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Fixação da indenização por danos morais

PARTE II – CARTEL E RESPONSABILIDADE CIVIL

5. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DA

5.2 Pressupostos da responsabilidade civil por danos decorrentes da prática de

5.2.4 Dano

5.2.4.2 Danos morais

5.2.4.2.3 Fixação da indenização por danos morais

Depois de traçado o panorama geral da disciplina dos danos morais no direito brasileiro, e após examinadas as hipóteses de danos morais e danos morais coletivos oriundas da prática de cartel, cabe analisar um tema que suscita importantes discussões: a quantificação dos danos morais.

342

―Dano moral coletivo: os danos morais coletivos decorrem do reconhecimento da dimensão extrapatrimonial dos interesses coletivos, sejam eles de categoria difusa, coletiva ‗strictu sensu‘ ou individual homogênea, não se confundindo com o interesse público (primário) ou com os direitos individuais. Necessidade de ampla reparação dos danos ensejados pela ofensa a esses direitos, inclusive de natureza extrapatrimonial. Caracterização no caso concreto, de dano moral coletivo consistente na ofensa ao sentimento de coletividade, caracterizado pela espoliação sofrida pelos consumidores locais, gravemente maculados em sua vulnerabilidade‖ (TJ/RS, Apelação Cível nº 70018714857, 3ª Câmara Cível, Rel. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j. 12.07.2007).

343

―A conduta das rés deu causa a uma diminuição de bem estar nos consumidores, traduzida na sensação de impotência e de descrédito nas instituições públicas. O interesse lesado, no caso, é difuso, de modo que deveras não há como identificar os lesados, tampouco mensurar o dano. Porém, isso não impede a condenação, que no caso tem finalidade mais educativa do que compensatória do dano‖ (Ação Civil Pública nº 291.01.2006.000904-1, Auto Posto S. Gomes Ltda. e outros, Juíza de Direito Carmen Silva Alves, Comarca de Jaboticabal – SP).

Conforme analisado nos tópicos acima, o valor atribuído ao lesado a título de danos morais não corresponde propriamente a uma indenização, mas a uma compensação pecuniária como forma de minorar os efeitos causados pela lesão sofrida. Desse modo, a fixação do quantum indenizatório a título de danos morais não segue os mesmos critérios empregados para a quantificação dos danos patrimoniais. Nesse sentido, entende-se que os danos morais devem ser arbitrados segundo o prudente critério do julgador344.

Ao se desincumbir da tarefa de arbitrar o valor da indenização por danos morais, a jurisprudência brasileira tem reconhecido a existência de uma dupla função dos danos morais, a saber: de um lado, compensar a vítima pela lesão sofrida e, de outro, punir o infrator como forma de desestímulo à prática de novas infrações345. Trata-se da chamada teoria do valor do desestímulo, a qual tem sido aceita pelo Superior Tribunal de Justiça346.

Na doutrina, as posições se dividem com relação à função punitiva dos danos morais reconhecida pela jurisprudência. As diferentes posições sobre o tema podem ser agrupadas nas seguintes categorias:

344 Segundo C

ARLOS ALBERTO BITTAR, ―tem-se, pois, como regra geral, em matéria de determinação da

reparação, a outorga ao juiz de poderes amplos, contando ele, no respectivo exercício, com certas fórmulas, engendradas na vivência prática, que lhe servem de apoio para a ministração da justiça. Com isso, na definição da indenização devida, compete ao juiz perseguir, em vista das condições do litígio, o real sentido dos fatos, para aquilatar das fórmulas que melhor se ajustam à hipótese vertente, atento sempre ao princípio basilar da reparação integral ao lesado‖ (Reparação Civil por Danos Morais, cit., p. 220). Sobre o tema, CARLOS ROBERTO GONÇALVES esclarece que ―as leis em geral não costumam formular critérios ou mecanismos para a fixação do quantum da reparação, a não ser em algumas hipóteses, preferindo deixar ao prudente arbítrio do juiz a decisão, em cada caso. Por essas razões, a jurisprudência tem procurado encontrar soluções e traçar alguns parâmetros, desempenhando importante papel nesse particular‖ (Responsabilidade Civil, cit., p. 674).

