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CAPÍTULO I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

LEARNING APPROACHES

1.7. Processos Colaborativos do Coreógrafo-Bailarino Solista

Analisando os artigos de Barbour (2012), Klein (2016) e Vieira (2013), já mencionados anteriormente, e as teses dos 8 autores que criaram e interpretaram coreografias a solo (Go, 2011; Longley, 2011; Miller, 2010; Murphy, 2008; Pereira, 2010; Taylor, 2008; Valle, 2013; Wolff, 2010), procurei recolher informação acerca das relações colaborativas estabelecidas nos processos coreográficos de cada autor. A maior parte dos textos analisados não tinham informação suficiente, pois os interesses de pesquisa dos autores não passavam por estas questões, no entanto, foi possível identificar a existência de relações de colaboração no artigo de Klein (2016) e nas teses de Miller (2010), Pereira (2010), Taylor (2008) e Valle (2013).

Para criar o seu solo You Are Here no âmbito de um projeto colaborativo chamado Loteria Performing Arts, Klein (2016) estabeleceu relações de colaboração com outros participantes do projeto que a ajudaram a desbloquear algumas dificuldades que sentiu na criação de novos movimentos. Pela descrição da autora depreende-se que existiu também colaboração na criação das luzes para a peça.

Pela curta descrição que fez do seu processo coreográfico para criar a peça solista Clariarce, que promove o diálogo entre a linguagem fotográfica, a linguagem literária e a linguagem corporal da dança contemporânea, Miller (2010) aparenta ter trabalhado sozinha na sua pesquisa coreográfica. No entanto, na criação dos elementos fotográficos e literários trabalhou em colaboração com o ator, diretor e dramaturgo Norberto Presta. Pereira (2010) criou dois espetáculos de improvisação de dança. No primeiro, Divertimento Sacro, trabalhou em colaboração com várias pessoas, e cada um tinha funções bem definidas: “Johannes criou a sua música, Marta o cenário e figurino, Karin sua coreografia e a dança, Rumi e Marta fizeram a iluminação e os filmes, e eu a minha coreografia e a dança (…). Preciso dizer que a essência final da organização do espetáculo em Brösarp foi definida por Marta e Johannes” (Pereira, 2010, p.80). O segundo espetáculo, com o nome de “Improvisação de Dança sobre Quadros de Jawlensky e Música de Bach, Ysaye, Kurtag”, foi apresentado no Museu de Arte de Zurique e o ponto de partida e inspiração central para a dança foi o trabalho de Jawlensky. Pereira (2010) faz uma descrição vaga e muito resumida do processo, mas afirma que teve a colaboração de uma violinista que tocou as peças musicais ao vivo.

Taylor (2008) criou duas performances de improvisação site specific (Immersion/ Excursion: Killeavy e Blasted Away) e uma instalação de video Still Landing também site

specific. A primeira fase de pesquisa coreográfica desta autora consiste em fazer um reconhecimento do local onde vai dançar, e normalmente trabalha sozinha improvisando movimentos no espaço e fazendo pesquisa histórica sobre o local. No entanto, no primeiro trabalho, estabeleceu relações de colaboração com as pessoas com as quais se cruzou no local e que lhe passaram informações sobre as características e eventos que aí aconteceram que influenciaram o seu processo coreográfico. Convidou também uma pessoa para testemunhar o seu processo de preparação da performance com a qual pudesse discutir e demonstrar algumas das suas ideias e, no dia da performance, recorreu a um guia para orientar o público no local. No segundo trabalho, convidou uma testemunha para gravar as suas improvisações na fase de reconhecimento do local, e no dia da performance, recorreu novamente a uma pessoa para orientar o público no espaço. No terceiro trabalho, tal como no primeiro, estabeleceu relações de colaboração com as pessoas com as quais se cruzou e que lhe passaram informações sobre o lugar. Contou ainda com a colaboração de uma pessoa para fazer gravações sonoras para o filme. E na semana em que fizeram as sessões videográficas para a concretização do filme, trabalhou em colaboração com o artista e realizador James Geurts.

