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ÍNDIOS NO BRASIL E EM SANTA CATARINA: IMAGENS HISTÓRICAS E EMERGENTES

2.4 Os Carijós: o índio patrimonial de Florianópolis e as consequências de sua criação

O trajeto percorrido pelos Guarani e as dinâmicas de sua presença no estado de Santa Catarina nos permitem enxergar como que, à chegada dos colonizadores, estes se encontravam em Desterro (hoje Florianópolis) com um contingente populacional significativo, sendo reconhecidos como Carijós ou Tupis. É possível observar também que essa pluralidade de nomes e categorias dadas aos povos indígenas do sul do Brasil, no contexto da conquista e da colônia, é comum, obedecendo a nomeações geralmente impostas pelos europeus que, com o passar do tempo, têm sido reelaboradas, em grande parte, pela reivindicação desses próprios povos que desejam ser chamados pelo seu próprio nome e não por aquele que lhes fora imposto, muitas vezes, fazendo alusão a ideias preconceituosas dos agentes colonizadores.

Os Carijós são citados em obras clássicas da historiografia catarinense como a História de Santa Catarina, de Oswaldo Rodrigues Cabral, que afirma que estes eram considerados o ―melhor gentio da costa‖ (1968, p. 29), que viviam de maneira mais ou menos conforme ao restante dos povos indígenas brasileiros da época, isto é, permaneciam seminus, caçavam com arco, etc., e que, aparentemente, não eram canibais. A história dos Carijós também estaria perpassada pela violência do branco que os caçou para obter mão de obra escrava, que os submeteu às missões católicas, que os contagiou e dizimou com as epidemias que trouxeram consigo (CABRAL, 1968; PIAZZA, 1983; SACHET, 1997-1998).

Sachet (1997) chama a atenção sobre a impossibilidade de omitir os Carijós na história do trabalho de Santa Catarina, e ressalta que é importante superar a visão tradicional em que se estuda a história a partir da chegada dos europeus e seus impactos dentro do novo território. Mas que também é necessário começar a ver como essas pessoas que estavam ―dentro‖ construíram e projetaram essa história junto aos de ―fora‖. O autor também menciona a ligação entre os Carijó e os Guarani atuais que permanecem nas cidades catarinenses, e que sua presença deve ser entendida como uma expressão de coragem, um grito de sobrevivência.

Ao contrário de Sachet, no cotidiano da vida na ilha, a narrativa sobre a ligação entre os Carijós e os Guarani é praticamente inexistente. Como menciona Ávila (2010) nos livros didáticos que contam a história da região, os Carijós desaparecem das narrativas, na medida em que a invasão europeia toma conta, violentando-os e dizimando-os através de diversas estratégias. Ávila também ressalta como alguns desses livros sequer incluem, como parte da história do estado, a existência de povos indígenas na localidade, e ressalta como, em alguns deles, os trechos destinados aos Carijós são reduzidos ou escassos, reproduzindo, em sua maioria, a mesma imagem dos Carijós acima exposta: isto é, pacíficos, submetidos, e até de ―pele mais branca‖ que os outros índios do Brasil (ÁVILA, 2010). A história contida nesses livros começa a ganhar força através da presença das levas migratórias europeias, e é a partir desse momento que se reconhece a formação do estado que conhecemos hoje. Assim, de maneira sintética, os índios aparecem relegados a um passado imemorial, organizados em um espaço tempo que já passou, e do qual se desconhece qualquer possível continuidade de presença indígena no estado a partir da queda dos Carijós.

Navegando na internet para conhecer um pouco da história de Florianópolis, o leitor se aproxima de uma série de ideias ambíguas sobre quem eram os primeiros povoadores da ilha de Santa Catarina: Os ―tupi-guarani‖, os ―Sambaquis‖ ou ―Homens de Sambaqui‖ (associados ou não ao tronco tupi-guarani) e os Carijó aparecem citados como caçadores-coletores que habitavam a ilha há centenas de anos. Às vezes, dependendo da fonte consultada, consta a informação de levas migratórias entre esses indígenas anteriormente nominados, mediante cronologias diversas e inclusive contraditórias20. Essas informações contidas em sites da prefeitura da cidade, de educação e de informação turística, têm a tendência de reproduzir a presença indígena da região como restrita a uma pequena participação em tempos passados, tal como acontece nos livros didáticos que narram a história do estado. Isso se reflete, por exemplo, no espaço de destaque que ganham nos textos reproduzidos. No site da Prefeitura Municipal, por exemplo, a história indígena se reduz a cinco linhas, enquanto que no site do Brasil Escola,