345 Sobre o tema, J

UDITH MARTINS-COSTA e MARIANA SOUZA PARGENDLER esclarecem que ―coexistem três correntes, em sede tanto doutrinária como jurisprudencial, sobre a função da indenização do dano moral, quais sejam, a compensação/satisfação do ofendido, a punição do ofensor e tanto a satisfação do ofendido como a punição do ofensor. (…) Ao acolher-se a função punitiva ou a função mista (satisfação/punição) da indenização, a jurisprudência utiliza, para a fixação do quantum indenizatório, a combinação de dois e, por vezes, de três distintos critérios: o grau de culpa do ofensor; a condição econômica do responsável pela lesão; e o enriquecimento obtido com o fato ilícito‖ (―Usos e Abusos da Função Punitiva (Punitive Damages e o Direito Brasileiro)‖, in Revista CEJ, n. 29, Brasília, jan./mar., 2005, p. 23).

346 Veja-se, a respeito, o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça: ―(…) valor fixado a título de

indenização por dano moral, que não pode ser ínfimo ou abusivo, mas proporcional à dúplice função deste instituto indenizatório: reparação do dano, buscando minimizar a dor da vítima, e punição do ofensor, para que não volte a reincidir‖ (STJ, Recurso Especial nº 604.801-RS, 2ª Turma, Rel. Eliana Calmon, j. 23.03.2004).

i) de um lado, no que pode ser chamado de corrente majoritária, há autores que são favoráveis à aplicação da teoria do desestímulo pela jurisprudência brasileira, defendendo a possibilidade de que seja atribuído um valor adicional ao montante da reparação por danos morais, com caráter educativo e punitivo, com o objetivo de desestimular a prática de novas infrações347;

ii) de outro lado, há autores que criticam os critérios atualmente adotados pela jurisprudência para fixação dos danos morais, sendo que, nesse grupo: (a) há autores que simplesmente são contrários à aplicação da teoria do desestímulo na fixação do quantum indenizatório por danos morais348; e (b) há autores que, embora

347 Vejam-se as posições de C

ARLOS ALBERTO BITTAR: ―Adotada a reparação pecuniária – que, aliás, é a

regra na prática, diante dos antecedentes expostos –, vem-se cristalizando orientação na jurisprudência nacional que, já de longo tempo, domina o cenário indenizatório nos direitos norte-americano e inglês. É a da fixação de valor que serve como desestímulo a novas agressões, coerente com o espírito dos referidos punitive ou exemplary damages da jurisprudência daqueles países. Em consonância com essa diretriz, a indenização por danos morais deve traduzir-se em montante que represente advertência ao lesante e à sociedade de que não se aceita o comportamento assumido, ou o evento lesivo advindo. Consubstancia-se, portanto, em importância compatível com o vulto dos interesses em conflito, refletindo-se, de modo expressivo, no patrimônio do lesante, a fim de que sinta, efetivamente, a resposta da ordem jurídica aos efeitos do resultado lesivo produzido‖ (Reparação Civil por Danos Morais, cit., pp. 232-233); RUI STOCO: ―A tendência moderna, ademais, é a aplicação do binômio punição e compensação, ou seja, a incidência da teoria do valor do desestímulo (caráter punitivo da sanção pecuniária) juntamente com a teoria da compensação, visando destinar à vítima uma soma que compense o dano moral sofrido. (...) A nós parece que os fundamentos básicos que norteiam a fixação do quantum em hipóteses de ofensa moral encontram-se no seu caráter punitivo e compensatório, embora essa derivação para o entendimento de punição/prevenção não tenha grande significado, na consideração de que na punição está subentendida a própria prevenção. Isto é: a punição já tem o sentido e propósito de prevenir para que não se reincida‖ (Tratado de Responsabilidade Civil..., cit., p. 1732); YUSSEF SAID CAHALI: ―A indenizabilidade do dano moral desempenha uma função

tríplice: reparar, punir, admoestar ou prevenir‖ (Dano Moral, cit., p. 175); SÉRGIO CAVALIERI FILHO: ―(...) a indenização punitiva do dano moral deve também ser adotada quando o comportamento do ofensor se revelar particularmente reprovável – dolo ou culpa grave – e, ainda, nos casos em que, independentemente de culpa, o agente obtiver lucro com o ato ilícito ou incorrer em reiteração da conduta ilícita‖ (Programa de Responsabilidade Civil, cit., p. 99); SILVIO DE SALVO VENOSA: ―De qualquer modo, em sede de indenização

por danos imateriais há que se apreciar sempre a conjugação dos três fatores ora mencionados: compensação, dissuasão e punição. Dependendo do caso concreto, ora ponderará um, ora ponderará outro, mas os três devem ser levados em consideração. Como se nota, os novos paradigmas da responsabilidade civil exigem que hoje os julgados se voltem para novos valores que muito pouco têm a ver com o sentido histórico da responsabilidade civil aquiliana‖ (Direito Civil – Responsabilidade Civil, cit., p. 346); e ANTONIO JEOVÁ

SANTOS: ―Muito embora vozes abalizadas se oponham à indenização que tenha caráter penal, não se pode

afastar de todo que no montante indenizatório do dano moral, deve o juiz estipular certa quantia como fator dissuasivo da prática de novos danos‖ (Dano Moral Indenizável, cit., p. 157).

