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1ª fase Auto-

3.1. O PASSADO NO PRESENTE

3.1.2. Formação Académica em Dança.

Em 1991 vim para Lisboa estudar Dança na Faculdade de Motricidade Humana. Vim com um misto de sentimentos, pois na realidade não queria continuar a estudar, só queria dançar, mas foi o compromisso que consegui acordar com a minha mãe. Podia continuar a dançar se fosse para a universidade, e assim inscrevi-me na licenciatura em Dança. Os 4 anos do curso foram repletos de insatisfação, o curso era mais teórico do que prático, tinha de estudar, e não me sentia realizada com as poucas aulas práticas que tínhamos. Tive algum contacto com aulas de improvisação e de composição coreográfica, que procuravam fomentar a criatividade do aluno, mas nessa altura já me tinha convencido que não era criativa. Já estava tão formatada, não tanto na questão da linguagem codificada do Ballet ou da Dança Moderna, mas no conforto de ser o professor a decidir o que é certo e o que é errado em termos de movimento, que rejeitei a responsabilidade de me reconhecer no meu corpo e no meu movimento. Além disso, o facto de sermos avaliados também não facilitava essa experiência.

Com a vinda para a Faculdade passei a gerir sozinha, e de uma forma muito desequilibrada, tanto os meus conflitos quanto as minhas compulsões alimentares. Não tinha horas para as refeições, e a tentativa de evitar o excesso procurando ter pouca comida em casa era facilmente derrotada por uma ida à rua, onde tudo estava ao meu alcance. Em consequência, o meu peso estava sempre a oscilar.

Quando era preciso fazer um trabalho coreográfico para alguma disciplina e tínhamos a liberdade de escolher, eu optava sempre por fazer solos, embora a maioria das minhas colegas preferisse fazer uma coreografia de grupo e convidar outras colegas para serem as suas bailarinas.

Vídeo 3 - Solo apresentado no 3º ano da licenciatura (1993). Copyright [2017] by Raquel Oliveira. (Clicar na imagem ou aceder em https://goo.gl/BClcst)

O desequilíbrio das emoções e a má relação com o corpo e com a alimentação eram uma constante. Sentia-me sozinha e isso era notório na forma como dançava e como coreografava.

Vídeo 4 - Solo apresentado no 4º ano da licenciatura (1995). Copyright [2017] by Raquel Oliveira. (Clicar na imagem ou aceder em https://goo.gl/InFYEG)

Quando alguma colega me convidada para dançar na sua coreografia de grupo, ou o seu solo, eu aceitava, mas sempre que podia evitava trabalhar em grupo, para não ter de depender de ninguém. O meu maior conflito com os trabalhos de grupo, fosse nas disciplinas de Dança ou nas outras, era a questão da liderança e do tempo, que estão ligados com a organização. Não tenho problema de trabalhar em grupo quando alguém competente assume o papel de líder e consegue criar uma sinergia de organização e comunicação entre todos que permita concretizar o trabalho no mais curto espaço de tempo com a participação de todos os elementos. No entanto, quando ninguém assume o papel de líder/coordenador, ou quando o grupo não aceita a liderança de alguém que se propõe, e não se consegue encontrar uma forma de comunicação entre todos que permita organização e distribuição de tarefas por todos os elementos, torna-se demasiado complicado para mim gerir a frustração de sentir que algo está a falhar e que não consigo resolver o problema.

Figura 15 – Mapa Mental: Licenciatura

Apesar de todos os problemas que sentia, era uma das melhores alunas da turma e no último ano tive a oportunidade de acabar a licenciatura fazendo um estágio na Suécia no âmbito do programa Erasmus. Durante estes 4 meses senti que estava no lugar certo, apesar das saudades, dos problemas emocionais e de ter engordado imenso.

O curso era muito mais prático do que teórico e fiz o máximo de aulas que podia, desde o ballet à dança moderna, passando pelas danças tradicionais e pela dança para crianças, até às Sevilhanas e ao Flamenco!

Figura 16 – Foto: Aula de técnica Cunningham. Copyright [2017] by Raquel Oliveira.

Apaixonei-me pelos ritmos e pelo movimento das Danças Espanholas e pela facilidade com que o meu corpo correspondia, já não era preciso debater-me com a falta de força para levantar as pernas nos grand battements e nos developés! Refugiei-me nas Danças Espanholas, tal como me tinha refugiado no Ballet no passado.

Figura 17 – Foto: Aula de Flamenco. Copyright [2017] by Raquel Oliveira.

Mais uma vez, nestas danças tinha alguém a explicar-me o que devia aprender. Deixei definitivamente o Ballet para trás. A Dança Contemporânea nunca me cativou, não estava preparada para me reconhecer e fazer o trabalho de autodescoberta necessário. Talvez por isso, quando tive oportunidade, não tenha lutado com muita convicção para ir estudar na Escola PARTS que a coreógrafa Anne Teresa de Keersmaeker tinha fundado nesse ano.

Figura 18 – Mapa Mental: Danshogskolan

Durante a minha estadia na Suécia e na Danshögskolan frequentei as aulas de técnica Cunningham com a professora Karen Levey, que me incentivou a fazer a audição para entrar na Escola PARTS. Fiz a audição na Suécia e fui aceite diretamente (explicaram-me que estavam a decorrer audições em vários países, que nessas audições alguns alunos eram escolhidos imediatamente e outros teriam de voltar a fazer uma última audição na Bélgica). Não tive de fazer a segunda audição e ainda me ofereceram bolsa! Claro que fiquei muito contente e já imaginava como seria ir viver para a Bélgica e estudar numa escola já com tanto prestígio e que me poderia oferecer tantas oportunidades únicas. Mas quando regressei a Portugal e à minha realidade, o sonho foi-se tornando cada vez mais distante, a bolsa de estudo que me ofereceram não cobria todas as despesas e os meus pais aproveitaram para não me deixarem partir para tão longe durante tanto tempo… Ainda tentei conseguir outras bolsas de estudo em Portugal, mas a verdade é que não me empenhei por completo. Por vezes questiono-me, se tivesse feito este curso, onde estaria eu agora?

Figura 19 – Mapa Mental: Audição PARTS

A necessidade permanente de expressar algo, e de querer partilhá-lo com o outro, entrava em conflito com a minha eterna sensação de não merecer atenção. Partilhar algo implica expô-lo à vista de alguém, mas na minha insegurança interrogava-me se o público me via realmente.

De volta às recordações de infância, lembro-me de um episódio que me ficou registado na memória, em abril de 1983, quando com os meus primos e o meu irmão montámos um pequeno espetáculo. Tanto a sua preparação como a apresentação foram muito divertidas. Esse episódio está lado a lado com a tentativa desastrosa de replicação do mesmo, poucos meses mais tarde, na ânsia de obter as mesmas sensações de prazer. A falta de atenção de que então fomos alvo condicionou as minhas atuações durante muitos anos.

Figura 20 – Foto: O Fiasco. Copyright [2017] by Raquel Oliveira.

Ainda neste âmbito da minha relação com o público, recordo-me de estar a dançar numa apresentação da Licenciatura em Dança e de no final fazer um agradecimento muito rápido e fugir do palco. Uma professora chamou-me a atenção para isso, mencionando que deveria dar ao público a oportunidade de agradecer pelo meu desempenho. Não acreditando que tivessem realmente gostado da minha atuação, fui rápida no meu agradecimento, sem a consciência de que agia como se fosse arrogante e indiferente à opinião do público por não aceitar os aplausos.

Figura 21 – Mapa Mental: Relação com o público