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A PRÁTICA DA TUTORIA NO PET NA PERCEPÇÃO DE TUTORES

Francione Charapa ALVES Universidade Federal do Carir

A PRÁTICA DA TUTORIA NO PET NA PERCEPÇÃO DE TUTORES

As percepções dos tutores remetem-nos para o exercício da ação tutorial, ou seja, o eixo da prática da tutoria no PET. Aqui, percebemos ainda mais a complexidade desta ação. Deste eixo discursivo, criamos os sub- eixos: Ação tutorial na prática cotidiana e seus aspectos, Relação tutor-tutorando, desafios e dificuldades da prática. A seguir, trazemos cada sub-eixo com suas respectivas ancoragens e procuramos analisá-los trazendo alguns excertos dos discursos coletivos.

Os discursos coletivos revelam que a ação tutorial na prática cotidiana ocorre por meio de atividades programadas ou reuniões extraordinárias, mas que todas essas atividades de ensino, pesquisa e extensão planejadas e desenvolvidas por tutores e tutorandos contribuem para o crescimento não só de petianos, mas de

98 todos os alunos da graduação e dos professores que usufruem das atividades, contribuem também para o desenvolvimento do próprio tutor, conhecido como efeito-tutor. Baudrit (2009) nos alerta que não é evidente que a ação tutorial beneficie o tutor, segundo o fato de estarem os dois potenciais atores na presença um do outro não é

(BAUDRIT, 2009, p. 14).

De acordo com o DSC7 a prática de tutoria no PET inspira os tutores na sua prática pedagógica em sala de aula, mas não só nesse momento, ela se constitui em um exercício à prática dialógica e de reflexão crítica.

Na prática cotidiana, eu me inspiro no PET, inclusive, para a minha prática até pedagógica não só de sala de aula, como também tem tanto de prática nesse movimento de criticidade que os alunos fazem, em tudo que nos propomos a realizar, em todas as atividades. É esse modelo assim que tentamos ser, um modelo mais dialógico, participativo, sem ser aquela figura centrada, sem o professor ser o centro naquele momento, mas algo mais participativo (DSC7).

Das funções tutoriais elaborada pelos autores Carrasco-Embuena, Veiga-Simão, Rosado-Pinto, Flores- Fernandes, Giner-Gomis & Lapeña-Perez (2008), especificamente a função acadêmica ou dimensão tutorial acadêmica ou formativa, é a que mais se assemelha a uma das ações exercidas pelos tutores do PET. Também relembramos García Nieto (2008) e Martínez Juárez e Pérez Cuso (2010) quando nos dizem que a tutoria fornece orientações ao aluno nas seguintes áreas acadêmica, profissional, pessoal e social, administração. Acreditamos que olhando sob essa ótica, podemos visualizar melhor o que os discursos nos revelam.

De acordo com os DSC, nesse processo de tutoria do PET, para além dos aspectos técnico-pedagógicos são trabalhados os psicológicos, sócio-críticos, éticas, pessoais, profissionais. No campo pessoal, a orientação ocorre tanto em momentos individuais quanto nos trabalhos em grupo, os tutores entendem que a subjetividade de cada um permanece com a pessoa onde quer que ela esteja, a diversidade que os sujeitos trazem para o grupo precisa ser trabalhada constantemente, aprendendo a conviver uns com os outros.

O DSC9 nos diz que o convívio do tutor com os alunos

aspectos, porque além das três vertentes, da pesquisa, extensão e ensino, ainda temos que lidar com questões emocionais, pessoais, familiares que acontecem com eles [...] (DSC9). Também é importante mencionar que esses aspectos eles não se dissociam, eles ocorrem no cotidiano quando são necessários, e que muitas vezes, vão surgindo simultaneamente.

Na minha ação tutorial estão presentes tanto os aspectos técnico-pedagógicos, quanto crítico-social e psicológica, eu acho que são ações que não dão para ser dissociadas. Em alguns momentos vemos a necessidade ter uma ação mais técnica, até pela questão do conhecimento que temos da área e das suas especialidades. Mas tem muitos momentos também que nos levam a essa criticidade, a essa questão também do lado social e do lado psicológico, então não dá para dissociar. Principalmente trabalhando com pessoas (DSC11).

