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Músicos eruditos estrangeiros

2 COMBATES COTIDIANOS (ARTIGOS NA IMPRENSA PERIÓDICA)

2.3 TEMAS ABORDADOS

2.3.8 Músicos eruditos estrangeiros

É essa a primeira crônica de Câmara Cascudo abordando a música erudita, cujo título é “Beethoven, Senhor dos Ritmos” (A Imprensa, 26/03/1922).

Inicia apresentando considerações sobre a vida, a personalidade e a genialidade do compositor e acrescenta:

Todo o amante palpita na “Apassionata”, o contemplativo na “Au clair de lune”, o revoltado na “Patética”, o semi-deus na “Nona Sinfonia”. Mais

adiante, faz uma breve comparação: Chopin é a tristeza resignada dos

místicos. Beethoven é o alarido potente do agitador. Shakespeare da música, conhece toda a alma humana. O infinito se deixou ver. Beethoven diz o indizível.

Em certo momento, revela uma faceta da intimidade de seu mundo emocional:

De todo o mundo três coisas me atraem e deslumbram: o mar, o crepúsculo e Beethoven. Deus os fez parecidos para que provassem a origem comum.

Em um de seus arroubos de entusiasmo, reafirma a sua admiração: Os anos

passam multiplicando a sua estatura. Está tão alto que é preciso ficar de joelho para vê-lo e senti-lo.

Momentaneamente desligado das coisas da sua terra (“Musicalerias III” – Igor Strawinsky, A República, 05/09/1929), Cascudo comenta o balé “Petrouchka”, desse compositor, na ocasião possível graças a quatro discos de vitrola, o que, na época, significava utilizar gravações em 78 rpm, com irritantes pausas para mudar a face do disco. A conclusão é bem típica de sua maneira de se expressar em relação a novidades de estilo que provocavam polêmicas: Para quem acha Debussy um músico moderno

peço a bondade de não ouvir Petrouchka. E dou os pêsames.

O escritor evidencia a busca de informação atualizada internacionalmente. Vale lembrar que Igor Strawinsky dialogava com a tradição popular russa (ritmos). Ao mesmo tempo, estava ligado às grandes transformações modernas da música no início

do século XX, tendo convidado grandes nomes da modernidade artística para colaborarem em suas criações – Picasso fez cenários e figurinos para alguns de seus balés. O Cascudo musicista era também um homem da modernidade, situado em suas conquistas internacionais.

Em um longo artigo biográfico, “Prelúdio sobre Bach” (Som, n. 3, 20/12/1936), Cascudo, entre outros enfoques, compara o caráter do pai da música com alguns grandes nomes que o seguiriam na história da música universal. Não se prende a comentários sobre obras, referindo-se, eventualmente, a algumas delas.

A relação dos nomes abordados pelo autor em suas crônicas revela o interesse pelos compositores em geral, passando do erudito ao popular e dos internacionalmente famosos aos modestos musicistas regionais. Verifica-se uma predileção pelos nomes mais atuais. Bach é o único dos antigos compositores que ele aborda. Convém ainda ressaltar a forte amizade entre o autor e Villa-Lobos, no momento em que o compositor vinha desenvolvendo o projeto das “Bachianas Brasileiras”, iniciado em 1930.

Luís da Câmara Cascudo aborda a figura do colombiano Alberto de Castilha na crônica que tem por título o nome do músico (Revista Som, Natal, n. 7, 31/01/1938) que, depois de variadas experiências profissionais, fundou um conservatório em seu país e se tornou compositor. A revista Arte, também por ele criada, gozava de grande prestígio. Realizou, ainda, o I Congresso Musical da Colômbia, e sua obra musical é dirigida quase inteiramente ao folclore musical de seu país.

Com a descrição e os comentários sobre Alberto de Castilha, parece que Cascudo indica sua vida como exemplo a ser seguido por seu estado e pelo país. A menção ao conservatório por ele fundado reforça a ideia da crença alimentada na importância dessa entidade, felizmente já concretizada em Natal em 1933, com o Instituto de Música do Rio Grande Norte.

“Szostakowicz”, publicado em Som (n. 8, 30/04/1938), é um comentário breve não sobre a obra do compositor russo, mas a respeito de sua vinculação com o regime comunista vigente à época. Considera o autor como no máximo um discípulo orgulhoso

de Wagner. E conclui: Tudo o que deduzi pela impressão deixada pelo comunista Szostakowicz é que ele representa um temperamento vibrante, apaixonado pela

epopéia, pela história guerreira, pela gesta das multidões... guiadas para uma finalidade nacional.

Essa abordagem indica a sintonia do cronista em todas as áreas do conhecimento artístico e suas múltiplas facetas e ligações. Nessa crônica, aponta para a conexão da arte com a política, ocorrência comum nos países totalitários, cujo melhor exemplo pode ser encontrado no período hitlerista, quando as expressões artísticas estavam totalmente voltadas para os objetivos e ideais do partido nazista. Vale lembrar que Mário de Andrade também escreveu sobre o autor41.

