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Subordinação das Forças Armadas ao poder político

No documento Forças armadas na segurança interna (páginas 48-54)

CAPÍTULO III DIREITO COMPARADO

2. Subordinação das Forças Armadas ao poder político

De 1974 a 1982, as Forças Armadas não estavam, plena e substancialmente, subordinadas ao poder político civil61. Portanto, as Forças Armadas tinham um ―autogoverno” 62

, subordinando-se ao Conselho

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Cfr. SANTOS, Loureiro dos. ―Reflexões sobre Estratégia – Temas de Segurança e Defesa‖, in:

Instituto de Altos Estudos Militares e Publicações Europa-América. Mem Martins: 2000, p. 79.

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AMARAL, Diogo Freitas do. ―A Constituição e as Forças Armadas‖, ob. cit., [3], p. 99. 62

Revolucionário do Movimento das Forças Armadas. Com efeito, a Lei n.º 3/74, de 14 de maio de 1974, estabeleceu uma separação entre o poder militar e o poder civil. O Governo não tinha competências relativamente às Forças Armadas e estas governavam-se por si próprias, através da Junta de Salvação Nacional e do Conselho do Estado Maior General, respondendo unicamente ao Presidente da República.

A Constituição de 1976, mantendo o autogoverno das Forças Armadas, prescreveu que o Presidente da República, eleito por sufrágio universal e directo, é o Comandante Supremo das Forças Armadas e Presidente do Conselho da Revolução e pelas circunstâncias marcantes da época de 1976 a 1980, o Presidente da República tornou-se igualmente o Chefe de Estado Maior General das Forças Armadas, por acumulação. Nesta época é como afirma FREITAS DO AMARAL que tal solução não era imposta pela Constituição ou pela lei, mas ―… porque as circunstâncias levaram a adoptá-la. Havia, pois, uma importante concentração de poderes no mesmo homem: todavia, embora sendo um militar, o Presidente da República fora eleito por sufrágio directo e universal, o que permitia manter – menos formalmente – o respeito pelo princípio da subordinação das Forças Armadas ao poder civil‖63.

A Assembleia da República, com a Constituição de 1976, passou a concentrar as competências legislativas sobre a defesa nacional e as Forças Armadas, votando, igualmente, o orçamento das Forças Armadas elaborado, não pelo Governo, mas pelo Conselho de Chefes de Estado-Maior e sob orientação directa do Presidente da República.

Porque o Governo, na época 1976-1982, não tinha competências na matéria da defesa nacional e Forças Armadas, o Ministro de Defesa Nacional não dirigia e nem fiscalizava as Forças Armadas, sendo apenas um elemento de ligação entre o Governo e as Forças Armadas e representante de Portugal nas reuniões militares de âmbito internacional.

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Na Constituição de 1976, dispunha-se que ―As Forças Armadas obedecem aos órgãos de soberania competentes‖, ―Só que a esta proclamação formal não correspondia substancialmente a subordinação das Forças Armadas ao poder político, porque os órgãos de soberania de que elas dependiam eram apenas, para a generalidade dos efeitos, um Presidente da República que, sendo militar, acumulava com o cargo de Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas e presidia ao Conselho da Revolução, composto exclusivamente por militares. As normas em vigor criavam, assim, um sistema de independência informal das Forças Armadas, erigidas em poder autónomo dentro do Estado, que, embora legitimamente instituído e subordinado à Constituição e às leis em vigor, ficava quase por completo fora do alcance jurídico-constitucional do Poder Legislativo e do Poder Executivo‖64.

Em 1982, a Constituição de 1976 é submetida a uma reforma profunda, ocasião em que foram expurgadas todas as normas de conteúdo marcadamente revolucionário: dissolvem-se o Movimento das Forças Armadas e o Conselho da Revolução, o que implicou o fim do autogoverno das Forças Armadas e a transferência das competências do Conselho da Revolução de legislar sobre a organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas à Assembleia da República.

A nova Constituição é adaptada às constituições do ocidente e democráticas do mundo. Assim, consagra-se, expressamente e de forma inequívoca, o princípio da subordinação das Forças Armadas ao poder político civil.

A questão que mais ocupou os debates do processo da reforma constitucional e da elaboração da Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas65, quanto ao Direito da Defesa Nacional e Forças Armadas, tinha a ver com a

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AMARAL, Diogo Freitas do. ―A Constituição e as Forças Armadas‖, ob. cit., [3], p. 99. Por exemplo, o Ministro da Defesa Nacional não podia responder perante o Parlamento por uma política de defesa que não era sua e por uma administração militar que não era por si controlada ou dirigida.

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Lei n.º 1/82, de 30 de setembro de 1982, Lei de Revisão Constitucional e Lei n.º 29/82, de 11 de dezembro de 1982, Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas.

concepção de um novo modelo de distribuição do «poder de defesa» e do «poder de alto comando das Forças Armadas» pelos órgãos de soberania.

Esta questão tem um conteúdo complexo:

a) Competência do Governo relativamente às Forças Armadas

Quanto a esta questão, a Lei de revisão constitucional optou claramente pelo modelo em vigor nas democracias pluralistas do mundo ocidental, de o Governo ser quem responde politicamente perante o Parlamento, contra a opção que pretendia que as Forças Armadas fossem colocadas na dependência directa do Presidente da República, com base nos seguintes argumentos66:

- Segundo o sistema de governo adoptado, o Governo é politicamente responsável perante o Parlamento e não o Presidente da República; deveria existir um membro do Governo que possa assumir perante o Parlamento a responsabilidade pela política de defesa nacional e pela direcção e administração das Forças Armadas, o que ao contrário geraria uma situação de irresponsabilidade política;

- Não seria possível compatibilizar uma política conduzida pelo Governo com uma política de defesa conduzida pelo Presidente da República;

- Existiria uma dificuldade de articulação entre um Orçamento do Estado elaborado pelo Governo e o Orçamento militar elaborado fora do Governo, eventualmente pelo Presidente da República, em articulação com os ramos das Forças Armadas;

- Não seria produtivo que Portugal tivesse um sistema de governo semipresidencial de pendor parlamentar para assuntos civis, combinado com um sistema puramente presidencialista para assuntos militares;

- O modelo português deveria ser o adoptado pela maioria dos países da OTAN, sem excepção para as Forças Armadas. Assim, as Forças Armadas dependem directamente do Governo, em matérias administrativas e financeiras, e indirectamente do Parlamento.

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AMARAL, Diogo Freitas do. ―A Constituição e as Forças Armadas‖, ob. cit., [3], p. 102; MORAIS, Carlos Blanco de. ―Alinhamento sobre o regime …‖ ob. cit., [16], p. 77.

b) Competência do Presidente da República: «comandante supremo» dotado de estatuto honorífico e de poderes moderadores

No sistema português, do modelo semi-presidencial, o presidente da República tem legitimidade saída do sufrágio universal e, por isso, os seus poderes sobre as Forças Armadas inserem-se no ―contexto da dualidade no executivo e a responsabilidade governativa‖, mas num sistema de equilíbrio com o Parlamento, outro órgão saído das eleições, sendo que ao governo se reserva as

funções no âmbito da condução da política geral do país67. O Presidente da República é, por inerência, o Comandante Supremo das

Forças Armadas, com funções de presidir ao Conselho Superior de Defesa Nacional, nomear e exonerar, sob proposta do Governo, o Chefe do Estado- Maior-General das Forças Armadas, o Vice-Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas, quando exista, e os Chefes de Estado-Maior dos três ramos das Forças Armadas, ouvido, nestes dois últimos casos, o Chefe do Estado-Maior- General das Forças Armadas; declarar a guerra em caso de agressão efectiva ou iminente e fazer a paz, sob proposta do Governo, ouvido o Conselho de Estado e mediante autorização da Assembleia da República, ou, quando esta não estiver reunida nem for possível a sua reunião imediata, da sua Comissão Permanente68.

