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Formação de músicos e de público

2 COMBATES COTIDIANOS (ARTIGOS NA IMPRENSA PERIÓDICA)

2.3 TEMAS ABORDADOS

2.3.4 Formação de músicos e de público

A crônica “Por que não teremos um Centro Musical?” (A República, 03/05/1928) é a primeira em que Cascudo ataca diretamente o problema da ausência de estruturas musicais que sustentassem tal atividade em Natal. Queixa-se do marasmo musical: bandas militares apenas quando chegam autoridades ou para solenidades oficiais, raros recitais eruditos por artistas visitantes.

Dispara uma pergunta: Por que os elementos esparsos não se reúnem e lutam

pela educação artística de Natal? Evoca o Centro de Cultura Musical do Recife como

modelo e passa às sugestões:

Um Centro com diversos grupos distintos de amadores, com suas alunas- mestras que, mês em mês, dissessem, com as duas mãos em cima de um teclado, coisas diversas dos nossos Alô boy, Tea for two, For me and my girl; para vinte ou cinqüenta sócios teimosos em ter uma cidade a sério. [...] Nós não podemos mandar vir o violinista Manen nem o pianista Cortot? Usaremos a prata da casa.

Chama a atenção para a existência de muita gente de boa qualidade sendo tolhida pela timidez. É, então, que se dirige diretamente ao musicista italiano Thomaz Babini (residente em Natal desde 1908 e casado com uma potiguar), enaltecendo-lhe as qualidades de violoncelista e professor de piano, e sugere ser ele o único capaz de liderar o movimento.

Há uma preocupação com as bases formais do ensino da música (leitura, diversidade), diferente das tradições populares. O ensaio posterior de Mário de Andrade, “Evolução social da música no Brasil”, datado de 1941, demonstra preocupações similares, chegando a se referir à música possível no período colonial como submissa aos batepés irremediáveis da nossa tapuiada34.

O escritor potiguar já registra uma invasão de música estrangeira (títulos em inglês) no gosto local, em que a educação musical aponta para uma elevação de nível e uma produção específica. A menção a alunas-mestras enfatiza a predominância feminina nessa atividade – talvez relacionada a uma maior disponibilidade de tempo livre para a prática musical.

34

Mário de Andrade, no discurso de paraninfo do Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, comenta os limites do ensino de música no Brasil, evidenciando que as discussões de Câmara Cascudo fazem parte de uma reflexão mais ampla em termos da cultura brasileira35.

A primeira das crônicas com o títutlo de “Musicalerias” (A República, 01/06/1928) escritas por Cascudo não traz sua assinatura. O autor se esconde sob o pseudônimo de Nitchewo, mas o teor do escrito não deixa dúvidas quanto à sua autoria. Tem como subtítulo “A ideia do professor Thomaz Babini” e descreve um encontro com esse violoncelista residente em Natal realizado na redação do jornal A República, bem como a conversa que tiveram.

A idéia proposta era: Um Centro Musical Feminino que reúna não somente as

alunas do curso Babini, mas outros elementos que desejem participar neste trabalho de arte e de bondade artística.

É digna de nota a não inclusão do sexo masculino no projeto. Seria o corpo discente de Babini composto exclusivamente por mulheres? O apelo que se faz é direto e muito claro: “Convidamos as senhoras e senhoritas que se interessem pela música” (grifo do autor).

Enfim, Nitchewo se torna Cascudo quando diz: Babini e eu ficamos cheios de

esperanças.

Sugere, portanto, que a música é mais ocupação das mulheres (talvez pelo maior tempo disponível para o diletantismo). Assim mesmo, evidencia preocupações com uma ampliação da atividade, em um universo público superior ao que as aulas de Babini já alcançavam.

Vale lembrar que a mulher que, na época, tocava um instrumento musical, era mais valorizada como candidata ao casamento, estabelecendo-se certa relação com o dote feminino. Nesse sentido, o raciocínio parece se dirigir mais para mulheres de um nível social médio ou alto.

Na segunda “Musicalerias” (A República, 14/06/1929), o autor demonstra plena euforia com a ideologia de progresso reinante durante a administração do governador Juvenal Lamartine (1928/1930) e sente ares de modernidade na Natal de 1929: Com

Aéro-Club, avião, trens diários, três cinemas, bonde elétrico, luz razoável e auto corredor temos outra impressão de modernidade.

E segue enumerando instituições e serviços que elevavam o padrão de vida da cidade. Então, pergunta: Mas por que será que este impulso não chega até a música? Retornando à carga, acrescenta: Não há em toda uma cidade de quarenta mil habitantes

um só núcleo de amadores musicais. Não considera, nesse artigo, portanto, os músicos

populares tradicionais como “amadores musicais”. Busca algo mais formal na música – escrita, desenvolvimento de uma técnica apurada – que só poderia se desenvolver através de instituições permanentes e tecnicamente orientadas.

Conclui com a pergunta já feita e ainda não respondida: Por que não se fará um

Círculo de Cultura Musical?

