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3 FORMAÇÃO DE PROFESSORES DO CAMPO: UMA CONSTRUÇÃO

3.3 FORMAÇÃO CONTINUADA EM DOMINGOS MARTINS/ES

Diante de um município com caraterísticas campesinas, onde a maioria de seus alunos reside e estuda em escolas do campo, a Secretaria de Educação e Esporte de Domingos Martins (SECEDU) percebeu a necessidade de dialogar a respeito dessa questão e empreender um estudo para que, os profissionais ligados à educação, pudessem estudar a respeito do que era a educação do campo, construindo assim, saberes.

Essa formação continuada vem se fortalecendo por meio da promoção de diálogos, dando um caráter reflexivo para as discussões sobre o estudo das questões campesinas, de modo que essa se tornou uma política pública que, independente da mudança de gestão, continua firme, na pauta de formação continuada no interior das escolas do município de Domingos Martins (NICKEL, 2018).

Algo que foi fundamental para a mudança de concepção e para a implementação dessa formação foi o fato de, desde 1995, já havia uma preocupação em ter uma formação diferenciada para os professores que atuavam nas escolas do campo do município.

A partir de visitas as instituições de ensino, ao ouvir os professores, a Secretaria Municipal de Educação, percebeu a necessidade de motivar o grupo docente a uma reflexão sobre o território em que a escola estava situada, de modo, que se observasse que aquele espaço era constituído de sujeitos que queriam ser ouvidos em suas individualidades (NICKEL, 2018).

Foi assim que, em 2005, como nos diz Hehr (2015) e Nickel (2018) a secretária de municipal de educação Gerlinde Weber estabeleceu um diálogo com o Professor Dr. Erineu Foerster da UFES com o objetivo de firmar uma parceria para que houvesse formação para os professores do campo.

Assim, em 2007, por meio de uma parceria SECEDU e UFES, deu-se início a um curso de extensão em educação do campo, que acontecia à noite nos distritos de Paraju e Melgaço, participando aproximadamente 120 professores.

Posteriormente, no ano de 2010, foi oferecido um curso de especialização através do

[...] Programa de Pós Graduação da Universidade Federal do Espírito Santo em parceria com a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI), ofertou o curso de especialização: Educação do Campo: Interculturalidade e Campesinato em Processos Educativos na modalidade à distância, pela UAB tendo como principal objetivo formar profissionais em nível lato-sensu nas escolas campesinas (NICKEL, 2018, p. 26).

Essa especialização ampliou a formação do grupo docente, que, a partir dos estudos ia se apropriando dos conhecimentos que norteavam a educação campesina, possibilitando uma reflexão para uma mudança da práxis educativa nas instituições escolares.

Vendo a necessidade de ampliar os diálogos e transformar a prática docente sobre o tema em estudo, essa formação chega até as escolas, de modo a promover debates e estudos de textos para que todos os professores pudessem ter acesso a esses conhecimentos, de modo a compreender melhor os saberes que norteiam o meio campesino, sempre tendo como parceiros a UFES e seus professores (NICKEL, 2018).

A formação continuada aqui empreendida pelo município de Domingos Martins, através do Centro de Pesquisa, Apoio Pedagógico e Formação de Profissionais da Educação se constitui como um exemplo de formação que visa o diálogo entre os pares, pois, nada melhor do que os professores campesinos estudarem e dialogarem sobre esse espaço que é detentor de saber e formador de sujeitos críticos e ativos que buscam transformação social para superar a alienação e buscar a emancipação humana.

Como forma de registrar a participação de todos os professores e suas aprendizagens coletivas nas instituições de ensino, como nos diz Hehr (2015) e Nickel (2018), em 2012, por meio da EDUFES, foi publicado o livro “Educação do Campo: Saberes e Práticas”, resultado da formação continuada do ano de 2010.

Todos esses anos de formação foram tão bem pensados e articulados que, em 2014, iniciou-se a produção do Documento Curricular, que contou, como nos diz Nickel (2018) com uma Equipe Sistematizadora composta por representantes da educação infantil, anos iniciais e anos finais do ensino fundamental, além de uma equipe formadora composta pelos membros internos da equipe pedagógica da SECEDU.

