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Iniciativas da Comissão Europeia com o objetivo de fomentar a

PARTE II – CARTEL E RESPONSABILIDADE CIVIL

4. RESPONSABILIDADE POR DANOS DECORRENTES DA PRÁTICA DE

4.2 União Europeia

4.2.2 Iniciativas da Comissão Europeia com o objetivo de fomentar a

Como visto acima, embora esteja consolidado o entendimento de que as violações ao direito comunitário europeu geram direito dos prejudicados a receberem indenização pelos prejuízos sofridos, o fato é que tais pedidos de indenização devem ser pleiteados perante tribunais domésticos, ficando sujeitos às regras procedimentais e ao regime geral de responsabilidade civil dos respectivos Estados Membros.

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Veja-se o teor do julgado: ―The full effectiveness of Article 85 of the Treaty and, in particular, the practical effect of the prohibition laid down in Article 85(1) would be put at risk if it were not open to any individual to claim damages for loss caused to him by a contract or by conduct liable to restrict or distort competition. Indeed, the existence of such a right strengthens the working of the Community competition rules and discourages agreements or practices, which are frequently covert, which are liable to restrict or distort competition. From that point of view, actions for damages before the national courts can make a significant contribution to the maintenance of effective competition in the Community. (…). However, in the absence of Community rules governing the matter, it is for the domestic legal system of each Member State to designate the courts and tribunals having jurisdiction and to lay down the detailed procedural rules governing actions for safeguarding rights which individuals derive directly from Community law (…)‖ (Case C-453/99, Courage Ltd v. Crehan [2001] ECR I-6297).

152 No caso “Courage”, não obstante a Corte Europeia de Justiça tenha concluído que o autor poderia pleitear

indenização pelos danos que alegava ter sofrido em virtude da suposta prática anticompetitiva, quando o caso retornou para julgamento de mérito perante o Poder Judiciário do Estado Membro da União Europeia em questão (Inglaterra), concluiu-se que a prática questionada pelo autor, relacionada a uma suposta restrição vertical no mercado de cervejas, não constituía violação ao Tratado de Funcionamento da União Europeia, razão pela qual o autor (Crehan) não recebeu qualquer indenização. Como esclarece RICHARD WHISH ―after 13 years of litigation Crehan recovered no damages whatsoever; however, he made a crucial contribution to the important issue of private enforcement of competition law‖ (Competition Law, cit., p. 294).

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―(…) any individual can claim compensation for the harm suffered where there is a causal relationship between that harm and an agreement or practice prohibited under Article 81 EC‖ (Case C-259-298/04, Vincenzo Manfredi v Lloyd Adriatico Assicurazioni SpA [2006], ECR I-6619).

Nesse contexto, com o objetivo de assegurar a uniformização das legislações e fomentar a responsabilidade civil em matéria concorrencial, a Comissão Europeia editou nos últimos anos uma série de documentos sobre o assunto.

Em dezembro de 2005, a Comissão Europeia publicou um ―Livro Verde‖154 sobre o tema (“Green Paper on Damages Actions for Breach of the EC Antitrust Rules”), o qual identificava os principais obstáculos para a responsabilidade civil por infrações concorrenciais no âmbito da União Europeia e colocava em discussão alguns temas para aperfeiçoamento do sistema155.

Em abril de 2008, como resultado das inúmeras contribuições e respostas ao Livro Verde recebidas pela Comissão Europeia, foi publicado um ―Livro Branco‖ sobre o assunto (“White Paper on Damages Actions for Breach of the EC Antitrust Rules”)156. As principais recomendações apontadas no Livro Branco são as seguintes:

i) com relação à legitimidade para pleitear indenização, o Livro Branco esclarece que, como decorrência do julgado da Corte Europeia de Justiça no caso “Manfredi” segundo o qual ―qualquer pessoa‖ pode pleitear a reparação por danos sofridos, os chamados compradores indiretos – i.e., aqueles que não negociaram diretamente com os infratores, mas sofreram danos em decorrência do repasse do sobrepreço – possuem legitimidade para propor ações de indenização; ainda com relação à legitimidade, o Livro Branco recomenda a adoção de medidas para reforçar os mecanismos de tutela coletiva, tais como ações movidas por representantes dos prejudicados (e.g., associações de consumidores, órgãos estatais, associações comerciais, etc.) e demandas coletivas segundo o sistema de “opt-in”, em que os prejudicados poderiam agregar os pleitos em uma única demanda;

154 Os chamados ―livros verdes‖ são documentos publicados pela Comissão Europeia contendo reflexões

sobre determinado assunto de interesse comunitário, com o objetivo de colher as opiniões dos interessados. Os chamados ―livros brancos‖, por sua vez, podem ser emitidos na sequência de um ―livro verde‖ e contém propostas de ação sobre o tema em questão em nível comunitário.

155 Comissão Europeia, Green Paper..., cit.. p. 4. 156

Comissão Europeia, White Paper on Damages Actions for Breach of the EC Antitrust Rules, 2008, disponível em: <http://ec.europa.eu/competition/antitrust/actionsdamages/index.html>. Acesso em: 2.abr.2013.

ii) o Livro Branco esclarece que as decisões condenatórias proferidas pela Comissão Europeia são vinculantes perante os tribunais dos Estados Membros com relação à existência de infração concorrencial; o Livro Branco apresenta recomendação no sentido de que as decisões definitivas por parte das autoridades nacionais de defesa da concorrência dos Estados Membros também possuam referido caráter vinculante;

iii) o Livro Branco reafirma o princípio da ampla reparação dos danos (“full

compensation”), segundo o qual as vítimas devem ser ressarcidas em toda a

extensão dos prejuízos sofridos, o que inclui tanto os danos emergentes como os lucros cessantes; com relação à quantificação dos danos sofridos, a Comissão Europeia, reconhecendo as dificuldades decorrentes do cálculo preciso dos prejuízos decorrentes de infrações concorrenciais, defende a ampla aceitação de métodos de cálculo baseados em estimativas, recomendando a elaboração de diretrizes não vinculantes sobre os critérios para quantificação dos danos, a serem levadas em conta pelos tribunais dos Estados Membros;

iv) o Livro Branco defende que a chamada “pass-on defense” – i.e., alegação de que o suposto prejudicado não tem direito a indenização nas hipóteses em que tenha repassado o sobrepreço para o elo seguinte da cadeia produtiva – deva ser aceita pelos tribunais dos Estados Membros, como forma de evitar o enriquecimento sem causa dos autores e a sobreposição de indenizações a serem pagas pelos réus;

v) com relação à prescrição, o Livro Branco, reconhecendo o caráter sigiloso dos cartéis e demais infrações concorrenciais, recomenda que os prazos prescricionais permaneçam suspensos até a cessação da infração, no caso de infrações continuadas, bem como durante o período no qual a vítima não tinha condições de ter ciência da infração; e

vi) com o objetivo de evitar que as ações de indenização constituam fator de desestímulo à celebração de acordos de leniência, o Livro Branco: (a) recomenda que seja conferida proteção quanto aos documentos sigilosos das empresas disponibilizados às autoridades no contexto da celebração de um acordo de leniência; e (b) coloca em discussão a possibilidade de ser editada norma limitando

a responsabilidade civil de empresas ou indivíduos que sejam signatários de acordos de leniência, fazendo expressa ressalva de que, no exame da proposta, deverá ser levado em conta o potencial impacto de eventual norma nesse sentido sobre o direito dos prejudicados a obterem indenização157.

Posteriormente, foram tomadas as seguintes inciativas com relação a temas específicos discutidos no Livro Branco: (i) a Comissão Europeia encomendou estudo sobre os critérios para quantificação dos danos em matéria antitruste158 e, posteriormente, submeteu a consulta pública minuta de documento contendo orientações com relação aos danos causados por práticas anticompetitivas, bem como sobre os principais critérios de quantificação159; e (ii) o Programa de Trabalho da Comissão Europeia de 2012 estabeleceu como metas assegurar a reparação de danos, aperfeiçoar a interação entre as esferas pública e privada na aplicação do direito concorrencial, bem como aperfeiçoar os mecanismos de tutela coletiva em matéria antitruste160.