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KAINGANG NO LESTE E SUL DA ILHA: CIRCULAÇÃO E PERMANÊNCIA ATRAVÉS DO

5.5 Final de temporada: ir embora ou ficar?

Vir a Florianópolis, apesar da aparente improdutividade em termos econômicos, sempre foi uma atividade enriquecedora para o pessoal que se dispunha a circular na cidade usando como estratégia a venda de artesanato. O dinheiro obtido sempre era gasto (e nem sempre suficiente) para fazer compras de produtos, ou para guardá-lo, devido a despesas e necessidades da aldeia62, permitindo também o subsídio da experiência na cidade e da recriação de dinâmicas e memórias, as quais, como mencionado anteriormente, são importantes para essas pessoas.

De qualquer maneira, vir a Florianópolis sempre brindou a possibilidade de arranjar algum dinheiro que, de outra maneira, não seria possível obter na aldeia. E inclusive, às vezes, como manifestaram minhas interlocutoras, o dinheiro contado que arranjavam na cidade lhes permitia mais ―conforto‖ do que aquele obtido em seus lugares de origem:

Sobre isso, Claunice comentou:

―No ano que passou, o inverno foi bem rigoroso e a horta e os cultivos que tínhamos morreram todinhos, ficamos sem nada. Como nem meu marido nem eu temos pensão, a gente ficou sem um tostão no bolso e estávamos passando muitas

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O que não impossibilita que, em outros momentos, indígenas ou grupos de indígenas tenham maior sucesso nas vendas de artesanato, gerando, também, uma maior margem de lucro e de ganho em termos econômicos.

necessidades. Quando minha irmã falou para nós virmos com ela para cá, eu aceitei na hora, preparamos as coisas e viemos para aqui. Houve dificuldades, sim, mas não faltou para comer, ganhei roupas e calçados para as crianças não passarem frio no inverno, e até um cobertor eu ganhei. Se eu tivesse ficado na aldeia não teria conseguido tudo aquilo, pois, na época, nos não tínhamos emprego nem renda, então, era melhor ficar aqui por mais difícil que fosse.‖

Marina também explicou a respeito:

―A gente tem teto garantido lá, mas dependendo de como estejam as coisas, a gente passa fome. Lá não temos como cultivar nada, porque eu tenho um quintal pequeno que não dá nem para uma horta. O trabalho é escasso, meu marido sai para trabalhar como pedreiro, mas às vezes tem trampo, e outras vezes, não. Eu também, às vezes, consigo alguma coisa, mas é difícil se virar. Aqui também não é fácil, a vida da gente é sofrida mesmo, mas graças a Deus as coisas vão se resolvendo um dia de cada vez, e aqui em Florianópolis, conseguimos alguns trocados, ganhamos roupa e brinquedos, e além do mais, podemos curtir, porque Floripa é muito bonita. Gostamos muito.‖

O gosto por Florianópolis apareceu de maneira recorrente na fala de minhas interlocutoras. Para Indianara, a única coisa que a impedia de tomar a decisão de se estabelecer definitivamente na cidade era o fato de não querer deixar sua família por tempo indeterminado enquanto tentasse se estabilizar, pois sua família era grande, e pagar as despesas de todos seria um desafio e tanto: ―Se não fosse porque aqui tem que pagar para tudo, eu ficava‖, disse.

Luz mostrava-se muito contente de estar aqui: gostava de Florianópolis porque, apesar de ser uma cidade grande, ela podia encontrar espaços onde havia muito mato, ar puro e tranquilidade, e isso a fazia se sentir, de alguma maneira, perto de casa: ―Me lembra da infância, a gente tinha muito mato, bichinhos (...) o outro dia vi uns macaquinhos pulando no meio das árvores [apontando-os], aí, deu

vontade até de chorar. Há quanto tempo que os bichos sumiram do nosso mato, e agora temos de vir e vê-los na cidade!‖.

Luz manifestava também a possibilidade de ter maior facilidade para adquirir certas coisas e acessar certos serviços, como comprar alimentos no supermercado da esquina a qualquer hora, ou que o celular tivesse sinal o dia inteiro, eram pequenas alegrias em sua vida cotidiana na Ilha. Ela se lamentava de não saber trabalhar em diferentes coisas, pois, se soubesse, disse, tentaria a sorte e ficaria por aqui, mas como não era o caso — e ela estava absolutamente convencida de que a venda de artesanato não era produtiva o suficiente o ano inteiro para pagar um aluguel para ela e sua família e arcar com as despesas ―extras‖ que a vida na cidade acarreta (como o pagamento mensal de energia elétrica e água, por exemplo) —, melhor seria voltar para a aldeia. Retornar, melhor em grupo, com a segurança e a força que a presença coletiva significa para essas mulheres.

Já a Ana não estava tão contente assim. Ela falou que a cidade era legal, mas que agora havia passado tempo de mais e estava com muita saudade da casa e dos filhos que ficaram para trás. A possibilidade de vir à cidade não a deslumbrava, pois achava que as ―facilidades‖ não ―compensavam‖ as dificuldades. E o maior obstáculo que se deparava era o de se encontrar ―sozinha‖ sem ninguém para ajudar e compartilhar os momentos da vida. Além do mais, ela não invejava o ritmo frenético de quem mora na cidade:

―Aqui você não pode ir almoçar na sua casa, você tem que ficar na correria todo dia e não dá tempo nem de comer, muito menos de ficar em casa com a família, de prosear à vontade com amigos e parentes (...). Você sai cedo, chega tarde, cansado, e nem para ver e cuidar dos filhos dá tempo. No Iraí vivemos mais modestamente, mas a gente está junto, sai junto e até trabalha junto. Eu não me acostumaria a passar tanto tempo sozinha, correndo daqui para lá. Aqui todo é muito rápido, mais cansativo.‖

Ao ler esses depoimentos, podemos pensar que a venda de artesanato na cidade de Florianópolis é também uma forma de aproximação e reconhecimento da cidade e de seus habitantes, o que acaba gerando nos indígenas uma série de reflexões sobre a maneira

como os ―outros‖ vivem, e se essa situação de urbanidade seria interessante ou não para elas. Em geral, é possível ver um interesse pela cidade, seja pela oportunidade de ganhar algum dinheiro ou objeto, seja como parte de uma estratégia de sobrevivência, se pensarmos que o contexto de sua procedência também não é um lugar que possa garantir o bem-estar e o suprimento de suas necessidades básicas, como sugerem alguns dos casos aqui expostos.

Mas a exposição contínua à cidade e às possibilidades que ela abre, isto é, de voltar à aldeia, circular no fluxo aldeia-cidade de maneira permanente ou permanecer, nos coloca frente à capacidade de decisão e agência dessas pessoas que, ao avaliarem as possibilidades, conseguem ponderar acerca do que acreditam ser o melhor para elas, decidindo voltar ou ficar, trocando, assim, de maneira consciente, algumas necessidades e dificuldades por outras. Isso sem falar no fato de assumir essa decisão, não como uma questão única e exclusivamente de necessidade, mas de gosto, de vontade de experimentar a cidade e conhecer melhor o que ela tem a oferecer.

Alguns indígenas com os quais conversei tomaram a decisão de ficar em Florianópolis de modo permanente (e com a relatividade que o conceito carrega), a partir de suas experiências como vendedores de

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