Valle (2013) criou três projetos artísticos durante o período de pesquisa para o seu doutoramento: Materia Viva, Figuras e Avec le masque. Os dois primeiros ocorreram exclusivamente em contextos e situações que contaram com a presença de público, sendo no encontro com o outro que ocorreram a investigação, a criação da dança e a produção de diferentes textos falados e escritos ocorrendo assim uma colaboração com o público. A dança foi criada e realizada pela coreógrafa-bailarina no momento, e os discursos e a escrita de textos foram produzidos pelos espectadores participantes e pela autora, que considerava o público como sendo testemunha e cúmplice do seu processo. No projeto Avec le masque, a autora não dá informação suficiente sobre possíveis relações de colaboração que tenha estabelecido.

CAPÍTULO II - METODOLOGIA

A pesquisa efetuada utiliza métodos qualitativos, com características mistas, mas assenta essencialmente numa abordagem etnográfica (Creswell, 2013; 2014; Chambliss & Schutt, 2013), e especificamente na abordagem etnográfica visual (Hockings, 2003; Muntanyola- Saura, 2013; Pink, 2013). Metodologicamente, esta pesquisa prática insere-se no Paradigma Performativo de Haseman (2006) e na definição de Practice-led Research de Smith e Dean (2009). Trata-se de uma investigação relativa à criação e à interpretação coreográficas, cujo duplo resultado, ou output, é a produção e documentação da obra de arte, e a obra de arte propriamente dita (Smith & Dean, 2009).

Processualmente assume-se como uma forma de questionamento da minha prática enquanto bailarina, coreógrafa e professora de Dança, recorrendo ao uso de métodos etnográficos, especificamente a autoetnografia, para refletir sobre as minhas próprias práticas coreográfica, performativa e pedagógica, nas quais a utilização de registos fotográficos e videográficos tem sido, desde o início da minha atividade profissional, um elemento essencial que evoluiu exponencialmente com a realização da presente investigação. A pesquisa qualitativa no domínio artístico (Bresler, 2015; Dankworth & David, 2014; Wright, Bennett & Blom, 2010) que concomitantemente recorre à Dance Ethnography (Aaltn, 2007; Buckland, 1999; Davida, 2011; Frosch, 1999; Irving & Giles, 2011; Longley, 2015; Morris, 2009; Potter, 2008) tem sofrido um grande incremento nas últimas décadas sendo que a pesquisa de processos criativos coreográficos associada à autoetnografia (Go, 2011; Longley, 2011; Taylor, 2008; Thorndike, 2010; Valle, 2013; Wolff, 2010) tem igualmente acompanhado esse incremento.

Apesar de a Practice-led Research contemplar essencialmente a criação artística (Paltridge, Starfield, Ravelli & Tuckwell, 2012; Pakes, 2003), assumo nesta dissertação a documentação da obra coreográfica e da sua produção através de uma escrita que, tal como avança Trimingham (2002), se torna absolutamente necessária para uma submissão ao nível doutoral nas artes performativas, ao permitir uma disseminação dos resultados da investigação útil, justificável e adequadamente analítica.

2.1. Problema

Pessoalmente, como investigadora, foi muito importante ler outras autoetnografias, para perceber que não há uma forma única de fazer pesquisa, ou de fazer autoetnografia, e para confirmar que as ideias e experiências que vivenciei, e os objetivos que estabeleci, tinham pontos em comum com os de outros investigadores. Senti que os autoetnógrafos, ao exporem as suas vivências pessoais, pensamentos e fragilidades, se deram a conhecer, dando-me a oportunidade de refletir e de me identificar com algumas das suas

experiências, e, mesmo quando a vivência do autor era muito diferente da minha, foi possível criar relações e extrair significados profundos, criando pontes entre vidas e contextos tão diferentes, exatamente porque a subjetividade e o lado humano estão presentes no trabalho autoetnográfico. Percebi que este processo de identificação com o ‘outro’ pode ser catártico e contribuir para a resolução de conflitos interiores no leitor, pelo simples facto de perceber que há outros que pensam como ele e que passaram por experiências semelhantes.

Segundo Pace (2012) o produto de um estudo autoetnográfico normalmente tem a forma de uma narrativa evocativa, escrita na primeira pessoa do singular, mas também pode incluir componentes gráficos, audiovisuais e performativos. Na pesquisa prática que me propus desenvolver, para além de infringir um cunho pessoal às reflexões sobre as minhas experiências profissionais e criativas, o produto da minha investigação autoetnográfica pretende assumir uma duplicidade, em que se amplia a escrita reflexiva com a composição de vídeo-documentários que traçam e esclarecem tanto a prática coreográfica como a prática performativa.