Em mais uma colaboração para a revista Som (n. 8, 30/04/1938), Câmara Cascudo comenta a vida e obra do compositor americano George Gershwin, falecido no ano anterior. Sua abordagem passa pela Rhapsody in blue e por American in Paris, alcança o jazz e o coloca entre os compositores internacionais em evidência na época.

Da crônica anterior para essa última, o autor desloca-se da União Soviética para os Estados Unidos e parece veladamente externar sua repulsa pelo regime comunista. A obra de Gershwin, pela vinculação com o popular, posiciona o autor no campo da modernidade, quando busca respaldo na música popular americana. Pode indicar uma observação política de Cascudo ao colocar o compositor americano e seus temas em um ambiente de total liberdade e ausência de imposições políticas. Observe-se ainda que os artigos focalizando Gershwin e Szostakowicz estão publicados na mesma edição da revista, evidenciando o diálogo entre música erudita e música popular.

Cascudo comenta que, 20 anos após a morte do compositor, Debussy continua

sem discípulos, sem alunos, sem continuadores. Em comentário firme e conclusivo,

declara: Não se pode compreender qual a direção da música moderna sem Debussy. E, em uma apreciação final: Debussy como raríssimos, possuiu esse dom de ampliar o

nosso poder de abstração, de liberdade, de vôo amplo e doido pelos céus da imaginação.

É oportuno notar a preferência do autor pelos eruditos modernos (considera Debussy um clássico) em comparação com uma menor atenção para com os antigos, pois apenas Bach foi alvo de uma crônica sua. Esses comentários estão em “Claude Debussy”, publicado em Som (n. 9, 11/07/1938).

Cascudo relembra na crônica “Archibald Joyce” (Som, n. 10, 01/1939) o nome e as valsas desse compositor Muitos anos foi o soberano incontestável das valsas

perturbadoras, inesquecíveis, emocionantes. As obras do compositor inglês começaram

a chegar ao Brasil com a guerra de 1914. O cronista conclui com uma saudosa evocação de seus dias de juventude, quando tais composições eram por demais populares no bailes da velha Natal.

O texto evidencia a importante relação local/internacional, bem como os vínculos passado/presente. Embora o autor faça uma campanha pela cultura musical local (formação, apresentação, composição), isso não se confunde com um chauvinismo que ignore tradições internacionais, valorizando-as, quando mereciam. Por outro lado, o texto se reveste de uma evocação sentimental, sempre presente em escritos desse tipo.

Em diversas ocasiões, o cronista usa sua coluna para responder a perguntas de seus leitores. Na presente – “Respondendo” – “Acta Diurna” (A República, 17/06/1941), esclarece sobre o filme “A Grande Valsa” e apresenta detalhes biográficos sobre o motivo da produção cinematográfica que focaliza a vida de Johann Strauss Filho e suas composições. É bem evidente sua intenção de levar o conhecimento erudito a níveis sociais mais limitados através de um meio acessível e popular, como o jornal. Cascudo responde aos leitores e põe a erudição ao alcance de todos.

Na crônica “Nota de uma velha aula sobre Debussy”, “Acta Diurna” (A

República, 04/10/1944), feita com base em apontamentos de uma aula de História da

Música no Instituto de Música do Rio Grande do Norte, comenta elementos técnicos da música de Debussy, enfatizando o caráter revolucionário de sua música. É mais uma demonstração de sua erudição, da amplitude de seu campo de visão, bem como da admiração pelo autor, seu contemporâneo, como já demonstrado em outros escritos.

O escritor comenta a vida e a obra da compositora francesa Cecile Chaminade, falecida em 1944, na “Acta Diurna” “Uma velha amiga que não conheci”. (A República, 21/03/1946). Evoca os momentos de sua infância e adolescência. Quem estudou piano

há uns vinte e cinco anos tocou Chaminade, acrescenta, incluindo-se, ele próprio, entre

os intérpretes juvenis da compositora. Um pouco de memória pessoal o faz mencionar sua juventude, quando tocou músicas de autoria daquela compositora, enlaçando História a Memória.

No texto “Ralph Vaughan Williams” (A República, 08/06/1948), são comentadas vida e obra do musicista inglês Ralph Vaughan Williams, doutor em música, mestre em

composição, professor em Oxford e em Londres, o presidente do International Folk Music Council. Sugere a intenção de relacionar o currículo erudito do maestro com a

função exercida nesse Conselho e, assim, destacar a importância do folclore.

A “Acta Diurna” “A lição do Maestro Alonso” (Diário de Natal, 12/06/1948) evoca o maestro espanhol Francisco Alonso Lopez, falecido em Madri. Escreveu cem

partituras, foi um dos grandes musicadores da zarzuela madrilena. As companhias

espanholas trouxeram sua música para o continente americano, espalhando-a e popularizando-a.

Descreve a popularidade do compositor, demonstrada pela grandiosidade das homenagens em seu sepultamento. Esses comentários sobre um assunto internacional indicam a diversidade dos assuntos musicais tratados por Luís da Câmara Cascudo e a não exclusividade do tema local. A zarzuela era um gênero mais para o popular-teatral.