348

Nesse sentido são os posicionamentos de CARLOS ROBERTO GONÇALVES: ―Não se justifica, pois, como

pretendem alguns, que o julgador, depois de arbitrar o montante suficiente para compensar o dano moral sofrido pela vítima (e que, indireta e automaticamente, atuará como fator de desestímulo ao ofensor), adicione-lhe um plus a título de pena civil, inspirando-se nas punitive damages do direito norte-americano. É preciso considerar as diferenças decorrentes das condições econômicas, raízes históricas e costumes, bem como o conteúdo e os limites dos poderes de que se acham investidos os juízes e ainda o sistema de seguros dos Estados Unidos da América do Norte. Diversamente do direito norte-americano, inspira-se o nosso sistema jurídico na supremacia do direito legislado, a qual está expressa no preceito constitucional de que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (...). Já se foi o tempo em que as sanções civis e penais se confundiam. A sanção penal tem por fim a repressão do ato ilícito e não

defendam a adoção, via reforma legislativa, de indenização com caráter punitivo no direito brasileiro, criticam a forma como a função punitiva vem sendo aplicada pela jurisprudência no tocante à reparação do dano moral, denunciando a ausência de parâmetros claros para que se possa aferir o montante da punição349-350.

guarda relação com o valor do bem lesado. Por aí se vê que o caráter sancionatório autônomo, nas condições mencionadas, tem todas as características da sanção penal. Enquanto tal, está sujeita ao princípio da legalidade das penas, conforme se acha expresso na Constituição Federal: não há pena ‗sem prévia cominação legal‘ (art. 5º, XXXIX). Não cabe ao juiz, mas ao legislador, estabelecer os seus limites máximos e mínimos. Do contrário, ficaria a critério de cada um fixar a pena que bem entendesse. Enquanto garantia constitucional, o princípio da legalidade das penas não se aplica exclusivamente ao direito penal‖ (Responsabilidade Civil, cit., pp. 677-678); HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: ―Não cabe ao juiz civil

transmudar o julgamento da ação de responsabilidade civil num instrumento de aplicação de pena ao infrator, se nenhuma lei expressamente o autorizou a tanto. Em nosso sistema constitucional só a lei pode instituir pena aplicável ao agente do ato ilícito. Se nenhuma norma legal cogita de instituir ou cominar pena para determinado ato lesivo, ao juiz civil somente toca impor ao agente o dever de indenizar o prejuízo acarretado à vítima. Nada mais‖ (Dano Moral, 4ª ed., São Paulo, Juarez de Oliveira, 2001, p. 65); ANDERSON

SCHREIBER: ―A orientação jurisprudencial, a rigor, contraria expressamente o Código Civil de 2002, que, em

seu art. 944, declara: ‗a indenização mede-se pela extensão do dano‘. Pior: ao combinar critérios punitivos e critérios compensatórios, chegando-se a um resultado único, a prática brasileira distancia-se do modelo norte- americano, que distingue claramente compensatory damages e punitive damages. Com isso, cria-se, no Brasil, uma espécie bizarra de indenização, em que ao responsável não é dado conhecer em que medida está sendo apenado, e em que medida está simplesmente compensando o dano, atenuando, exatamente, o efeito dissuasivo que consiste na principal vantagem do instituto‖ (Novos Paradigmas da Responsabilidade Civil..., cit., pp. 212-213).