Esse documento já se encontra nas escolas, pois, por meio dele as práticas pedagógicas podem ser melhor direcionadas, acontecendo a interlocução com os diferentes sujeitos para que haja a promoção do diálogo e da transformação social, evidenciando assim, que não se deve ficar somente na formação, mas é preciso garantir meios que os saberes construídos possam chegar até os alunos e alunas, bem como toda a comunidade escolar.

Quando pensamos em uma formação continuada, temos como base os estudos de Freire (1996) que traz a reflexão que somos seres inacabados, que estamos em constante mudança e, por consequência, em construção, daí a importância do professor se reconhecer como tal, para, por meio do diálogo entre os pares, poder aprender com o outro de forma recíproca, numa troca de experiências.

Dialogar sobre aspectos que norteiam a educação do campo é uma tomada de atitude humana, pois, ao reconhecermos o espaço em que estamos atuando como professores, conseguimos perceber que “[...] devo respeito à autonomia e à identidade do educando [...]” (FREIRE, 1996, p. 61), de modo que essa ação seja exercida pela ética e pelo respeito que devem sempre perpassar o saber docente. Paulo Freire (1921-1997) foi um grande educador brasileiro que, em suas produções literárias contribuiu de forma significativa para ressignificar a educação brasileira, de modo a nos fazer entender que somente quando reconhecermos o outro como ser histórico, dotado de um saber cultural, poderemos compreender que o saber acontece por meio de trocas de experiências através do diálogo (FREIRE, 2016).

Diante dessa concepção, é necessário a todo professor uma formação que o possibilite repensar sua prática e principalmente, reconhecer que o saber só pode se constituir com a ajuda do outro, pois “o diálogo, é este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunciá-lo [grifo do autor], não se esgotando, portanto, na relação eu-tu” (FREIRE, 2016, p. 45).

Para Freire, a docência não se restringe apenas a uma habilitação legal, mas ela se constrói por meio da interação com os alunos e da tomada de consciência que o saber deve ser construído no coletivo, de modo recíproco, porém ele deixa claro que não se pode negar a teoria e a reflexão, pois por meio delas, o docente reflete sobre sua própria prática, compreendendo sua condição intelectual e política (CUNHA, 2017).

Freire (2016) traz em uma de suas obras referência a uma educação baseada na concepção bancária, pois o professor sabe os conteúdos e deposita-os nos alunos, que são vistos como seres passivos, que tem a obrigação de aprender tudo, arquivando os saberes, sem questionar nada, ficando esse aluno limitado, pois não exerce sua criatividade e sua expressividade.

Por meio dessa concepção bancária, o professor é aquele que disciplina, detém o conhecimento, exerce sua autoridade se tornando o único sujeito neste processo, enquanto os estudantes são meros receptores, alienados, que escutam tudo disciplinados, sendo meros objetos (FREIRE, 2016).

Essa educação aqui apresentada serve a classe dominante, que tem como objetivo oprimir, pois, quanto mais alienados os indivíduos são, mas oprimidos podem ser, sendo privados de uma consciência crítica e por isso, se tornam alienados, aceitando todo o tipo de dominação, sem questionar ou exigir mudança (FREIRE, 2016).

Frente a isso, é necessária uma formação continuada que dê ao professor essa visão de educação, pois, muitos docentes, servem a essa concepção e reproduzem, no interior de suas salas de aula, situações de opressão, limitando seus alunos, sem às vezes se dar conta dessa ação.

Muitos apresentam essas atitudes, porque também se encontram alienados e presos às amarras dos dominadores, que, ao dominarem, manipulam e exercem uma

influência que muitas vezes é camuflada, fazendo com que haja aceitação por parte dos professores que acreditam ser essa a melhor forma de “controlar” os alunos.

Zitkoski (2017) relata que Freire sempre defendeu a dialogicidade, porque para o mesmo, o processo dialético-problematizador é uma oportunidade de ver o mundo e a existência da sociedade como um processo construtivo, como algo inacabado que está em constante transformação.

Quando dialogamos sobre um determinado assunto, aprendemos a pensar criticamente e com isso vamos construindo nossa identidade. Para Zitkoski (2017, p. 117) “[...] o diálogo implica uma práxis social, [grifo do autor], que é compromisso entre a palavra dita e nossa ação humanizadora”, deixando claro que, ao promover dentro de uma sala de aula essa troca de saberes, o docente contribuirá para a emancipação dos sujeitos que se formam a partir dessa ação reflexiva.

