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O sistema de governo moçambicano

No documento Forças armadas na segurança interna (páginas 196-200)

Secção V Síntese comparativa

SISTEMA POLÍTICO MOÇAMBICANO

2. O sistema de governo moçambicano

São conhecidos universalmente três modelos de enquadramento dos sistemas de Governo. São eles o parlamentarismo, o presidencialismo e o semipresidencialismo.

O parlamentarismo tem sua origem na evolução histórica da Grã-Bretanha. O parlamentarismo tem as seguintes características de fundo que são elementos permanentes e individualizadores:

- A irresponsabilidade política do Chefe de Estado; pois tem predominantemente funções honoríficas e, genericamente, origem hereditária;

- A responsabilidade política do Governo perante o Parlamento, donde emerge. O Governo é chefiado pelo Primeiro-Ministro, proveniente do partido ou coligação de partidos maioritários no Parlamento;

- A existência de meios de acção recíproca de cada um dos poderes sobre o outro: moção de censura que pode levar à queda do Governo; questão de confiança; interpelações orais e escritas e direito de dissolução do Parlamento a cargo do Chefe de Estado em caso de crise institucional;

- É um sistema condicionado pelo sistema de partidos.

O presidencialismo tem sua origem nos Estados Unidos da América em 1787, e uma das cinco questões mais debatidas pela Convenção de Filadélfia foi a estrutura do órgão executivo:

―A primeira coisa que desperta a nossa atenção é que a autoridade executiva, com poucas excepções, será investida num único magistrado”213

.

213

HAMILTON, Alexander. ―A verdadeira natureza do executivo‖, in: O Federalista, ob. cit., [205], p. 423. O debate girou em torno da natureza deste executivo: Esse magistrado será eleito por quatro anos; e deverá ser reelegível tantas vezes quantas o povo dos Estados Unidos o considere digno da sua confiança (HAMILTON); o executivo deveria ser exercido por um colégio, com um mandato de sete ou dez anos; a sua eleição deveria ser feita por um colégio de

São características essenciais do presidencialismo:

- Separação de funções do Estado (Legislativo, Executivo e Judicial); - O poder executivo é unipessoal;

- Independência rigorosa entre o Executivo e o Legislativo, com uma interdependência por coordenação, caracterizada pelo sistema de freios e contrapesos: ―O Presidente dos Estados Unidos pode ser impugnado por crimes de responsabilidade, julgado, e se condenado por traição, suborno, ou outros crimes ou delitos graves, demitido do cargo‖. Sujeita-se, portanto, a um

impeachment;

- O Presidente dos Estados Unidos tem o poder de devolver um projecto de lei que tenha sido aprovado pelos dois ramos da legislatura, para ser reconsiderado; e o projecto de lei assim devolvido deverá tornar-se lei se, depois dessa reconsideração, for aprovado por dois terços de ambas as câmaras (direito de veto pelo Presidente)214;

- O Presidente será o Comandante Supremo do Exército e da Armada dos Estados Unidos e da Milícia dos diversos Estados, quando convocada para os serviços dos Estados Unidos215;

- O controlo da constitucionalidade pelo judiciário – fiscalização difusa; - Eleição directa ou indirecta do Presidente. No caso dos Estados Unidos é uma eleição indirecta, mas nunca pelo Parlamento.

O semipresidencialismo nasce da evolução do parlamentarismo puro. As causas dessa evolução são bem descritas por FIUZA, e foi:

―Devido a insucessos do parlamentarismo puro na Itália e na própria França, a Constituição francesa da 5.ª República (1958) criou uma nova estrutura de Governo, que foi chamada, a princípio, de parlamentarismo

eleitores escolhidos nos Estados membros (este princípio está inscrito no artigo II, Secção 1, n.º

3 da Constituição, complementado pela Emenda XII, de 1804). 214

HAMILTON, Alexander. ―A verdadeira natureza do executivo‖, in: O Federalista, ob. cit., [205], p. 424.

215

HAMILTON, Alexander. ―A verdadeira natureza do executivo‖, in: O Federalista, ob. cit., [205], p. 424.

imperfeito ou parlamentarismo misto. A Constituição Portuguesa de 1976 adotou sistema semelhante ao francês, com a denominação mais adequada de semipresidencialismo (...)‖216

.

São características do semipresidencialismo ou semiparlamentarismo: - Um Executivo dualista, exercido pelo Presidente e pelo Primeiro- Ministro;

- Independência entre o Presidente e o Legislativo;

- Eleição directa do Presidente da República, que exerce as funções de Chefe do Estado e de Comandante Supremo das Forças Armadas217, sendo eleito directamente pelo Povo218;

- Existência de três órgãos políticos em que cada um se destaca de outro: O Presidente da República; o Governo chefiado pelo Primeiro-Ministro e o Parlamento;

- O Governo responde politicamente perante o Parlamento, o qual pode aprovar moções de censura ou de confiança ao Governo;

- O primeiro-Ministro é designado pelo Presidente da República, sob proposta do partido maioritário no Parlamento (quer venha de coligações, quer consiga maioria absoluta de votos nas eleições parlamentares para resistir politicamente).