Canagarajah (2002) afirma que a autoetnografia permite formas alternativas de contar histórias sobre a pesquisa que diferem das convenções da escrita académica tradicional. Para este autor, a escrita que fornece análises sociais e culturais, críticas e comentários, e também detalhes de histórias pessoais, criativas e vividas, assume-se importante ao oferecer uma forma de resistência às vozes dominantes e privilegiadas no trabalho académico e um tipo de conhecimento que é mais democrático, holístico, ético e inclusivo. A forma como escolhi apresentar a fundamentação escrita desta pesquisa prática difere da convenção académica tradicional. Deliberadamente, escrevo de forma simples, direta e alicerçada na minha prática. Iniciei o processo de criação coreográfica sem fazer qualquer pesquisa para perceber o que outros autores ou outros coreógrafos já estudaram sobre o processo coreográfico. Ao resguardar-me desta informação, não foi minha intenção ser arrogante ou desdenhar e diminuir a importância do trabalho do outro, mas sim focar-me em descobrir uma forma de trabalhar intensamente própria e celebrar o facto de ter conseguido aceitar o desafio de sair da minha zona de conforto e percorrer um caminho inevitavelmente desconhecido e assustador. O que norteou a minha conduta foi a necessidade de testar a minha criatividade e construir uma obra coreográfica original, sem que tivesse de ser necessariamente inovadora. Para mim, ser criativo é simplesmente criar algo. Se conseguir criar algo completamente novo e útil à sociedade no geral tanto melhor, mas nem todas as criações têm de ser inovadoras, nem para as massas, pois podem ter outros propósitos. Penso que se dá demasiada importância à inovação, que tem o seu lugar, mas que não deveria ofuscar tudo o resto, fomentando a ‘histeria do novo’.

The arts, including dance, are often considered inherently creative (…) Creativity is, though, a very nebulous term, and a complex and multifaceted phenomenon that can be conceptualised in many ways. It takes on a multiplicity of meanings in different contexts. While everyone recognises it when they see it, making any satisfactory general definition is inherently difficult. It’s been described in many ways and from many perspectives, and while there is a consensus about many of its features, such as the outcomes of creativity having to be new and appropriate, much disagreement remains. Arriving at a definition that covers all the bases is highly problematic. Even the word “new” presents problems. What do we mean by new? How new does it have to be, and in whose terms? (Mead, 2012, p.1)

Criei uma obra coreográfica original porque teve origem em mim, na minha experiência de vida e no meu trabalho. Esta obra coreo(autoetno)gráfica é única porque retrata a minha vivência e o meu ser, e ninguém poderia criar uma igual. E a importância que ela tem no presente, ou que pode vir a ter no futuro, é relativa, como tudo o que existe entre o nascimento e a morte. É importante para mim e para as poucas pessoas que privam mais diretamente comigo e poderá vir a ter significado para outras no futuro. Esta obra coreográfica e a fundamentação escrita são o testemunho de alguém que se desafiou a fazer várias mudanças na sua vida e a cumprir-se, aceitando que tem algo a dizer e a partilhar, independentemente de quem possa reconhecer, ou não, a sua importância. Holt (2003) fez o relato de uma figura algo marginalizada retratando as tensões pessoais que experimentou ao integrar a sua abordagem pedagógica nos mandatos do programa de ensino universitário e ao tentar publicar o seu artigo autoetnográfico. As suas experiências, e o sentimento de inadequação, fizeram-no questionar-se sobre o valor de continuar a tentar publicar o artigo, mas resolveu insistir porque admitir a derrota seria aceitar a marginalização das suas experiências pedagógicas e o método pelo qual escolheu expressá-las. Para este autor, publicar representou uma pequena, mas significativa vitória pessoal sobre certas perspetivas dominantes (que consideram que o uso do eu como fonte de dados é uma perspetiva autoindulgente, introspetiva e individualizada) e lamenta que a pesquisa autoetnográfica ainda não tenha alcançado a popularidade e o respeito dos seus antecessores etnográficos. Segundo Henrich (2012), na maioria das vezes, as pessoas escolhem escrever uma autoetnografia para entender melhor uma experiência, uma parte da sua vida ou uma parte de si com a qual estão em conflito e são estes pontos em comum, e o desejo de entender esses conflitos, que unem os autoetnógrafos. Para Muncey (2005), o relato etnográfico que fez da sua experiência de gravidez na adolescência contribuiu para um corpo de conhecimento que ajuda a informar a prática da enfermagem. Quando começou os estudos de doutoramento propôs-se fazer