A dialogicidade é prática contrária à educação bancária, pois por meio dela o professor se coloca numa posição de igualdade junto ao seu aluno, reconhecendo que a aprendizagem é um ato coletivo e mediado (FREIRE, 2016).

Por isso, aprender essas possibilidades em uma formação continuada é contribuir para a construção de identidades capazes de saber refletir e reconhecer as situações de opressão na qual somos vitimados.

A esse respeito Meneses (2009) corrobora com Freire (2016) nos dizendo que quando a educação assume caráter humanista e libertador, professores e alunos se tornam sujeitos do processo, em que ambos se dispõe a transformar a realidade por meio da criticidade e do diálogo.

A Pedagogia Libertadora defendida por Freire é de caráter humanista, pois a prática educativa deve se caracterizar por uma prática social que o autor chama de práxis [grifo nosso], que, de acordo com Freire (2016, 38) “[...] implica na ação e reflexão dos homens sobre o mundo para transformá-lo”, sendo essencial ao professor, nos dias atuais, já que é preciso potencializar a educação, assumindo um papel de agente transformador.

A pedagogia defendida por Freire é

[...] da práxis, sustentando sua aplicação na ação/reflexão, no saber/fazer, ela supera posições idealizadas. Não há, portanto, princípio, término ou interrupção. Não cabem certezas, nem absolutização das diferenças. No diálogo, tudo pode ser problematizado. É uma Pedagogia do movimento,

consequentemente, modificável, permitindo inovações, modificações, desenvolvimento, complementos, mudanças, explicações, inclusive contradições, próprias de uma posição não dogmática (SOUZA, 2016, p. 75).

Nesse excerto é evidente que a práxis é o que sustenta toda essa pedagogia e, por ela estar em movimento, precisa estar baseada nas necessidades do grupo na qual ela se desenvolve, por isso, desenvolvê-la dentro de uma concepção voltado para o espaço campesino é algo pertinente e atual, já que é um lugar de peculiaridades que deve ser valorizado pelo diálogo e pela troca de saberes, encontrando campo favorável dentro da escola.

Ao nos referirmos a uma formação continuada para os professores do campo, essa assume uma amplitude muito maior porque o campo sempre foi visto como um local atrasado (MENEZES NETO, 2009) e por isso, tardiamente, através de lutas sociais, surgiram leis direcionadas para a formação dos professores que trabalham em escolas campesinas.

Diante desse fato, a formação para docentes que atuam nesse espaço, é algo que deve ser garantido, propondo círculos de debate para que os envolvidos com a educação possam, por meio de uma educação dialógica (FREIRE, 2016), reconhecer que os alunos são sujeitos históricos e sociais, que precisam ser ouvidos, valorizados em sua cultura, de modo que se sintam pertencentes ao espaço em que vivem.

A escola do campo adquire função política, pois

Ela deve ser espaço em que sejam incorporados os saberes da terra, do trabalho e da agricultura camponesa; em que as especificidades de ser- viver a infância-adolescência, a juventude e a vida adulta no campo sejam incorporadas nos currículos e propostas educativas; em que os saberes, concepções de história, de sociedade, de libertação aprendidos nos movimentos sociais façam parte do conhecimento escolar [...] (ARROYO, 2012, p. 365).

Esse excerto nos mostra que, ao incorporar os saberes da prática, do cotidiano no fazer pedagógico, as práticas educativas se transformam e nesse momento se rompe com a educação bancária, que muitas vezes tenta “sufocar” o aluno, mostrando a ele visões que não condizem com sua realidade, negando assim suas origens.

Sabemos que muitas vezes, a visão de educação que é difundida nas escolas do campo é que o aluno que ali está necessita sair daquele espaço, romper e ir para a

cidade, onde o ensino é de melhor qualidade e que possibilitará um aprendizado muito melhor (MENEZES NETO 2009). Essa visão distorcida, inculca algo que os dominadores querem, pois, o agronegócio ganha espaço porque se entende que a agricultura familiar camponesa é algo ultrapassado.

