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Forças Armadas na Segurança Interna

No documento Forças armadas na segurança interna (páginas 125-129)

Secção V Síntese comparativa

EVOLUÇÃO DAS FORÇAS ARMADAS DE MOÇAMBIQUE

3. Forças Armadas na Segurança Interna

Com o Decreto-lei n.º 54/75139, de 17 de Maio, o Governo de Transição tinha decretado a criação de um Corpo de Polícia, directamente dependente do Ministério da Administração Interna, cuja missão era assegurar a manutenção da ordem e segurança das pessoas, a prevenção e repressão da criminalidade, a protecção e defesa dos cidadãos e dos seus bens e a defesa dos interesses do Estado e do Povo Moçambicano.

A composição deste Corpo de Polícia é híbrida.

Por um lado, compreendia o pessoal das FPLM e por outro, o pessoal das Forças Armadas Portuguesas, bem como o pessoal da Polícia de Segurança Pública Colonial.

Por maioria de razão, com a proclamação da independência nacional, este Corpo de Polícia ficou sem legitimidade para o novo Estado assumi-lo perfeitamente, por duas razões, porque tinha sido criado no âmbito de um Governo de transição bipartido entre a FRELIMO e Portugal e porque incorporava elementos da polícia portuguesa que tinha sido responsável pela repressão dos moçambicanos durante a época colonial.

Por essa razão, a nova Constituição previu apenas na alínea c) do artigo 48.º, como competências do Presidente da República, nomear e demitir o comandante-geral e vice-comandante do Corpo da Polícia de Segurança de Moçambique.

138

Publicado no Boletim da República, I Série, n.º 15, de 29 de julho de 1975. 139

O entendimento sobre a existência de um Corpo Policial é expressamente manifestado em 1979, quando se cria a Polícia Popular de Moçambique (PPM). Diz-se na nota preambular da Lei n.º 5/79, de 26 de maio, que ―Os órgãos policiais constituem, em qualquer sociedade, um dos instrumentos fundamentais para o exercício do poder das classes dominantes e a consequente preservação dos seus interesses. Nos regimes capitalistas, a polícia é um órgão de repressão do Povo. Ela representa o poder da burguesia, serve os seus interesses e aspirações. O Povo moçambicano conhece esta realidade através da sua história recente (...)‖140.

O aspecto mais interessante nesta não relevância de um corpo de polícia criado no período transitório reside ainda no facto de as suas estruturas e pessoal terem resultado do Acordo de Lusaka e num sistema bipartido. Assim, ―com o derrube do colonialismo português, foi destruído o poder da burguesia colonial. Criaram-se as condições para que a classe operária e o campesinato efectivamente possam exercer o poder que agora é seu, a todos os níveis e em todos os sectores da sociedade‖.

Com este pequeno introito, afirma-se positivamente que as Forças Armadas tinham também um papel determinante na segurança interna, sendo elas o instrumento fundamental para a manutenção da ordem e tranquilidade públicas. Infelizmente, como afirma João André Ubisse NGUENHA, ―(...) o fim da guerra colonial e a proclamação da Independência Nacional não foram seguidos da instauração do clima de paz que era de esperar em Moçambique (...)‖141. Com efeito, no ano imediato à independência, no dia 3 de março de 1976, o Presidente Samora Moisés Machel, Chefe do Estado Moçambicano, fez uma comunicação à Nação, alertando sobre a agressão que o País estava sofrendo, nos seguintes termos:

140

Publicada no Boletim da República, I Série, n.º 60, de 26 de maio de 1979. 141

«(...) moçambicanas e moçambicanos ... estão a ser mortos. O nosso território está a ser atacado, o nosso povo está a ser massacrado. A República Popular de Moçambique está a ser agredida.

O regime criminoso e irresponsável de Ian Smith desencadeou uma guerra de agressão contra a República Popular de Moçambique. Menos de dezoito meses depois de ter assinado o acordo de paz com Portugal, o Povo moçambicano é forçado a fazer face às agressões desesperadas de um colonial-fascista.

Depois de uma longa série de provocações armadas contra a República Popular de Moçambique, na noite de 23 para 24 de Fevereiro, as forças do regime racista de Ian Smith desencadearam um ataque em larga escala contra o território nacional (...)”142.

Esta agressão da minoria branca racista de Ian Smith, Chefe do Governo da então Rodésia do Sul (hoje, Zimbabwe), evoluiu rapidamente e assumiu a forma de «guerra de desestabilização política e económica» 143 . O desenvolvimento interno desta ilegítima agressão foi impostado internamente à MNR (Mozambique National Resistence), mais tarde domesticado para RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique), organização de carácter militar criada e patrocinada pelo referido Governo minoritário da Rodésia do Sul, integrando elementos rebeldes recrutados pelos Serviços de Segurança Rodesianos entre moçambicanos no país e na diáspora144.

