• Nenhum resultado encontrado

Prova e quantificação do sobrepreço

PARTE II – CARTEL E RESPONSABILIDADE CIVIL

5. RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS DECORRENTES DA

5.2 Pressupostos da responsabilidade civil por danos decorrentes da prática de

5.2.4 Dano

5.2.4.1 Danos patrimoniais (ou materiais)

5.2.4.1.1 Prova e quantificação do sobrepreço

No tocante à prova e quantificação do sobrepreço causado pelos cartéis, deve-se distinguir entre, de um lado, a prova da existência do dano e, de outro lado, a quantificação do dano (“quantum debeatur”). No direito brasileiro, embora a quantificação do dano possa ser reservada para a fase de liquidação de sentença (CPC, art. 286267 e 475-

263

Como ensina CLÓVIS BEVILAQUA, ―chamam-se perdas e danos ou perdas e interesses, os prejuízos

ocorridos ao credor, tanto os que efetivamente lhe diminuem o patrimônio (damnum emergens), quanto os simplesmente previstos no momento de celebrar-se o contrato (lucrum cessans)‖ (Direito das Obrigações, 5ª ed., Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1940, p. 125). No caso específico dos danos em matéria concorrencial, ANDRÉ MARQUES FRANCISCO escreve que ―a infração antitruste poderá dar ensejo a duas modalidades distintas de dano: o dano emergente (suportado de imediato pelo patrimônio da vítima) e o lucro cessante (redução da perspectiva razoável de lucros da vítima)‖ (Responsabilidade Civil por Infração da Ordem Econômica, cit., p. 81).

264 Como discutido anteriormente, no caso do cartel de compra, diferentemente do cartel de venda, o prejuízo

não decorre do sobrepreço, mas do preço artificialmente reduzido decorrente do acordo entre os membros do cartel. Considerando que a hipótese mais comum é o cartel de venda, as considerações sobre o dano feitas neste tópico terão por base o sobrepreço causado pelos cartéis. ANDRÉ MARQUES FRANCISCO fornece exemplo de dano sofrido nessa situação: ―Basta observar, a título de exemplo, o caso do Cartel dos Frigoríficos, que não produziu diretamente efeitos à jusante, mas sim à montante; os frigoríficos impuseram a restrição aos produtores de gado, que sem ter como escoar sua produção por outras vias, tiveram de aceitar negociar seus produtos por um subpreço‖ (Responsabilidade Civil por Infração da Ordem Econômica, cit., p. 81).

265

―Direito da Concorrência e Enforcement Privado na Legislação Brasileira‖, cit., p. 23.

266 R

OBERTO AUGUSTO CASTELLANOS PFEIFFER, por sua vez, escreve: ―Pensemos no exemplo de um cartel.

Além do prejuízo a toda a sociedade, decorrente do uso ineficiente dos recursos econômicos escassos, há a lesão a cada consumidor que pagou um sobrepreço pelo produto ou serviço objeto do cartel‖ (Defesa da Concorrência e Bem-Estar do Consumidor, cit., p. 253). No mesmo sentido, LUIZ CARLOS BUCHAIN: ―A

vítima paga o preço ilicitamente majorado por determinado bem (ou recebeu preço inferiorizado), devido à manipulação do mercado por determinados agentes como, por exemplo, preços excessivos cobrados por monopolistas ou por cartéis (...). Nesses casos, é a diferença entre o preço cobrado (ou o preço devido) e o efetivamente pago (ou recebido) que quantificará o dano sofrido‖ (O Poder Econômico e a Responsabilidade Civil Concorrencial, cit., pp. 171-172).

267 ―Art. 286. O pedido deve ser certo ou determinado. É lícito, porém, formular pedido genérico: I - nas

ações universais, se não puder o autor individuar na petição os bens demandados; II - quando não for possível determinar, de modo definitivo, as conseqüências do ato ou do fato ilícito; III - quando a determinação do valor da condenação depender de ato que deva ser praticado pelo réu‖.

A268), o que pode ocorrer inclusive em demandas envolvendo responsabilidade civil por danos oriundos de práticas anticompetitivas269, é necessário que a existência do dano seja provada no curso do processo de conhecimento, sob pena de improcedência da ação270.

No caso dos cartéis, a prova da existência dos danos envolve: (i) em primeiro lugar, prova de que houve sobrepreço no mercado em decorrência do cartel (o que pode ser feito por diversos meios, como estudos econômicos contendo análise dos preços praticados ou mediante a prova de contatos entre os concorrentes nos quais eles diretamente ajustam os aumentos de preços, aliada à prova de que os preços ajustados foram praticados); e (ii) demonstração de que o autor adquiriu os produtos ou serviços das empresas cartelizadas no período e no mercado em que se verificou o sobrepreço.

Com relação à quantificação dos danos (“quantum debeatur”), trata-se de tarefa complexa, que envolve a comparação entre o preço pago pelo prejudicado e o preço que deveria ter sido pago em um cenário hipotético em que o cartel não existisse. Exatamente por conta dessas dificuldades, a quantificação dos danos costuma ser apontada como um dos maiores obstáculos à reparação dos prejuízos causados por cartéis271.