349 Nesse sentido, as posições de D

ANIEL DE ANDRADE LEVY: ―A jurisprudência foi o principal fator

responsável pela consolidação desses critérios ‗normativos‘ entre nós, ao criar um dano moral ‗exemplar‘, ‗pedagógico‘, ‗punitivo‘, com caráter de ‗desestímulo‘. Portanto, a função punitiva tem sido afirmada em vários acórdãos, seja explicitamente, nas expressões supra, ou implicitamente, adotando critérios como a gravidade da ofensa, a situação econômica do agente ou o seu grau de culpa. O que preocupa é constatar que o magistrado tem atuado sem qualquer respaldo legislativo. Em suma, convive-se, hoje, no Brasil, com uma ‗espécie bizarra de indenização‘, que, embora não seja reconhecida formalmente como punitiva, reflete critérios que obram nessa direção, gerando absurda insegurança jurídica tanto para a vítima quanto para o ofensor. (...) A esquizofrenia do dano moral talvez seja, hoje, o mais grave problema da Responsabilidade Civil brasileira. Mostra que a função punitiva da disciplina continua constrangida sob figuras totalmente imprevisíveis, tanto em quantidade quanto em qualidade. Enquanto não se refletir acerca de uma categoria autônoma de indenização punitiva, ou ao menos de uma verba autônoma no âmbito dos danos morais, deverá o jurisdicionado contentar-se com um esforço de fundamentação das decisões que nem sempre se coaduna com a nossa carregada justiça‖ (Responsabilidade Civil..., cit., pp. 75-79); e DIOGO NAVES MENDONÇA: ―Os

próprios critérios de que se vale o STJ, acima mencionados, guardam um alto grau de subjetividade, que tem seus efeitos trágicos potencializados quando se observa que aquele tribunal opta por não definir em que medida eles estão sendo usados para compensar e em que medida são invocados para punir. Ao final, é simplesmente impossível saber (i) qual o montante compensatório, (ii) qual o montante punitivo e (iii) como se chegou a cada um deles. Se deliberada ou não, a postura acaba por criar um indesejável grau de incerteza no que se refere à indenização por danos extrapatrimoniais. Diante disso, o debate acerca da admissibilidade da função punitiva na quantificação do dano moral acaba encontrando pouca repercussão prática. É que a corte responsável por dar a palavra final no assunto vale-se dos termos compensação e punição como recursos retóricos, em um topos que se reproduz de forma praticamente mecânica‖ (Análise Econômica da Responsabilidade Civil..., cit., pp. 90-91).

350 Registre-se a posição de M

ARIA CELINA BODIN DE MORAES que, embora critique com veemência a aplicação indiscriminada da tese do caráter punitivo dos danos morais, defende sua adoção em ―hipóteses excepcionais e taxativamente previstas em lei‖, quando se tratar ―por exemplo, de conduta particularmente ultrajante, ou insultuosa, em relação à consciência coletiva, ou, ainda quando se der o caso, não incomum, de prática danosa reiterada‖ (Danos à Pessoa Humana..., cit., p. 263).

Compartilhamos da crítica de parcela da doutrina no sentido de que a jurisprudência deveria explicitar com maior precisão os critérios adotados na fixação do

quantum indenizatório por danos morais, discriminando o montante atribuído a título de

compensação e aquele fixado como desestímulo.

Além disso, entendemos que, em matéria concorrencial, a função punitiva dos danos morais deve ser empregada com bastante cautela pelos tribunais, de modo a afastar o risco de indevida sobreposição com as atividades de repressão de condutas anticompetitivas exercidas pelo CADE, Ministério Público e órgãos policiais. Conforme analisado no capítulo 2, acima, além de ficarem obrigados a reparar os prejuízos causados, os envolvidos na prática de cartel também ficam sujeitos a penalidades nas esferas administrativa e penal.

Nesse sentido, vale transcrever a observação de MARIA CELINA BODIN DE

MORAES, que, analisando o caráter punitivo atribuído ao dano moral pelos tribunais,

aponta para o risco de “bis in idem” entre as esferas penal e civil351:

―A este respeito, é de se ressaltar ainda que grande parte dos danos morais, aos quais se pode impor o caráter punitivo, configura-se também como crime. Abre-se, com o caráter punitivo, não apenas uma brecha, mas uma verdadeira fenda num sistema que sempre buscou oferecer todas as garantias contra o injustificável bis in eadem. O ofensor, neste caso, estaria sendo punido duplamente, tanto em sede civil como em sede penal, considerando- se, ainda, de relevo o fato de que as sanções pecuniárias cíveis têm potencial para exceder, em muito, as correspondentes do juízo criminal‖.