Face a este cenário, imediatamente foram adoptadas medidas de carácter militar e de mobilização popular para a defesa do país o que impediu o nascimento e edificação de uma estrutura de segurança interna que fosse diversa das Forças Armadas.

142

Publicado no Boletim da República, I Série, n.º 26, de 3 de março de 1975. 143

ABRAHAMSSON, Hans e NILSSON, Aders. Moçambique em transição, ob. cit., [125], p. 158.

144

Conferir sobre as origens, caracterização e trajectória da RENAMO, VINES, Alex, Renamo:

from terrorism to Democracy in Mozambique? Revised and Updated Edition, Centre for

Southern Studies, University-Center of York, 1996 e OLIVEIRA, Paulo. Dossier Makwakwa, RENAMO: uma descida ao coração das trevas. Lisboa: Europress, 2006.

Com o desenvolvimento da guerra de desestabilização nacional, a defesa da soberania e da integridade territorial tornou-se, efectivamente, a prioridade do Estado. Com efeito, foram adoptadas medidas de mobilização geral, dentre as quais a institucionalização do serviço militar obrigatório, visando a organização da participação activa dos cidadãos na defesa do País e da Revolução145.

A par da organização deste serviço, em 1979, através da Lei n.º 5/79, de 26 de Maio, criou-se a primeira Polícia Popular da República de Moçambique, revogando-se o Corpo de Polícia, que tinha sido criado no período de transição para a independência. O objectivo daquela recém-criada instituição era enquadrar a nova fase de estruturação das forças na sua forma, conteúdo e métodos de acção, que reflictam a natureza de classe do novo poder e sejam efectivamente instrumento da ditadura do proletariado146.

A principal função das novas forças policiais é a de assegurar a defesa da revolução e os interesses da sociedade, o respeito e a defesa da Constituição, preservar a ordem e a tranquilidade públicas, prevenindo e reprimindo o crime, garantir o clima de paz necessário à construção da sociedade socialista, a protecção das conquistas revolucionárias (art.º 2 da Lei n.º 5/79).

As forças policiais tinham, como missão essencial, tendo em conta a situação de guerra que já prevalecia, apoiar as forças armadas na defesa da soberania nacional e integridade territorial e se subordinavam ao Comandante- Chefe das Forças Armadas, nomeadamente o Presidente da FRELIMO, embora organicamente se enquadrasse no Ministério do Interior.

As forças policiais, na segurança interna, tinham a uma missão-auxiliar de apoiar as FPLM na defesa da soberania nacional e integridade territorial; apoiar o Serviço Nacional de Segurança Popular na prevenção e combate às acções contra-revolucionárias; participar na reconstrução nacional e apoiar o desenvolvimento sócio-económico do país; apoiar a reeducação e recuperação dos marginais e criminosos e colaborar estreitamente com as estruturas populares,

145

Preâmbulo da Lei n.º 4/78, de 23 de março, publicada no Boletim da República, I Série, n.º 35, de 23 de março de 1978.

146

nomeadamente Deputados das Assembleias do Povo e membros das Organizações Democráticas de Massas (art.º 2, n.º 1 da Lei n.º 5/79).

Concluindo, as Forças Armadas de Moçambique, no período em análise, tinham manifestamente um carácter partidário, pois a sua direcção política e acção fundavam-se na direcção política da FRELIMO. O Comandante-Chefe das Forças Armadas era, constitucionalmente, o Presidente da FRELIMO e por inerência dessa função era automaticamente Presidente da República Popular de Moçambique e da Assembleia Popular.

Portanto, havia uma subordinação do Estado, das estruturas administrativas, da defesa nacional e das Forças Armadas à FRELIMO e mais particularmente ao Presidente da República, que preside o Parlamento, dirige o Governo, tem iniciativa de lei, é Chefe do Estado e Comandante-Chefe das FPLM.

A defesa nacional adoptava um conceito amplo, próprio dos Estados socialistas, com influência da extinta União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Portanto, não havia uma fronteira entre a segurança interna e externa; entre inimigo externo e inimigo interno.

A guerra de desestabilização nacional movida pela RENAMO propiciou e cimentou o conceito amplo de defesa nacional e prejudicou a criação de um Estado forte na perspectiva política, social, cultural e económica.

No documento Forças armadas na segurança interna (páginas 125-129)