• Nenhum resultado encontrado

UIDEF; Instituto de Educação; Universidade de Lisboa

CASO DO SISTEMA BRAILLE: ESPECIFICIDADES

O sistema Braille foi um sistema de uma matriz de seis pontos, trabalhado a partir de uma folha inserida numa pauta ou numa máquina e picotado em duas linhas verticais de três pontos, permitindo a sua fácil aprendizagem, escrita e leitura. A sua adaptação a este sistema por Louis Braille em 1824, no Institut National des Jeunes Aveugles de Paris, onde era aluno, tomou como base um sistema militar de comunicação nocturna produzido pelo Capitão Charles Barbier de la Serre, que visitou o Instituto onde o jovem Braille estudava em 1821, fornecendo- lhe a inspiração para o desenvolvimento do seu sistema, por oposição ao das letras relevadas que até então eram usadas apenas para leitura, não possibilitando a escrita.

O sistema Braille é bastante lógico e de fácil aprendizagem, e a dimensão de cada célula adapta-se ergonomicamente ao dedo humano, sendo ideal para leitura pelo tacto. Foi a partir do Instituto de Paris que se desenvolveu este sistema e se formaram professores para outras escolas do mundo Ocidental.

A facilidade de apreensão neurológica das variações informativas de cada célula foi uma das causas do seu sucesso. As células Braille são bastante apropriadas para a percepção psicofisiológica humana. E embora os outros sistemas vigentes noutros países ou em sistemas caseiros e asilares sobreviventes se mantivessem ainda durante décadas em paralelo, a economia de um sistema universal venceu quaisquer dúvidas técnicas.

O uso de uma pauta e punção, de uma máquina de escrita Braille (e.g. Foucault, Barozzi or Perkins) ou de sistemas de impressão industriais ganhavam com a standardização dos sistemas.

Deste modo, o Braille obteve, pela sua simplicidade e flexibilidade, o consenso ocidental.

Finalmente, é de destacar que a sua importância se foca não só na perspetiva da aprendizagem, como na potência do binómio escrita/leitura, que inaugurou. Com o advento do sistema Braille passava a ser possível a escrita. Ou seja, com as letras relevadas impressas os alunos tinham acesso à informação, mas essa informação era fixa e não podia por eles ser reproduzida autonomamente. E a autonomia intelectual e a potência para uma privacidade de registo de pensamento tinham chegado à escola através deste método adaptado pelo aluno Louis Braille, do Instituto Nacional dos Jovens Cegos. Notações específicas e mais complexas que o alfabeto como as matemáticas e músicas eram agora codificadas, simplificadas e de mais fácil aquisição que seguindo o sistema inicial de relevar os sistemas a tinta.

A verdade é que todos estes recursos, os da escrita tais como outros que as fotografias das aulas dos vários institutos oitocentistas mostram, (e.g. mapas em relevo, esquemas tridimensionais do corpo humano, materiais para costura, materiais para apoio a artesanato, materiais para a concretização da escrita, pautas de acordo com cada sistema e punções para escrita) tinham que ser escolhidos, testados e aprovados.

Os objectivos de educação de cidadãos cegos tinham um preço e dependiam de apoios. Problema sistematicamente focado em relatórios de gerência e em discursos de corpos sociais, sempre aproveitando ocasiões em forma escrita ou oral, para espalhar a necessidade de apoios financeiros para o projecto, nas suas vertentes de ensino teórico e profissional. E foi também por este motivo de economia e de sistematização pedagógica entre entidades que a reunião de vários sistemas num só, eficaz e funcional, sucedeu.

CONCLUSÕES

Devo assumir, desta forma, que o sistema Braille foi unânimemente considerado a melhor escolha entre os sistemas de escrita e leitura relevados pelos projectos existentes de escolaridade adaptada na Modernidade? Digamos que os factores mencionados de economia, sistematização e eficiência foram sem dúvida determinantes,

140 de onde a sua persistência até aos nossos dias e a sua fusão com os novos sistemas digitais, tendo recebido o acrescento de mais dois pontos (7 e 8). As tecnologias apenas mudaram o suporte, são mais um factor de metadata da história do sistema Braille, mas na essência, o sistema encontra-se operacional e eficiente como na estrutura principal de adaptação do jovem Braille.

Se os nossos pensamentos e conhecimentos persistem e evoluem através de formas escritas, se a nossa memória persiste e se a nossa comunicação utiliza diariamente a revolução da escrita para o desenvolvimento humano, o crescimento destes sistemas paralelos para o sistema táctil, a libertação do factor visual para possibilidade de registo e leitura privada de conhecimentos foram de enormes consequências sociais, permitindo a normalização dos alunos cegos com os alunos normovisuais e a sua potência de autonomia numa civilização Moderna que identificava os cidadãos pela produtividade e possibilidade de autonomia.

Neste sentido, o sistema Braille cumpriu e cumpre a sua função de uniformizar possibilidades e similitudes, ultrapassando diferenças entre alunos e cidadãos sensorialmente diversos, tornando-se tão eficiente como qualquer técnica de escrita e leitura a tinta, quer para estudo, quer para trabalho.

O sistema escolar é ainda o sistema corrente de preservar identidades, de normalização sócio-cultural e de construção de memórias comuns, sendo a informação escrita certamente o compromisso de longa duração entre a apreensão do conhecimento adquirido e a potência de geração de inventividade e novidade em cada produtor de informação, independentemente das suas características sensoriais. Sendo assim, ainda, um factor de democratização e de crescimento pessoal de grande importância nos nossos dias.

