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Prazo e termo inicial da prescrição

PARTE II – CARTEL E RESPONSABILIDADE CIVIL

5. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DA

5.4 Prescrição da pretensão reparatória

5.4.1 Prazo e termo inicial da prescrição

Nos termos do art. 206, § 3º, inc. V do Código Civil, a pretensão de reparação civil prescreve em 3 (três) anos. Com relação ao termo inicial do prazo prescricional, o art. 189 do Código Civil dispõe que ―violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206‖. Referido dispositivo consagra o princípio da “actio nata”, pelo qual a pretensão nasce com a violação do direito.

Interpretando referido dispositivo do Código Civil, há julgados do Superior Tribunal de Justiça que entendem que, como regra geral, o prazo prescricional tem início a partir da simples violação ao direito, independentemente de a vítima ter ou não ciência da violação e dos prejuízos resultantes. De acordo com essa linha jurisprudencial, o Código Civil seria expresso em todas as hipóteses em que o prazo começa a fluir a partir da ciência do dano, como ocorre, por exemplo, com relação à pretensão do segurado contra a seguradora; nos demais casos, o início da fluência do prazo prescricional independeria da ciência do dano por parte da vítima372.

372 Veja, por exemplo, o seguinte julgado: ―Em nosso direito, quando a lei pretende que o termo a quo seja o

da ciência do fato, di-lo expressamente. Assim, o artigo 178, do Código Civil, em seus parágrafos 4º, I e II e 7º, V. As hipóteses são excepcionais, pela insegurança quais disposições podem acarretar para a estabilidade das relações‖ (STJ, Recurso Especial nº 36334/SP, Rel. Ministro Eduardo Ribeiro, 3ª Turma, julgado em

Há outra corrente que defende que o prazo prescricional somente se inicia após a ciência do dano por parte do titular da pretensão. Na doutrina, JOSÉ FERNANDO

SIMÃO defende que, em matéria de responsabilidade civil extracontratual, deve ser afastada a noção de “actio nata”, iniciando-se o prazo prescricional a partir do efetivo conhecimento do dano. O autor se vale da distinção acima descrita entre dano-evento (violação do bem jurídico protegido) e dano-prejuízo (prejuízo patrimonial ou extrapatrimonial resultante da violação), esclarecendo que, em muitas situações, a ocorrência de dano-prejuízo nem sempre será conhecida pela vítima imediatamente após a ocorrência do dano-evento. Nas palavras do autor373:

―Para fins de responsabilidade extracontratual, a noção de Savigny de actio nata deve ser afastada. Em se tratando de direito disponível no qual não houve negligência ou inércia do titular do direito que desconhecia a existência do próprio crédito e, portanto, a possibilidade do exercício da pretensão, o prazo prescricional só se inicia com o efetivo conhecimento. (...) A negligência supõe uma vontade que se omite, e a prescrição pode apagar relação jurídica de todo em todo ignorada pelo seu titular. Como falar-se de omissão de vontade por parte de quem sequer sabia que podia querer e agir?‖.

Na jurisprudência, em situações em que o lesado não teria condições de saber da existência da violação no momento de sua ocorrência, outros precedentes do Superior Tribunal de Justiça, manifestando entendimento diferente dos julgados mencionados acima, entenderam que o prazo prescricional somente se inicia após o titular do direito ter ciência de sua violação374.

No âmbito da responsabilidade civil por cartel, caso prevaleça o entendimento de que o prazo prescricional se inicia independentemente do conhecimento

14.09.1993, DJ 04.10.1993). Confira-se também um dos julgados mais recentes a defender esse posicionamento: ―O art. 189 do CC/02 consagrou o princípio da actio nata, fixando como dies a quo para contagem do prazo prescricional a data em que nasce o direito subjetivo de ação por violação de direito, independentemente da efetiva ciência da vítima‖ (STJ, Recurso Especial nº 1168336/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 22.03.2011).

373 Prescrição e Decadência: Início dos Prazos, São Paulo, Atlas, 2013, pp. 213-214.

374 Veja-se o seguinte julgado: ―O termo a quo para auferir o lapso prescricional para ajuizamento de ação de

indenização contra o Estado não é a data do acidente, mas aquela em que a vítima teve ciência inequívoca de sua invalidez e da extensão da incapacidade de que restou acometida.‖ (STJ, Recurso Especial nº 673576/RJ, Rel. Ministro José Delgado, 1ª Turma, julgado em 02.12.2004).

do dano por parte da vítima, poderá restar prejudicada ou até mesmo inviabilizada a reparação dos prejuízos decorrentes do cartel.

Isso porque o cartel é uma infração cometida sob sigilo, de modo que, em geral, os adquirentes dos produtos ou serviços somente descobrem que foram lesados após a divulgação das investigações pelas autoridades de defesa da concorrência, o que, em muitos casos, ocorre anos depois do início do cartel375. Tendo em vista que o prazo de prescrição da pretensão de reparação civil é de apenas três anos, caso prevaleça a intepretação ora em discussão, é de se presumir que os prejudicados na maioria dos casos somente teriam ciência do cartel depois de transcorrido o prazo prescricional376.

Diante disso – e em linha com a segunda corrente doutrinária e jurisprudencial mencionada acima – entende-se que, para evitar que os infratores sejam beneficiados pela natureza sigilosa dos cartéis, a interpretação mais adequada em casos de cartel é aquela segundo a qual o prazo de prescrição somente se inicia após os prejudicados terem condições de ter ciência da prática ilícita377, o que geralmente ocorrerá após a divulgação das investigações iniciadas pelas autoridades concorrenciais.

Deve-se levar em conta que, além de atender ao interesse social da estabilidade das relações jurídicas, a prescrição representa um verdadeiro castigo à inércia do titular da pretensão378. Em assim sendo, não é razoável punir com a prescrição aquele

375 Sobre o assunto, o Cade esclarece que ―ainda é muito pouco difundida a compreensão de que o cartel é

uma prática caracterizada por sigilo absoluto.‖ (voto do Conselheiro Relator Fernando de Magalhães Furlan no processo administrativo nº 08012.009888/2003-70, julgado em 01.09.2010).

376 Na doutrina nacional, ―o prazo de prescrição relativamente curto e a ausência de definição do termo a quo

do início da contagem do prazo‖ são apontados como fatores que inibem a propositura de ações de reparação civil por danos decorrentes infrações à ordem econômica. Veja-se: ―A regra geral do Código Civil a respeito da prescrição para a pretensão de reparação civil está prevista no artigo 206, § 3º, inciso V, que dispõe em 3 (três) anos o prazo. Dada as dificuldades, no âmbito de uma ação civil, de produção de prova de uma infração, seria natural que ações reparatórias individuais (ou individuais homogêneas) fossem ajuizadas após uma decisão condenatória do CADE. Ocorre que os processos administrativos no SBDC, em média, demoram mais do que 3 (três) anos para receberem um julgamento final do CADE, o que poderia gerar a extinção do direito de ação. Entretanto, outra discussão gira em torno exatamente do termo a quo do início da contagem do prazo, se seria da ocorrência do suposto dano, da instauração do processo administrativo ou da condenação final do CADE‖ (EDUARDO CAMINATI ANDERS, LEOPOLDO PAGOTTO e VICENTE BAGNOLI, Comentários à Nova Lei de Defesa da Concorrência…, cit., p. 190).

377 No mesmo sentido: A

NDRÉ MARQUES FRANCISCO, Responsabilidade Civil por Infração da Ordem Econômica, cit., p. 118.

378

Nesse sentido, CARLOS ALBERTO DABUS MALUF: ―(...) cumpre atender não só ao interesse individual, mas

também e principalmente ao interesse social; se o proprietário se descura das terras que lhe pertencem, da qual se apossa um usurpador, não procurando reavê-las, sua inação só pode ser entendida como verdadeira

que, dado o caráter sigiloso da violação de que foi vítima, não teria condições de ter ciência imediata da prática. Trata-se, portanto, da interpretação mais razoável tendo em vista as especificidades da prática de cartel.

Como visto acima, essa é a regra vigente no direito norte-americano, sendo também a regra estabelecida pela Diretiva aprovada na União Europeia com o objetivo de uniformizar a disciplina da matéria no direito comunitário europeu.

Esse tema será analisado novamente no capítulo 6, que examinará propostas de reforma do ordenamento jurídico brasileiro com relação à responsabilidade civil pela prática de cartel.

Note-se, por fim, que caso a demanda seja ajuizada para pleitear prejuízos sofridos por consumidores – diretamente ou mediante substituição processual em sede de tutela coletiva –, será possível sustentar a aplicação da regra contida no art. 27 do Código de Defesa do Consumidor, que prevê prazo prescricional de cinco anos e dispõe expressamente que a fluência do prazo somente se inicia a partir do conhecimento do dano e de sua autoria379.

5.4.2 Início do prazo prescricional caso a prática também constitua crime: artigo 200