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FINALIZAR MAS NÃO ENCERRAR ESTA PROBLEMATIZAÇÃO: A SAFRA CONTÍNUA DA (IN) COMENSURABILIDADE DO TEMPO QUE PASSA NA ESCOLARIZAÇÃO

José Manuel RESENDE ** Universidade de Évora

FINALIZAR MAS NÃO ENCERRAR ESTA PROBLEMATIZAÇÃO: A SAFRA CONTÍNUA DA (IN) COMENSURABILIDADE DO TEMPO QUE PASSA NA ESCOLARIZAÇÃO

Tratar sociologicamente de tempos na escolarização requer vários ângulos com feixes diferentes, como tenho estado a insistir nesta análise. Mesmo tratando-se da captação dos tempos em uso através das experiências dos seres que povoam os espaços da escolarização é, em certo sentido, tarefa hercúlea, e, por isso inglória uma vez que há experiências sobre tempos passados que nos escapam ao exame, e sobretudo ao seu exame minucioso. Este é um primeiro alerta para a incompletude das referências aqui feitas e que não esgotam a problematização dos tempos nas suas múltiplas combinatórias.

Para facilitar o ângulo da análise aqui ensaiada, o caminho foi combinar uma dualidade que aparece muitas vezes separada no estudo dos factos, dos acontecimentos que perpassam a escolarização em uma dada coorte geracional. Em vez de separar o lado instituído e instituinte dos tempos que passam, o esforço da minha parte tem

77 sido o de refletir as suas possíveis combinatórias. Mas não só não foram extraídas delas todas as potencialidades analíticas, mesmo se nos situássemos exclusivamente na descrição meticulosa das suas passagens relatadas pelos atores envolvidos na escolarização. Este é o segundo alerta que se estende a um terceiro que foi o dar voz a algumas experiências mencionadas por poucos professores. Também não está em causa a representatividade das suas vozes, uma vez que não é por esta via que o meu raciocínio aparece espelhado na reflexão sociológica sobre os tempos que passam na escolarização e cujas experiências são passíveis de deter pelas entrevistas ou pela observação continuada nos territórios escolares.

Finalmente, convém sublinhar que os tempos que passam podem também ser recolhidos pela via das experiências escolares referenciadas pelos atores no quadro dos seus envolvimentos em problemas que diagnosticam como sendo importantes no âmbito dos processos de escolarização. Como estes combinam atender à singularidade e a todos por equivalências aproximadas, a alusão àquilo que os confrontam quando estão imersos nestes processos, uns e outros professores e alunos tendem a abordar a tangibilidade dos tempos que passam, não pelo seu modo como os atravessam, mas pelas consequências dos seus atos quando economizam as experiências que nos são relatadas, com maiores ou menores pormenores.

Isto é, o atravessamento através experiências recordadas, são economizadas nas suas narrações uma vez que ao contá-las os narradores pretendem sublinhar aspetos importantes que delas retiram quando são levados a expô-las a alguém, em particular a uma pessoa que está a realizar uma investigação científica. Se esta economia está presente quer no ato elocutório, por um lado naquilo que faz escusa em não dizer ressalvando os aspetos mais relevantes para lhes darem os sentidos que mais lhes convêm, e, por outro lado, naquilo que os inquietaram nas experiências mencionadas, isto é, naquilo que os ou as afetaram mais, o mesmo se pode retirar das consequências dessas ações que quase sempre não são devidamente explicitadas pelas vozes que ecoam na escolarização e que o pesquisador escutou nas conversas ali havidas.

Por exemplo, não é possível saber se o vai e vem das ações da professora de língua portuguesa que visavam levar o aluno a não desistir de escrever uma data composição surtiu ou não o efeito desejado. O que importa examinar no caso deste exemplo é justamente os arranjos que esta faz para contornar o envolvimento em ações pedagógicas em plano (Thévenot, 2006), que previamente são concebidos em reuniões de departamento ou da sua área disciplinar. Em vez de usar um plano, a professora faz diversas experiências, explora diversos caminhos, usando para isso objetos, como é o caso da ficha.

E se o objeto representa um tempo que passa e que está instituído através daquilo que é definido como momentos de avaliação destinados a seriar capacitações que se provam ou não nas respostas que os alunos dão, de um outro lado, esta não padroniza por completo o tempo para a captação destas provas. A docente vai dando

É neste sentido que os tempos se combinam através dos usos destes objetos quer para medir os conhecimentos adquiridos ou não, quer para testar os seus regimes de envolvimento da ação com os seus alunos. E como não quer lavar-se em lágrimas, solicita à aluna Adília que não se estenda na desgraça que lhe está a contar a propósito da sua vida, talvez para justificar o seu afastamento dos momentos das aprendizagens e das suas provas. Manifestar-se afetada e ligar-se afetuosamente aos alunos vulneráveis apresentam-se a esta como atos de proximidade com limites específicos. Os tempos de proximidade não podem ter como consequência a sufocação de si em resultado do dispêndio dos tempos que tais aproximações sucessivas lhe trazem às suas experiências profissionais e pessoais.

78 Enfim, falta agradecer o convite para estar presente nesta sessão. Sem este amável convite talvez não fosse confrontado a pensar os usos sociais dos tempos através das vozes dos professores. Manifesto também os meus agradecimentos aos jovens colegas Luís Gouveia e David Beirante com quem tenho estado com muita permanência a dialogar e a escrever sobre diferentes aspetos relacionados com os processos de escolarização, nomeadamente sobre problemas que pela voz dos atores são os mais notórios desafios que a escola e a escolarização secundária têm de se defrontar na atualidade. Muitos desses desafios não são inteiramente novos, mas assumem outras roupagens. Outros aparecem de rompante, uns mais expetáveis outros não. O que importa é continuarmos a perscrutar os principais intervenientes que povoam a escola.

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CONVERGÊNCIA DAS MÍDIAS NA EAD VERSUS MODELOS PEDAGÓGICOS EM TEMPO

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