268 ―Art. 475-A. Quando a sentença não determinar o valor devido, procede-se à sua liquidação‖. 269

ROBERTO AUGUSTO CASTELLANOS PFEIFFER, escrevendo especificamente a respeito das ações civis públicas para reparação de danos,esclarece: ―A sentença que julga procedente a ação coletiva apenas fixa a responsabilidade do réu pela reparação dos danos causados, sem indicar o montante a ser pago. Deste modo, é uma sentença ilíquida, porém certa, uma vez que estabelece o dever de indenizar. Nesse contexto, no curso da instrução probatória da ação coletiva o juiz irá inicialmente verificar se o réu efetivamente cometeu um ato ilícito, o que, na hipótese analisada, pressupõe a demonstração de que houve a prática de uma infração contra a ordem econômica, sendo, assim, a conduta dos réus passível de enquadramento no tipo do art. 20 da Lei nº 8.884, de 1994. Posteriormente, o Juiz deverá averiguar se tal conduta gerou um dano e que há nexo de causalidade entre o dano apontado e a conduta ilícita (que, para as finalidades da presente tese é a prática de uma infração contra a ordem econômica). Entendendo que sim, prolatará uma sentença condenatória genérica, fixando a responsabilidade do réu pelos danos causados‖ (Defesa da Concorrência e Bem-Estar do Consumidor, cit., p. 261).

270

A título de exemplo, os seguintes julgados do TJ/SP: ―Se não se comprovam as perdas e danos durante a ação, não pode esta vingar. Só se apuram em execução quando evidenciados na ação‖ (TJSP, 5ª Câmara, Rel. Silva Costa, j. 30.05.1985, RJTJSP 97/225) e ―Os danos hão de ficar provados na fase de conhecimento, sob pena de ser julgada improcedente a ação; somente a apuração do seu quantum é que pode ser relegada para a execução quando os elementos constantes dos autos não autorizam decisão a respeito de sua liquidez‖ (TJSP, 1ª Câmara, Rel. Andrade Junqueira, j. 13.12.1977, RT 512/113). Julgados mencionados em: RUI STOCO, Tratado de Responsabilidade Civil…, cit., pp. 1238-1239.

271

Em estudo encomendado pela Comissão Europeia sobre a quantificação de danos decorrentes de práticas anticompetitivas, registra-se que ―one of the obstacles to damages actions is the quantification of damages‖ (Oxera Consulting, Quantifying Antitrust Damages…, cit., p. 1).

Nesse contexto, conforme analisado anteriormente, a conclusão a que se chegou no direito norte-americano e europeu é de que não se pode exigir grau de precisão excessivo no cálculo do sobrepreço decorrente do cartel, sob pena de inviabilizar a reparação dos danos. Admite-se, portanto, que, desde que haja prova da existência do cartel e de seus efeitos, a quantificação dos prejuízos seja feita por meio de estimativas.

No Brasil, ainda não há jurisprudência sobre a metodologia mais adequada para a quantificação dos prejuízos decorrentes de cartel. Os poucos precedentes em que houve decisão determinando o ressarcimento de danos materiais causados pelos cartéis não fornecem, até o momento, qualquer parâmetro com relação à quantificação dos danos. Vejam-se os critérios adotados nos seguintes casos:

i) na decisão proferida em processo envolvendo cartel entre revendedores de combustíveis no Município de Guaporé-RS, o cálculo dos prejuízos foi reservado para a fase de liquidação de sentença, não tendo sido explicitado o critério de cálculo a ser empregado272;

ii) no julgamento da ação civil pública envolvendo cartel na revenda de combustíveis do Município de Santa Maria-RS, novamente o cálculo dos danos foi reservado para liquidação de sentença, sem que a decisão tenha detalhado os critérios para quantificação do sobrepreço273;

iii) em outro caso, também do Rio Grande do Sul, dessa vez envolvendo revendedores de gás liquefeito de petróleo (―GLP‖), a sentença condenatória, diante das dificuldades em calcular os prejuízos causados pelo alegado cartel, optou por

272

―Dano material (liquidação por arbitramento): A prova do dano material não decorre da aquisição do combustível pelo consumidor, mas do concerto do preço da gasolina, que implicou em prática abusiva para os consumidores locais. A aferição dos danos deve ocorrer em liquidação de sentença (...)‖ (TJ/RS, Apelação Cível nº 70018714857, 3ª Câmara Cível, Rel. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino, j. 12.07.2007).

273

―Diante do exposto, julgo parcialmente procedente a presente Ação Civil Pública para os efeitos de: (...) condenar os requeridos a reparar os consumidores pelo dano material decorrente do alinhamento de preços dos combustíveis no comércio local; O quantum indenizatório deverá ser apurado mediante liquidação de sentença, tendo como marco inicial a data da instauração do inquérito civil (02/08/2002 – fl. 31), prolongando-se até a data em que foi concedida a medida antecipatória, qual seja, 23/08/2004 (fl. 583-590). O valor a ser indenizado deverá ser dividido entre os estabelecimentos demandados, na proporção do faturamento bruto auferido pelos mesmos nos anos respectivos à apuração do prejuízo, sendo reconhecida a responsabilidade pessoal dos respectivos representantes legais que figuram no polo passivo, consoante fundamentação supra‖ (Ação Civil Pública nº 027/1.05.0004158-2, Juíza de Direito Stefânia Frighetto Schneider, 14ª Vara Cível de Santa Maria-RS, Arlindo dos Santos Dutra e outros, j. 28.12.2010).

arbitrar os prejuízos tomando como parâmetro o valor da causa, tomando como parâmetro o valor total de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), atualizado desde a propositura da ação e dividido entre as rés de acordo com sua participação de mercado274; e

iv) em caso envolvendo a revenda de combustíveis em Pernambuco, o juiz da causa também arbitrou a indenização por perdas e danos em R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais)275, sem detalhar os critérios para o cálculo; a indenização foi posteriormente reduzida em sede de apelação para R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), com fundamento nos princípios ―da proporcionalidade e da razoabilidade‖276

.