A agricultura familiar camponesa, de acordo com Fernandes (2016) é uma agricultura de base familiar, cujo o envolvimento nas atividades, fica a cargo dos membros da família que trabalham juntos para a obtenção de renda.

Uma das características principais da agricultura familiar camponesa é produção para o autoconsumo, para a subsistência familiar, pois, em propriedades com pouca terra, se produz diversidade de alimentos, além da criação de animais (GÖRGEN, 2016).

Os camponeses desenvolvem uma agricultura agroecológica, pois lidam com a biodiversidade com maestria, pois reconhecem que precisam preservar o meio ambiente para conseguir produzir com qualidade seus alimentos (GÖRGEN, 2016). No que se refere à diversidade, Görgen (2016, p.103) nos que

A diversidade cria identidades locais e ambientais. Liga território, práticas sociais, ambiente e cultura. Cimenta identidades culturais que se transformam em trincheiras de resistência. Produz sujeitos políticos coletivos que lutam por direitos, por tradições, por sobrevivência e por perspectivas de futuro sem destruição de sua própria história e seus meios de vida [...]

Diante desse excerto observamos que a diversidade é algo marcante e significativa para as comunidades campesinas e por meio da coletividade, acontece às lutas por seus direitos, por preservação das tradições. A comunidade é algo central no modo de vida, pois é a partir da convivência com o outro que acontece as trocas de experiências e vivências, que garantem a unidade.

Porém, no contexto histórico em que vivemos, o mercado capitalista, por meio do agronegócio, incentiva a todo custo a produção de monocultura, o uso de adubação química, a produção em latifúndios, evidenciando, de forma distorcida que essa produção camponesa está sujeita ao fracasso, já que não conseguirá se sustentar por muito tempo.

Esse discurso muitas vezes quer, de forma discriminatória mostrar que a agricultura familiar camponesa precisa se atualizar, se adequar ao ritmo capitalista vigente

como nos diz Fernandes (2016), mas é preciso evidenciar que o campesinato se refere à organização familiar e comunitária, possuindo seus próprios ritmos que precisam ser respeitados e cada vez mais, estar em fortalecimento coletivo para superar os embates sociais e econômicos que o capitalismo promove.

Diante disso, a Educação do Campo não pode se pautar em uma educação reprodutora, pelo contrário, ela precisa proporcionar a construção do conhecimento, tendo por base os saberes coletivos e tradicionais da comunidade local.

A educação aqui precisa lutar ao lado dos camponeses, que cada vez mais querem seus direitos garantidos e seus costumes preservados. Escola e comunidade precisam ser parceiras na luta, na militância e principalmente possuírem um diálogo constante para que os valores capitalistas não incidem sobre o ato educativo nas escolas do campo.

O professor, diante disso, ao se apropriar da Pedagogia Libertadora Freiriana e reconhecer que seu papel é fundamental para romper paradigmas, deve proporcionar maneiras para que o estudante possa se sentir parte do processo educativo, passando de indivíduo passivo para sujeito ativo (FREIRE, 2016).

A base dessa pedagogia é a historicidade, pois, por meio dela, se reconhece o sujeito como ser histórico, que por ser inacabado, necessita de uma educação que o direcione para a formação humana, que problematize suas ações, de modo que se reflita sobre elas numa práxis constante e diária (FREIRE, 1996).

Por isso, a formação pedagógica “[...] rompe com a qualificação instrumental e afirma uma formação na qual a raiz de tudo é o ser humano, seu processo de humanização, de emancipação humana” (ARROYO, 2012, p. 365).

Diante disso, no próximo capítulo, iremos tratar das tecnologias digitais para o ensino numa perspectiva do letramento digital. Para tanto, apresentamos os principais programas que favorecem o uso da tecnologia em sala de aula e descrevemos a importância de uma formação continuada que aconteça no exercício da função, de modo que os docentes do campo possam compartilhar as experiências da prática docente.

Para isso, nos debruçamos sobre Freire (1996, 2016) para apresentar uma formação continuada que possibilite a dialogicidade e a emancipação, procurando fazer o entrelaçamento entre formação e tecnologias digitais como recurso para a mediação da aprendizagem pensando o letramento digital.

4 TECNOLOGIAS DIGITAIS PARA O ENSINO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: