIA E RESULTADO DOS INQUÉRITOS

2.2. Fator identitário

“A caracterização desta identidade veiculada pela língua não se esconde e nem se prescreve no tempo. Foi ganha de forma expressiva com a conquista da independência de Timor-Leste”94.

A guerra sangrenta, sem ajuda externa, que causou sofrimento ao seu povo ao longo dos 24 anos de ocupação indonésia, foi precisamente para defender a sua identidade como povo e nação. Neste âmbito, a abordagem da questão da identidade timorense assenta em dois aspetos fundamentais: o primeiro é a língua portuguesa e o segundo é a religião católica. Foram esses dois fatores que se tornaram o alicerce e a razão fundamental de um povo indefeso para defender o seu direito à autodeterminação.

Timor-Leste, apesar de geograficamente fazer fronteira direta com a Indonésia, nunca se quis identificar com o seu vizinho mais próximo. A questão que se coloca é: Como é que os timorenses conseguiram resistir face a este país gigante que tudo fez para os convencer? A justificação, a resposta ideal, teve a ver pura e simplesmente com as questões da língua e da religião. Enquanto Timor-Leste tinha a língua portuguesa como língua oficial e sua religião católica antes da invasão, os indonésios, pelo contrário, tinham o bahasa como língua oficial e, em termos religiosos, eram maioritariamente muçulmanos.

Em termos de identidade, não existe semelhança entre os dois povos que não seja a partilha de um

mesmo espaço geográfico. Os dois povos, nas suas tradições e costumes, são diametralmente opostos. Esta foi a razão primordial para os timorenses preferirem morrer na defesa da sua identidade como povo e nação a estar integrados na Indonésia. Sem ajuda externa, os timorenses sempre acreditaram na sua luta. E a História veio confirmar isso através do Referendo de 1999, realizada sob os auspícios da Organização das Nações Unidas (ONU), em que Timor-Leste conseguiu alcançar a vitória pela independência, sabendo que para defender esta causa nobre tinha que sacrificar o seu povo em diversas circunstâncias.

O uso da língua portuguesa é um orgulho para todos os timorenses, particularmente para os que defenderam a independência de Timor-Leste durante mais de duas décadas, batalhando e recusando firmemente a política do invasor que proibiu o uso da língua portuguesa no sistema educativo timorense. Por razões políticas e de direitos fundamentais, como é evidente, o povo timorense não quis ver a sua identidade negada e excluída pelo invasor. A Indonésia fez tudo para destruir a herança deixada por Portugal, que fora construída durante quinhentos anos.

É de salientar que a língua portuguesa foi adotada por Timor-Leste como língua oficial, a par do tétum, porque foi a única que permaneceu viva na memória de todos os timorenses, como um tesouro que representa a sua história e a sua identidade, e que teve, de igual modo, valor estratégico na construção do Estado timorense. A língua portuguesa era, durante os tempos de ocupação, a única capaz de servir como meio de comunicação dos guerrilheiros com a Igreja Católica e com a frente diplomática timorense no exterior.

Por isso, para além de ser um meio de comunicação, a língua portuguesa foi proclamada língua de unidade nacional. É, para o povo timorense, a língua da razão e da liberdade. Através dela se exprime ainda hoje a vontade de um povo em continuar livre. Afirmam-se valores de cidadania e história, escrevem-se ainda as bases da fundação da sua nacionalidade, a constituição política, e serve de elo de ligação com muitos povos e países espalhados pelo mundo.

Foi esta identidade que levou Timor-Leste a aderir ao espaço lusófono, uma ligação privilegiada entre povos e nações de vários continentes. Esta identidade traz autoestima aos seus povos e interação entre os mesmos.

A soberania do seu espaço e do seu território faz de Timor-Leste um país insular de 15007 km2 com a

sua orla marítima, uma bandeira da lusofonia na Ásia-Pacífico. Deste modo, considerara-se que para além de ser fundamental para o país, a língua portuguesa reforça a sua soberania. É através dela que se alcança o equilíbrio geopolítico e económico na região.

Reconhecido este valor de identidade nacional, a língua portuguesa é o vetor de ligação e comunicação com os países da CPLP e, logo, com a identidade lusófona do país. A língua e a cultura, fatores intrínsecos e insubstituíveis, são valores encontrados nesta identidade lusófona. Nesta perspetiva, é de destacar que a língua portuguesa constitui, de facto, um património comum, um futuro global.

Segundo o antigo embaixador timorense em Lisboa, Manuel Soares Abrantes:

o valor universal da língua portuguesa concebida pela sua dimensão cultural, social, científica e histórica na confluência de civilizações, constituem reconhecimentos alicerces fundamentais na identificação da vida da nação timorense e o seu Estado. (…) [O] fenómeno de aculturação de séculos veiculada pela língua portuguesa e pela Religião plasmada por normas e do Direito de matriz civilista ou continental, pujante de manifestação de cultura, gastronomia, arte e conhecimento que remonta séculos de existência, fez de Timor-Leste a moldura cultura de referência (...). Em torno desta língua, nascem e crescem valores inconfundíveis que embrionaram o espírito da nação timorense, constituindo as bases estruturantes para o desenvolvimento social, político económico do País.95

Assim, é de reconhecer esta afinidade que une os dois países e que jamais alguém poderia impor outra civilização ou cultura. Exemplo disso é a ocupação indonésia, que sempre foi contestada pelo povo timorense.

Do ponto de vista político, a presença colonial portuguesa foi considerada muito reduzida no território, se comparada com outras províncias ultramarinas. Portugal, no entanto, nunca excluiu as culturas originais nativas; pelo contrário, respeitou-as e manteve-as como património do seu povo. Apesar das dificuldades e da distância, conseguiram fornecer os quadros mentais às etnias locais, contendo as suas tradicionais lutas, e criando, ao mesmo tempo, fatores identitários que se mantiveram além da descolonização e consequente ocupação indonésia.

Destaca-se também nesta aparente plasticidade da herança colonial portuguesa, por último, a religião.