uma variedade de métodos para satisfazer os orientadores e os examinadores da tese. No entanto, simultaneamente, e por curiosidade pessoal sobre as explicações para a gravidez na adolescência, começou a interessar-se pelos significados pessoais de eventos e comportamentos que não são gerados pela pesquisa dominante e isso levou-a ao mundo da autoetnografia, porque esta celebra a história individual, em vez de a demonizar. Para Muncey (2005), o caso desviante pode ser bastante convincente, porque tenta dar credibilidade a uma visão que não se encaixa na perspetiva dominante e pode lançar alguma luz sobre o "outro". Esta autora definiu 4 técnicas que serviram para partilhar a sua história com o mundo académico: fotografias, artefactos, metáforas e percursos. As imagens desempenharam um papel significativo no relato da história desta autora. Uma fotografia é um momento congelado no tempo, uma imagem de algo e uma representação simbólica desse momento. Para preencher algumas lacunas deixadas pelas fotografias, os artefactos como relatórios escolares, diplomas, artigos de jornais, objetos, etc., podem acrescentar elementos adicionais. As metáforas tentam explicar a verdade pessoal e procurar ligações entre as diferentes experiências de vida, enquanto os percursos podem ser literais ou metafóricos. Das 4 técnicas utilizadas por Muncey (2005), nas minhas reflexões, utilizei fotografias e artefactos (relatórios das escolas de Dança, programas e cartazes de espetáculos, etc.) para me recordar do meu percurso na Dança e organizar as memórias cronologicamente, e decidi acrescentar o registo videográfico, porque mostra os movimentos. Tal como o de Muncey, o processo reflexivo que percorro (à semelhança do processo coreográfico) tem uma característica iterativa que avança e recua no tempo e que analisa as imagens (fotografias, artefactos, vídeos) e as memórias a partir da experiência e da reflexão.

Duncan (2004) escolheu um método autoetnográfico não pela liberdade poética que permite, mas por ser o meio mais apropriado para investigar o foco da sua pesquisa: as compreensões tácitas de um praticante envolvido na complexa tarefa de design hipermédia e a maneira mais provável, dadas as circunstâncias, de desenvolver teorias de design. Bartleet (2009) tece uma narrativa autoetnográfica que se centra na sua prática criativa como maestrina. Movendo-se entre descrição e ação, diálogo e introspeção, a sua narrativa revela algumas das complexidades de refletir e de escrever sobre a música desta forma. Esta autora afirma que, embora a sua narrativa esteja fundamentada nas suas próprias experiências, revela questões significativas mais amplas sobre o processo de fazer autoetnografia, sobre a profissão de maestro e sobre a cultura e prática da produção musical no geral. Ao ler outras autoetnografias, apesar de não estarem diretamente relacionadas com a vida musical, Bartleet (2009) identificou-se com muitas das ideias e relacionou-as com as suas vivências como maestrina, dando origem a uma infinidade de ideias e maneiras de pensar sobre as suas experiências musicais. Tal como Duncan

(2004), escolhi a autoetnografia não pela sua liberdade poética, mas para poder analisar a minha própria prática coreográfica de forma mais sistemática. E considero que a minha autoetnografia, embora se centre nas minhas vivências, poderá dar conta de outros contextos onde a prática coreográfica se insere, revelando questões mais amplas sobre a pesquisa em Dança e sobre a profissão de coreógrafo e de bailarino em Portugal.