As atividades de extensão que são realizadas no PET, os estudos em grupo e os projetos coletivos desenvolvem a percepção crítico-social e ética dos alunos e dos tutores sobre o papel do conhecimento na sociedade, a função social da universidade e a atuação desses futuros profissionais na sociedade. Os discursos a seguir expressam essas ideias.

Essa formação técnica e acadêmica passa por mim até certa escala, mas ela também é feita por muito outros professores [...] mas essa mais social, a mais crítica

formação que um cientista de qualquer área recebe é puramente técnica, o que gera um profissional completamente desvinculado da realidade social em que ele está inserido. As atividades realizadas pelo grupo que são atividades de extensão, atividades externas se enquadram muito mais nesse perfil de uma orientação social. [...] Dentro dessa perspectiva as questões ético-sociais, ou seja, o compromisso da ciência, como é que ela vai chegar, quais são as consequências desse trabalho, acabam sendo perpassadas por essa discussão, porque pensamos assim, conhecer o mundo, entender o mundo ao seu

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redor e como atuar, ele como profissional de uma forma socialmente comprometida, pensando na sociedade [...] (DSC10.1).

O PET tem uma característica que é o desenvolvimento coletivo do grupo. Então, é um programa geracional porque ao mesmo tempo vão saindo bolsistas e vão entrando, então sempre tem um grupo mais velho, um grupo intermediário e um grupo novo. Então, como é que eu desenvolvo isso? Eu desenvolvo coletivamente, nós colocamos na mesa como um projeto que nós desenvolvemos durante um ano, todo ano tem um projeto para desenvolver, os alunos ajudam, dão opinião e nós desenvolvemos todas aquelas atividades coletivamente. [...] Essas ações eles tem total responsabilidade de fazer, sendo que impedimentos, os entraves, a gente traz para o grupo e o grupo se manifesta e eu como tutor(a) também me manifesto. [...] Essa convivência coletiva, como conviver com pessoas de gêneros diferentes, concepções religiosas e teóricas diferentes, porque entram alunos de todas as ideologias, não necessariamente que seja de uma minha, ou seja, de outra, tem aluno que participa do movimento estudantil, tem aluno que não participa, então, é um caldal de ideias ali dentro e há embates. Enriquece (DSC10.1).

Percebemos nos vários discursos evidências de partilha, coletividade e o trabalho em grupo, nos DSC dos tutores e tutorandos, devido a ideia de diferenças individuais existentes dentro no grupo, essa diversidade é difícil de ser trabalhada, mas enriquece. Ainda sobre a prática dos tutores, mencionamos a portaria nº 3.385 de setembro de 2005 em seu artigo 11, no que se refere às atribuições do professor tutor que são atribuições são amplas, de caráter legislativo e trazem apenas os aspectos técnicos, evidenciando o seu caráter objetivo, entretanto, quando as leis e a normas entram no cotidiano das pessoas, elas se deparam com as subjetividades. Nesse sentido, surgiram outros aspectos do PET que foram mencionados nos DSCs dos tutores, e logo mais veremos que também se fazem presentes nos DSCs dos tutorandos.

No sub-eixo relação tutor-tutorando, os discursos ressaltaram a relação tutor-tutorando. Na realidade, embora se refiram à esse tema em particular, não se desvincula dos outros, há uma coerência no que é apresentado nos discursos, não há como desenvolver uma ação tutorial sem pensar em como ela é realizada e como os sujeitos envolvidos nela se comportam e atuam, e o que dela tiram proveito. Os três discursos que se referem à relação tutor-tutorando são complementares à medida em que ela se constitui em uma relação dialógica, aberta, flexível, enfatizando que não há espaço para autoritarismos nessa, é necessário uma negociação constante entre as partes, e muito empenho de todos os participantes do grupo.

É uma relação que precisa ser muito aberta, muito flexível, precisa ser de muito diálogo. Cada aluno é um mundo, uma cabeça. [...]O tutor, ele precisa se colocar no patamar do aluno para que ele possa dialogar efetivamente. Sem isso, esse diálogo não acontece em duas vias, a autoridade não pode ser a referência que o tutor tem para dialogar, ele precisa se posicionar porque há uma confiança, gerar uma confiança no aluno para que ele possa escutar, não pela autoridade que a gente usa em outras ocasiões, mas no PET a gente precisa se colocar realmente no patamar do próprio aluno para que o diálogo possa acontecer (DSC13).