O cronista, em “Musicalerias V” (A República, 23/10/1929), aborda, pela primeira vez, o nome de um musicista erudito de origem local e comenta seu recital. Waldemar de Almeida – que tantas vezes haveria de ser tema de seus escritos –, depois de experiência musical em Rio de Janeiro, Paris e Alemanha, apresentou a 20 de outubro o seu concerto no Salão Róseo do Palácio do Governo de Natal. O programa constou de uma primeira parte com obras de Chopin e, na segunda, de autores diversos.

Cascudo comenta à maneira dos cronistas musicais cada música executada, descendo a detalhes e pormenores:

O Sr. Waldemar de Almeida deu-me a impressão de um ótimo temperamento musical. Estudo impessoal, correto, bem educado, consciencioso, límpido. Estuda, toca bem, expressa bem. Mais adiante, diz: O Sr. Waldemar de Almeida pode ser tido como uma expressão inteligente, que se bastará. Não escondo a segura confiança que tenho em seu nome e no seu futuro.

Com essa afirmação, antevia um dos mais importantes nomes do futuro musical do Rio Grande do Norte e estimulava sua evolução. O escritor demonstrava, assim, seu entusiasmo com uma pessoa nascida no estado, residente em Natal, mas portadora de formação erudita e modelos cosmopolitas. Sua sensibilidade já o via como capaz de atuar localmente.

O fato de sua audição haver sido realizada no Salão Nobre do Palácio do Governo e não no Teatro Carlos Gomes indica o ambiente elitista em que esses eventos

eram eventualmente realizados. Destaque-se que o recital era uma homenagem ao governador Juvenal Lamartine.

A 6ª crônica com o título de “Musicalerias” (A República, 13/11/1929) traz a boa notícia da primeira audição do Grêmio Feminino de Natal. Tomou forma a sugestão de Cascudo através do trabalho do professor Thomaz Babini. Em 9 de novembro daquele ano, suas integrantes apresentaram-se no Salão Róseo do Palácio do Governo, todas mulheres, como já indicava a denominação. Pelo menos uma instituição musical nascia na cidade, entretanto, para breve sobrevida, havendo realizado poucas apresentações. Considere-se o fato de que, assim como a audição referida no item anterior, essa também se realizou no Palácio do Governo. É oportuno lembrar a personalidade elitista direcionada para o diletantismo sem o menor objetivo de formação do músico profissional.

A crônica “Musicalerias VII” (A República, 26/04/1930) tem como subtítulo “Curso Waldemar de Almeida”. Novamente, Cascudo se põe na posição de crítico musical para comentar a apresentação dos alunos (um homem entre os participantes!), realizada a 21 de abril daquele ano. A cada comentário, sente-se a intenção de oferecer palavras de estímulo aos jovens musicistas. Essa foi a terceira audição do “Curso Waldemar de Almeida”, que se tornaria a mais longeva das instituições musicais de Natal. Ela evidencia, portanto, a plena atuação de Waldemar de Almeida na cidade, consolidando o projeto anteriormente anunciado por Luís da Câmara Cascudo.

Já em “Canto Orfeônico”, publicado na revista natalense Som (n. 2, 16/09/1936), Cascudo identifica a prática musical do canto em conjunto como um elemento educador por excelência, formador do gosto pela música e estimulador de sensibilidades. Vivia-se o momento em que o Brasil recebia grande impulso inovador graças à ação monumental de Villa-Lobos e aos apoios recebidos do governo do país. A vinculação com o nacional e o folclore demonstra idênticos caminhos seguidos por Mário de Andrade e Villa- Lobos.

A publicação de “Normas pianísticas”, de autoria do pianista Waldemar de Almeida, ensejou comentários de Cascudo na recensão constante da “Acta Diurna” que tem o título do livro, publicada em A República (11.06.1941). Começa afirmando: O Sr.

Waldemar de Almeida é o primeiro norte-rio-grandense que sistematizou o ensino de música em Natal. Em seguida, recorda como era insatisfatório o ensino musical na Natal

dos começos do século XX, relembra a Escola de Música criada em 1908 – o primeiro ano do segundo mandato do governador Alberto Maranhão (1908-1912) – fechada pelo seu substituto e comenta: Tivemos o mesmo professor, o mesmo saudoso Alexandre

Brandão, mártir das nossas vadiações. Indicando a profundidade do relacionamento

com o autor descreve duas de suas peculiaridades: Esse grave maestro Waldemar foi

tocador de valsas e two-steps e um dos melhores assobiadores da cidade. Refere-se aos

seus familiares e a relação deles com a música. Menciona os cursos que tivera no Instituto Nacional de Música no Rio de Janeiro, depois na França e Alemanha, e o seu retorno a Natal.

Comentando “Normas pianísticas”, afirma: É o livro indispensável e também

insubstituível, o primeiro na espécie para atender as curiosidades e também as necessidades do ensino dessa disciplina.