216

FIUZA, Ricardo Arnaldo Malheiros. Direito Constitucional ..., ob. cit., [207], p. 214. 217

Por exemplo, em Portugal, ―O Presidente da República representa a República Portuguesa, garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante Supremo das Forças Armadas‖ – art.º 120.º da CRP.

218

―Os regimes semipresidenciais ou semiparlamentares retiraram o Presidente da República

da penumbra em que exercia a magistratura de influência e a presidência das cerimônias nacionais, como se dava no parlamentarismo da 3 ª República Francesa, para conferir-lhe atribuições efectivas no funcionamento do regime. O Presidente passou a personificar a unidade da Nação. Projectou-se como o depositário da confiança popular pela eleição direta. Tornou-se o árbitro para assegurar o funcionamento regular dos Poderes do Estado, o responsável por decisões extraordinárias nos períodos de crise institucional, o titular do poder de nomear e de exonerar o Primeiro-Ministro, o centro da responsabilidade política, o órgão das relações internacionais e das mensagens directas à Nação, o deflagrador de consulta ao Povo na via do referendo e do plebiscito‖ (HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional, 2.ª

Analisados os três modelos dos sistemas de governo, resta qualificar o moçambicano.

O Professor Bacelar GOUVEIA entende que ―Numa aproximação pela positiva, tem se referido que o sistema de governo moçambicano corresponde a

um semipresidencialismo. Com efeito, há quatro elementos que confirmam esta

possibilidade de um sistema semipresidencial, os dois primeiros retirados de outras qualificações de sistema de governo, e os dois últimos como traços singulares do semipresidencialismo:

- A legitimidade democrática electiva do Chefe de Estado, num sistema de eleição separada dos Deputados à Assembleia da República, no contexto das eleições gerais;

- A diarquia no executivo, com distinção entre Chefe de Estado e Primeiro-Ministro;

- O poder de hétero dissolução parlamentar, pois que o poder de dissolução da Assembleia da República existe, sendo exercido pelo Presidente da República, não obstante algumas restrições a que o mesmo se submete;

- A dupla responsabilidade política do Governo perante o Presidente da

República e a Assembleia da República, sendo os membros do Governo

nomeados pelo Presidente da República, e tendo o Governo de se submeter a um juízo político de aceitação por parte da Assembleia da República na aprovação do seu programa‖219

.

Por fim, o ilustre Professor Bacelar Gouveia, a partir dos acentuados poderes do Presidente da República sobre a direcção do Governo, acaba por qualificar o sistema moçambicano como sendo um «semipresidencialismo

presidencializante, em que o pendor da dimensão presidencial é mais acentuado

do que o pendor da dimensão parlamentar»220.

219

GOUVEIA, Jorge Bacelar. Direito Constitucional de Moçambique, ob. cit., [32], pp. 384- 385.

220

Embora não divergente a caracterização do sistema moçambicano com a feita pelo Professor Bacelar, chega-se nesta Tese a uma conclusão assente nos pontos que se seguem.

No sistema moçambicano, como se analisou, o Presidente da República é um órgão incontornável do sistema, detendo amplos poderes sobre os restantes órgãos de soberania. Com efeito, o Presidente da República é, ao mesmo tempo, Chefe do Estado e Chefe do Governo221; tem iniciativa de lei222, exerce a chefia de um Governo que não pode ser censurado pelo Parlamento, isto é, o Parlamento não pode demitir o Governo; tem o poder de dissolver o Parlamento223, quando este não aprova pela segunda vez o PQG; é eleito directamente pelo Povo224; pode vetar as leis da AR, apesar de superável o veto, quando a lei seja aprovada por maioria de dois terços dos deputados225.

O Presidente da República pode ser destituído do cargo. Isto ocorre nos casos em que cometa crimes no exercício das suas funções, sendo a acção requerida pelo Parlamento por uma maioria de dois terços dos deputados226.

Portanto, os meios de intervenção do PR perante o Parlamento são intensos, desde o poder de veto das leis e de dissolução do mesmo. Mas no actual momento, ―a «arma» de veto é mais dissuasiva do que outra coisa, sobretudo na actual situação política do País que faz com que o uso do veto fosse apenas a manifestação de um conflito aberto e substancial no seio do próprio Partido no Poder, mais do que um instrumento essencial no sistema dos checks and balances moçambicano (...). Além disso, nem sempre se deve entender o veto como a representação de uma função negativa; a ameaça da sua utilização pode influir no percurso das negociações ao nível parlamentar e no seio das discussões ao nível do próprio Partido no Poder. Mas, a verdadeira «arma» do Presidente da República em relação ao Parlamento, é a confiança depositada pelo país nele e o

221 Artigos 145 e 200/1 da CRM. 222 Artigo 182/1-alínea d) da CRM. 223 Artigo 158, alínea e) da CRM. 224 Artigo 147/1 da CRM. 225 Artigo 162/3-4 da CRM. 226 Artigo 152 da CRM.

No documento Forças armadas na segurança interna (páginas 196-200)