20

Conferir, por exemplo: www.guiafloripa.com.br/cidade/informacoes-gerais- sobre-florianopolis/historia

www.pmf.sc.gov.br/entidades/turismo/index.php?cms=historia&menu=6 http://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_de_Florian%C3%B3polis http://cidadebrasileira.brasilescola.com/santa-catarina/historia-florianopolis.htm

que veicula informação de consulta para crianças em fase escolar, a história indígena do estado é resumida em duas linhas:

Imagem nº 1. História indígena de Florianópolis no site da Prefeitura Municipal da cidade

Imagem nº 2. História indígena de Florianópolis veiculada pelo site Brasil Escola

Trago esses exemplos com o intuito de trazer ao leitor um pouco da informação que circula a respeito da população indígena na vida cotidiana e escolar das pessoas e cidadãos desse estado.

Apesar de bastante pesquisados na área de Arqueologia (não obstante os seus desacertos teórico-metodológicos), o patrimônio arqueológico da cidade, entre o qual se destacam os sambaquis e as pinturas rupestres nas ilhas de Campeche, Arvoredo e das Aranhas e na praia de Santinho, as informações sobre as pessoas que originaram esse patrimônio são desconhecidas. A associação Couto de Magalhães que se

encarrega do cuidado e proteção da Ilha de Campeche, publica em seu site, por exemplo, que as pinturas rupestres ali disseminadas foram feitas por ―povos antigos‖21

, enquanto que o museu ao ar livre do Costão de Santinho, através de informações publicadas no site da prefeitura da cidade, e apesar de inventariar as riquezas do patrimônio que ali se concentram, não relaciona este a nenhum povo ou grupo em particular, embora ressalte que as pinturas rupestres ali presentes foram feitas entre 1 a 4 mil anos atrás22. Observa-se ainda que em nenhum dos dois casos esse patrimônio é atribuído a povos indígenas, e que os dois remetem à antiguidade deles. Sites turísticos o relacionam aos Sambaquis, em alguns casos, mas as informações são generalizantes e difusas.

Paradoxalmente, o patrimônio histórico legado por aqueles aparentes desconhecidos que povoaram a Ilha de Santa Catarina milhares de anos atrás se converteu no ícone de grandes empreendimentos hoteleiros e atrativos turísticos para os visitantes. O passado indígena de Florianópolis é patrimonial, na medida em que é relegado a um passado que ficou para trás e torna-se produtivo à indústria do turismo e de outras do mesmo ramo.

De maneira geral, ao trazer esses exemplos, chamo a atenção para o fato de que as narrativas sobre a presença indígena em Florianópolis, constantemente, e especialmente, presentes no discurso político oficial, mostram os indígenas como figuras históricas, cujo papel fora desempenhado, no entanto, em um tempo específico, séculos atrás, e que não faz parte da contemporaneidade da cidade.

Alguns trabalhos acadêmicos citados em diferentes itens deste capítulo, pelo contrário, insistem em apresentar que entre os Carijós, os Sambaquis e os Guaranis existe uma evidente ligação; que fatos históricos, tais como o banimento dos Guarani ao mato para garantir sua subsistência por causa da pressão gerada pelos europeus; e o desconhecimento geral e acadêmico da história do povoamento dos grupos indígenas do sul do Brasil, têm dificultado seguir o elo que tece a presença Tupi Guarani como constante e contínua em Santa Catarina. Essas descontinuidades e desconhecimentos, por exemplo, são as que possibilitam que se dê espaço, no cotidiano da cidade, à afirmação de que os Guarani que circulam em Florianópolis são estrangeiros, que

21 http://www.ilhadocampeche.org/index-3.html 22 http://www.pmf.sc.gov.br/entidades/turismo/?cms=museu+arqueologico+ar+liv re+costao+do+santinho

pertencem a outros territórios e que não têm ligação alguma com a história e contemporaneidade da cidade, assim como veremos no 3º Capítulo. Se aos descendentes atuais dos tupis-guaranis, que os europeus encontraram em sua chegada a Desterro (Florianópolis), não lhes fora concedido o reconhecimento ou, pelo menos, a possibilidade de pertencimento à ilha, os povos Kaingang e Xokleng se tornam ainda estrangeiros vindos de terras mais distantes, cuja pertença e contribuição a Florianópolis torna-se totalmente inexistente.

Era do meu interesse expor aqui, ao leitor, como na Florianópolis contemporânea a presença indígena não faz parte do presente coletivo, e que o reconhecimento dessa população, sua vida e história, é feita através do acionamento de mecanismos pelos quais um passado distante é trazido à tona. O indígena em Florianópolis é historicamente afastado, e como veremos nos capítulos seguintes, caracteriza-se também como geograficamente distante e visualmente diferente.

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