REFERÊNCIAS

Alliegro, M. (1991). . Roma: Armando Editore.

Amado, M.C.T.M.R.C. (2007). Escritos em Branco. Rupturas da ciência e da pedagogia no Portugal Oitocentista: o ensino para cegos no Asilo-escola António Feliciano de Castilho (1888-1930). Tese, (mestrado). Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.

Association Valentin Haüy (1989). -1989. Cent ans au service des aveugles. Paris: Association Valentin Haüy.

Beretta, L. (2008). Leggere al buio. . Roma: Associazione

italiana bilbioteche.

Birch, B., Campos, L.A., Sardinha, M.L. (1990). Louis Braille: o jovem francês cego cuja invenção trouxe a milhões de cegos a possibilidade de ler. Lisboa: Replicação.

Bolli, L. (1944). 843-1943. Lausanne: Imprimerie La Concorde. Crary, J. (1992). Techniques of the Observer. On Vision and Modernity in the Nineteenth Century. Cambridge: MIT

Press.

Crary, J. (2001). Suspensions of Perception. Attention, Spectacle, and Modern Culture. Cambridge: MIT Press. Derrida, J. (2001). Writing and Difference. London: Routledge & Kegan Paul Ltd.

Fernandes, R. (1988). Nas Origens do Ensino Especial: o Primeiro Instituto Português de Surdos-Mudos e Cegos, Lisboa, Separata da Revista da Biblioteca Nacional, s. 2, vol. 3 (2).

French, K. (2004). Perkins School for the Blind. Boston: Perkins School for the Blind

Guerreiro, A.D. (1998). As Vantagens da Tecnologização da Tiflologia: Contributos Tiflológicos para um Alargamento do Paradigma Comunicacional. Tese, (doutoramento). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa.

141 Henri, P. (1958). Les aveugles et lá société. Paris: Presses Universitaires de France.

Illingworth, W.H. (1910). History of the Education of the Blind. London: General Books

Institut National des Jeunes Aveugles (2009). Louis Braille 1809-1852. Correspondance inédite a partir des lettres originales. Paris: INJA

Istituto dei Ciechi di Milano (2003). . Milano: Istituto

dei Ciechi di Milano.

Lawn, M., Grosvenor, I. (eds.). (2005). Materialities of Schooling. Design Technology Objects Routines. Oxford: Symposium Books.

Levi, F. (1990). Un mondo a parte. Cecitá e conoscenza in un istituto di educazione (1940-1975). Bologna: Il Mulino. Lorimer, P. (1996). A critical evaluation of the historical development of the tactile modes of reading and an analysis

and evaluation of researches carried out in endeavours to make the braille code easier to read and to write. Thesis, (PhD). University of Birmingham.

Mcginnity, B.L., Seymour-Ford, J., Andries, K.J. (2004). Reading and Writing. Watertown: Perkins School for the Blind.

Reino, V. (2000). 170 anos depois algumas considerações de ordem histórica, sociológica e psicopedagógica sobre o Sistema Braille. Lisboa: Biblioteca Nacional.

Royden, M.W. (1991). Pioneers and Preserverance. A History of the Royal School for the Blind, Liverpool (1791- 1991). Liverpool: The Royal School for the Blind.

Schriewer, J., Martinez, C. (2003). World-Level Ideology or Nation-Specific System-Reflection?. Lisboa: Educa. Weygand, Z. (2003). Vivre sans voir. Les aveugles dans da société française, du Moyen Age au siècle de Louis

Braille. Paris: Créaphis.

Willoughby, E. (2007). Overbrook School for the Blind. Charleston: Arcadia Publishing.

Fontes

Letter from Pierre Sigaud to M. Guadet, Rio de Janeiro, may 15th 1854

Valentin Haüy, Paris.

Alston, J. (1836). Statements of the education, employment, and internal arrangements, adopted at the Asylum for the Blind, Glasgow. Glasgow: Asylum for the Blind.

(1901). Conferências Públicas, Asylo-Escola António Feliciano de Castilho para a Infância Cega, Sessão de 10 de Março de 1901. Inauguração de Conferências Públicas. Algumas Palavras. Lisboa: Tipografia Eduardo Roza.

Castilho, A. F. (1854). Felicidade pela Instrução. Lisboa: Academia Real das Ciências. Cunningham (1905). International Conference on the Blind, Edinburgh.

Guadet, J. (1856).

distribution des prix de 1855 et 1856. Paris.

Leite, A. O. (1892). Notícia acerca do Asylo-Escola Antonio Feliciano de Castilho Para a Infância Cega e do Ensino ahi Ministrado. Lisboa.

Mascaró (1905). International Conference on the Blind, Edinburgh.

Scott, E.R. (1915). The History of the Education of the Blind prior to 1830. London: College of Teachers of the Blind c/o the National Institute for the Blind.

142 Sigaud, J. F. X. (1844). Du Climat et des Maladies du Bresil ou statistique médicale de cet empire. Paris: Fortin,

143

O TEMPO NA UNIVERSIDADE: ENCONTROS E DESAFIOS EDUCATIVOS

ID 72

Suzana Medeiros Batista AMORIM

Outline

Documentos relacionados