Devido ao tempo que passam juntos permitem que eles trabalhem melhor essa perspectiva pessoal, os seus aspectos emocionais e afetivos que acabam por gerar muita proximidade entre tutores e tutorandos, e entre os [...] na tutoria nós estamos muito mais próximos deles. Então é, de fato, é uma relação profissional, mas também é uma relação pessoal. Diferente da nossa relação

apresenta esse aspecto:

Nossa relação é assim... é claro que uns são mais dados outros, mas eu sinto assim que há um respeito, um carinho, a questão do lado afetivo porque a gente se envolve. Aqui eu costumo dizer inclusive que icamos muito tempo envolvidos, ao longo do ano, passamos muito tempo juntos, são 10 horas que o tutor tem, mas eles tem 20 horas na verdade, nesse programa, e não tem como deixar de ter esse laço, de construir esse laço afetuoso. Muitos deles inclusive se tornam amigos posteriormente. [...]Por outro lado, quando o aluno não cumpre com aquelas atividades, [...]mas temos que saber também separar muitas vezes isso. Como isso faz parte do ofício mesmo do(a) professor(a), do tutor(a). Mas tentamos fazer com que o processo flua com muita

100 Percebemos que, de fato, os aspectos psicológicos se sobressaem na tutoria realizada no PET, até mesmo forte entre tutores e tutorandos, e entre os próprios petianos. Desenvolve-se assim, competências de relações interpessoais, conhecendo-se uns aos outros no contexto acadêmico e consequentemente nas relações sociais por meio das atividades de extensão do PET. A interação que há entre os indivíduos e o ambiente social e cultural se constitui na base para a construção das relações sociais que influenciam e são influenciadas pelos aspectos cognitivos, emocionais e pelas ações. No tocante ao desafios e dificuldades da prática que os tutores enfrentam no exercício da sua prática. Foram apresentados como desafios: o pouco reconhecimento da universidade e do curso, além da gestão dos conflitos internos do grupo referentes às ancoragens A15, A16, A20.

Os desafios são muitos. Existe uma pressão normal e positiva do próprio curso em relação à atuação do coordenador do curso, é sempre um grande desafio! Você tem que fazer essa gestão, a gestão mais externa do PET, na conscientização da importância das atividades, com o corpo docente e com a universidade, o corpo docente, a administração superior, para que todos entendam a importância daquela atuação (DSC15).

Gerir pessoas, com seus interesses, suas individualidades em um grupo que tem uma convivência semanal como ocorre no PET é realmente um desafio para o tutor e para o grupo como um todo.

Um desafio interno é você tratar de todas essas características pessoais, esses interesses que são enquanto pessoa, é uma aprendizagem, nós também temos dificuldades de conviver, discutir a questão que você exerce na prática, a questão da diversidade, essa relação, a exigência que a Universidade tem para você cumprir todas essas tarefas que você tem e ao mesmo tempo tem um grupo que você tem que acompanhar muito de perto. Você acompanha coletivamente, mas você acompanha individualmente

O DSC20 se refere ao pouco reconhecimento do programa dentro da instituição, o que reflete no

reconhecimento, mas o pouco reconhecimento da Universidade em relação à tutoria enquanto atividade. A Universidade quer que a gente ajude a fazer p

Como dificuldades surgem a falta de formação, as questões financeiras, questões de tempo dos tutores para conciliar as atividades da tutoria do PET com as outras atividades docentes e a rotatividade de alunos no PET, o que dificulta os trabalhos, (ancoragens A17, A18, A19 e A21). O problema que foi mais enfatizado nos discursos, tanto dos tutores quanto dos alunos, é a questão financeira, no que se refere às bolsas e ao custeio. De acordo com a Portaria MEC nº 343/2013. Cada aluno e cada tutor que faz parte desse programa do governo federal recebe uma remuneração, uma bolsa e o grupo recebe um custeio para as despesas. Esse custeio tem regras para ser utilizado. De acordo com os discursos, há um atraso constante de bolsas dos tutorandos e isso de certa forma prejudica o trabalho e se torna um empecilho para a vida acadêmica daqueles que dependem desse recurso. Além disso, o custeio também demora a chegar, geralmente chega de uma vez só e geralmente está disponível no segundo semestre.