Como se verificou no enquadramento teórico, a maioria dos estudos realizados sobre os processos de composição coreográfica centram-se nas relações de colaboração entre o coreógrafo e o bailarino (nas coreografias a solo), ou o grupo de bailarinos (nas coreografias de grupo), e na criatividade que emerge fruto dessa interação (Ashley, 2005; Barbour, 2008; Butterworth, 2004; Carter, 2000; Clifford, 2012; Dantas, 2005; Farrer, 2014; Fenton, 2011; Finn, 2013; Kloppenberg, 2010; Mason, 2009; Mason & Dalman, 2009; Stevens & Glass, 2005; Stevens & McKechnie, 2005). Na revisão da literatura efetuada, entre os 5 artigos (Bannon & Kirk, 2014; Barbour, 2012; Daltro & Matsumoto, 2016; Klein, 2016; Vieira 2013) e as 8 teses práticas (Go, 2011; Longley, 2011; Miller, 2010; Murphy, 2008; Pereira, 2010; Taylor, 2008; Valle, 2013; Wolff, 2010) centradas na criação artística do coreógrafo-bailarino solista, a informação reunida sobre os processos coreográfico, performativo e colaborativo é reduzida. Quais as diferenças e semelhanças entre os diferentes processos coreográficos (coreógrafo e bailarino, coreógrafo e bailarinos, coreógrafo-bailarino)? De que forma é que, no mesmo corpo, a experiência do “bailarino” dialoga com a experiência do “coreógrafo”? Onde e como é que o coreógrafo-bailarino solitário vai buscar inspiração? Como é que o coreógrafo-bailarino se auto valida no seu processo solitário? Como é que sente e vive os limites do seu processo criativo? De que forma pode confiar em si e no seu processo criativo, sem se deixar invadir pela dúvida? Como pode identificar e reconhecer a qualidade da sua mensagem? De que forma é que os seus níveis de autoestima o aproximam ou afastam do seu processo criativo?

SOLITUDE is out of fashion (…). Most of us now work in teams, in offices without walls, for managers who prize people skills above all. Lone geniuses are out. Collaboration is in. But there’s a problem with this view. Research strongly suggests that people are more creative when they enjoy privacy and freedom from interruption (Cain, 2012, § 1-2)

O meu objetivo principal ao desafiar-me para realizar este tipo de pesquisa prática era criar uma obra coreográfica solista com duração entre 45 a 50 minutos, não apenas para apresentar na tese, mas também para reformular o meu percurso como bailarina- coreógrafa. Na realidade, o meu problema era muito simples: iria ser capaz de compor uma obra coreográfica solista de 45 minutos, utilizando uma linguagem própria que não recorresse a uma técnica específica de Dança pré-estabelecida? Tinha anos de

experiência como bailarina, como professora de Dança e como coreógrafa, principalmente na área das Danças Espanholas. Já compus imensas coreografias para mim, para as alunas e para as bailarinas, e já produzi vários espetáculos de uma hora, onde dancei solos curtos e coreografias de grupo, mas a verdade é que nunca tinha criado um solo de 45 minutos. E nunca me tinha permitido coreografar a linguagem específica do meu corpo, nem tinha criado um espetáculo que retratasse a importância que o Yoga tinha tido na minha vida. Sabia que queria criar um espetáculo de 45 ou 50 minutos, que incluísse Dança (o meu movimento) e Yoga (posições, movimentos, respiração e ensinamentos em forma de poemas), mas como iria concretizar esta ideia? E qual seria o contributo das técnicas de respiração e de meditação do Yoga, que pretendia utilizar, para o processo de criação e de interpretação da obra coreográfica? De que forma é que o meu estado de consciência seria alterado pelas técnicas corporais do Yoga durante o processo de criação e durante a interpretação da obra coreográfica?

Simultaneamente, queria perceber até que ponto iria trabalhar realmente sozinha, e a partir de quando iria precisar da colaboração de outras pessoas, tanto no processo coreográfico como no processo performativo. Sabia que, pelo menos no processo performativo, em princípio, iria ter necessidade de recorrer a outras pessoas, ainda que fosse apenas na confeção do figurino, ou na conceção das luzes. Mas primeiro teria de passar pela experiência concreta de coreografar e de interpretar a obra coreográfica, para poder recolher e analisar os dados e confrontar o que tinha planeado e imaginado que iria acontecer, com a realidade do que de facto aconteceu durante o processo coreográfico e performativo.

Antes de continuar considero importante esclarecer também a minha utilização dos termos bailarino-coreógrafo e coreógrafo-bailarino. Ambos têm o mesmo significado: um indivíduo que em determinado momento assume as duas funções simultaneamente, criando e interpretando uma obra coreográfica solista. Normalmente é raro que alguém trabalhe exclusivamente desta forma, pois ao longo da sua carreira, a maioria dos profissionais trabalha também com outros bailarinos criando coreografias a solo ou em grupo. Portanto,