O Presidente da República, ―(…) como uma das «cabeças coroadas» de um Executivo bicéfalo, assume em tempo de paz responsabilidades predominantemente honoríficas, moderadoras, interlocutórias e de coordenação equiordenada (através da presidência do Conselho Superior de Defesa Nacional). Trata-se de competências que, contudo, não lhe conferem um poder político de condução da política da defesa e de direcção da administração superior das Forças Armadas. Quiçá, em tempo de guerra, poderá aumentar o seu poder de codecisão na condução do conflito, podendo, em caso de bloqueamento

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Cfr. QUEIROZ, Cristina. O sistema político e constitucional português. Lisboa: AAFDL, 1992, pp. 33-37.

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Respectivamente, a alínea a) do art.º 134.º; alínea p) do art.º 133.º; alínea d) do art.º 135.º, todos da Constituição da República Portuguesa (CRP).

institucional, demitir o Governo e gerar um quadro político que lhe permita, «de facto», assumir um maior protagonismo decisional‖69.

Cabe ainda ao Presidente da República a direcção superior da guerra, em conjunto com o Governo, dentro dos limites constitucionalmente definidos (n.º 1 do art.º 42.º da LDNFA).

c) Competência da Assembleia da República

A Assembleia da República tem as funções legislativas e de controlo sobre a instituição militar Portuguesa.

No âmbito legislativo, a Assembleia da República aprova, em exclusivo: - Os tratados, designadamente os tratados de participação de Portugal em organizações internacionais, os tratados de amizade, de paz, de defesa, de rectificação de fronteiras e os respeitantes a assuntos militares, bem como os acordos internacionais que versem matérias da sua competência reservada ou que o Governo entenda submeter à sua apreciação [alínea i) do art.º 161.º da CRP];

- A organização da defesa nacional, definição dos deveres dela decorrentes e bases gerais da organização, do funcionamento, do reequipamento e da disciplina das Forças Armadas [alínea d) do art.º 164.º da CRP];

- As restrições ao exercício de direitos por militares e agentes militarizados dos quadros permanentes em serviço efectivo, bem como por agentes dos serviços e forças de segurança.

Quanto ao controlo ou fiscalização e relação com outros órgãos, à Assembleia da República cabe:

- Acompanhar, nos termos da lei, o envolvimento de contingentes militares e de forças de segurança no estrangeiro [alínea i) do art.º 163.º da CRP]; - Fiscalizar a execução da política de defesa e os respectivos resultados, apreciar os actos do Governo e da Administração em matéria de defesa nacional e de organização, funcionamento e disciplina das Forças Armadas (n.º 3 do art.º 7.º da LDNFA);

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- Eleger dois deputados para o Conselho Superior de Defesa Nacional; Em conclusão, a ideia que domina a Constituição Portuguesa é a seguinte: ―a subordinação das Forças Armadas ao poder político civil se deve fazer através da co-responsabilização dos três órgãos de soberania (Presidente da República, Assembleia da República e Governo) em relação às Forças, sem exclusivismo de qualquer deles (…): não deve aceitar-se a «presidencialização», nem a «parlamentarização», nem a «govermentalização» das Forças Armadas‖70. Portanto, tudo baseia-se uma ―(…) relação fiduciária que deverá perdurar ao longo de todo o mandato governativo, sendo expressa através de numerosos actos de «indirizzo politico» (…)‖71

, que deverão assegurar a co-direcção das Forças Armadas, numa triangulação: o governo propõe as medidas de fundo sobre a defesa nacional e FAs ou ao PR; ou à AR; sendo ao PR, este as encaminhará para autorização parlamentar para a sua eficácia (por exemplo, os casos de declaração da guerra, estado de sítio ou de emergência); seno à AR, esta aprovará as leis, que deverão ser referendadas pelo PR.

No documento Forças armadas na segurança interna (páginas 48-54)