Muitas vezes as atividades de extensão e outras que exigem recursos financeiros são realizadas com o uso do dinheiro da bolsa dos alunos e dos tutores porque não houve o repasse do custeio pelo MEC. Também há um senso de responsabilidade muito grande do grupo e dos tutores quando afirmam que não é a universidade ou o MEC que estão à frente das atividades junto da comunidade, mas é o PET, por isso a atividade tem que acontecer!

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Na maioria das vezes os alunos dependem da bolsa porque eles não são ricos. Agora tem muitos deles que estão sem conseguir nem vir pra aula porque há o atraso da bolsa. Esse é um problema seríssimo pra gente manter o resultado no curso. Isso tem sido um desgaste porque você vê a pessoa que tem um potencial sair porque não tem a bolsa. E assim já foram muitos. Isso dificulta muito as atividades. O financiamento dos eventos também tem sido uma dificuldade [...]. Então, tem essas dificuldades. Porque as regras do custeio diz que nós podemos financiar eventos científicos. Mas, por exemplo, não financia diária, financia a passagem. [...] Aí não funciona, não dá certo. Não tem transporte nem alimentação, tem única e exclusivamente a há coisas que têm que ser feitas e tem que sair do bolso, p

(DSC18).

A falta de formação é uma das queixas frequentes não somente dos tutores do PET, mas de outros programas em que a tutoria está presente, muito embora esse quadro venha se modificando aos poucos, ainda há

somos formados para ela, você vai aprendendo no dia-a-dia, porque a universidade não dá, nem no ensino, nem na Além dessas duas dificuldades apontadas, ainda há a questão de que os tutores realizam muitas outras atividades dentro da universidade, e sentem dificuldade de conciliá-las com as da tutoria que requer muita atenção e disponibilidade. No DSC fica claro a insatisfação dos tutores, em relação às horas dedicadas ao PET, que não são contadas no Plano de Ação Docente na UECE, uma vez que todas as atividades realizadas pelo grupo é dedicada à graduação. Entretanto, também fica evidente no discurso que isso ainda está sendo discutido na universidade a fim de procurar uma solução.

As dificuldades na conciliação das demais atividades com o PET, que é ser um professor da UECE, pesquisador, ainda tem as questões com as atividades burocráticas que exercemos. Então assim, muitas vezes ficamos nessa dificuldade, acompanhando eles, mas o que me deixa muito impotente é querer acompanhar todo o processo e nem sempre a gente pode [...]. Principalmente agora que o PET não está mais contando do nosso PAD. Então essa é outra grande dificuldade, são X horas que eram contabilizadas ilidade, porque quando eu entrei aqui tinha redução de X horas, então, eu reduzia sempre minha carga horária para estar no PET, se envolvendo, porque o PET contribui diretamente para o curso. Então, por exemplo, os eventos que realizamos, passamos uns quatro meses de antecedência para planejar, reunir e nos debruçarmos mesmo, para que realmente tudo ocorra muito bem e sempre tem ocorrido, assim, muito bem, então sempre se destaca muito, são muitos elogios, mas conta, assim, é um esforço, um trabalho muito árduo, muito grande de envolvimento mesmo (DSC19).

Por fim, há uma preocupação com a rotatividade dos alunos que está aumentando a cada ano devido às mudanças na legislação e de acordo com o DSC21 o MEC está trabalhando na contramão da proposta de formação do programa.

Uma coisa que eu acho muito preocupante, era que antes a gente só podia pegar alunos de 2º, 3º, até no máximo 4º, porque para ter o certificado de PET ele precisava estar dois anos dentro do programa [...] agora você pode pegar até do 7º semestre. [...] Então isso para a formação é péssimo. Não vai nem entender a lógica. Não dá tempo construir coisa nenhuma. Então o MEC, ultimamente, tem trabalhado na contramão do que a gente espera (DSC21).

O DSC21 nos revelam que o rumo que vem tomando as Políticas Públicas para a educação brasileira estão na contramão de uma educação emancipatória. Quando o PET já se constitui uma Política bem estruturada, aparece uma lógica que atende aos padrões neoliberais e capitalistas, entretanto, contradiz a continuidade do trabalho do tutor em relação à formação do petiano.

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