Especificamente em relação à responsabilidade civil por cartel, BRUNO

OLIVEIRA MAGGI também manifesta preocupação com o risco de sobreposição entre o

critério punitivo do dano moral e as esferas administrativa e penal de repressão a cartéis352:

―Dada a relevância do dano, o ato pode ser previsto como crime ou infração administrativa e o agente já seria sancionado. Portanto, o dano à sociedade deve ser analisado com cautela no momento de verificar os prejuízos resultantes para a quantificação da indenização, pois não pode haver sobreposição com o direito penal e direito administrativo. A indenização não poderá ser apoiada totalmente sobre o seu critério punitivo se inexistirem perdas a serem compensadas e se o ato praticado for tipificado penalmente

351 Danos à Pessoa Humana..., cit., p. 260.

ou previsto como infração administrativa. Nesses casos, o dano-evento à sociedade existe, mas o dano-prejuízo gerado é apenas moral, podendo ser apenas compensado. No caso de um cartel que tenha sido condenado pelo CADE, por exemplo, os agentes já foram sancionados e a multa paga, enquanto que no caso do descumprimento em massa de contratos por uma grande empresa a fixação de indenização em valor superior ao necessário para a reparação do prejuízo serviria como desestímulo à prática, visto que esse ato não é punido por qualquer lei e, tomado isoladamente, poderia no máximo configurar um abuso de direito‖.

O risco de sobreposição e multiplicidade de punições é ainda maior com relação aos danos morais coletivos, uma vez que é entendimento consolidado na doutrina que os danos morais coletivos constituem uma forma de punição ao infrator pelos danos causados à coletividade353-354. Tanto é assim que o valor da condenação a título de danos morais coletivos deve ser recolhido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos – o mesmo para o qual são recolhidas as multas impostas pelo CADE355 –, o que ressalta ainda mais as semelhanças entre a atividade de repressão a cartéis exercida pelo CADE e a condenação a título de danos morais coletivos pela prática de cartel.

353 Sobre o tema, vejam-se as posições de D

ANIEL DE ANDRADE LEVY: ―A última forma subliminar de

instrumentalização da função punitiva na Responsabilidade Civil tem se dado pelas hipóteses, cada vez mais comuns, de ‗dano moral coletivo‘ (...) Logo, o dano moral coletivo é mais uma forma de canalização do caráter normativo da Responsabilidade Civil nas sociedades que penam a aceitar uma categoria mais bem delineada de indenização punitiva‖ (Responsabilidade Civil..., pp. 88-90); NELSON ROSENVALD: ―O modelo

jurídico do dano moral coletivo (...) não passa de peculiar espécie de penal civil criativamente desenhada no ordenamento brasileiro, em nada se assemelhando com a natureza do dano extrapatrimonial‖ (As Funções da Responsabilidade Civil..., p. 200); e LEONARDO ROSCOE BESSA: ―A condenação por dano moral coletivo é

sanção pecuniária por violação a direitos coletivos ou difusos. O valor imposto pelo juiz é destinado ao fundo criado pelo art. 13 da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública). O caráter da condenação é exclusivamente punitivo‖ (―Dano Moral Coletivo‖, cit., p. 271).

354 Em tese de doutorado sobre o tema, F

ERNANDA ORSI BALTRUNAS DORETTO também destaca a natureza punitiva do dano moral coletivo e ressalta o eventual risco de sobreposição com a punição em outras esferas: ―Esses valores devidos a título de danos morais terão caráter punitivo e deverão ser depositados no fundo criado pelo artigo 13 da Lei da Ação Civil Pública. O problema que se afigura é a necessidade de reparação individual, e a cumulação das indenizações, fazendo com que o lesando sofra um ônus excessivo pelo ilícito. Pode-se imaginar, por exemplo, que um ilícito ambiental ou um ilícito praticado contra os consumidores pode, além de causar prejuízos ao patrimônio moral coletivo, causar prejuízos individuais, que deverão ser devidamente reparados. Como, então, dar medida à indenização por danos morais de caráter punitivo, sem que isso crie um excesso de penas para o autor do ilícito? A experiência americana demonstra que esse é o grande perigo das indenizações punitivas, o chamado overkill. O desejo de reparar o dano causado a cada um dos lesados acaba por consumir todo o patrimônio do autor do ilícito. Não há como conferir uma solução para o problema. A situação que se afigura deverá contar com o discernimento não só do autor da ação para a defesa de interesses coletivos, bem como do julgador da demanda (...)‖ (Dano Moral Coletivo, Tese de Doutorado, Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2008, pp. 112-113).

355

Nos termos do artigo 1º, § 2º da Lei nº 9.008, de 21 de março de 1995, ―constituem recursos do FDD o produto da arrecadação: I – das condenações judiciais de que tratam os arts. 11 e 13 da Lei nº 7.347, de 1985; (...) V – das multas referidas no art. 84 da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994‖.

Nesse contexto, conclui-se que, na hipótese de o cartel já ter sido punido na