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Músicos eruditos brasileiros

2 COMBATES COTIDIANOS (ARTIGOS NA IMPRENSA PERIÓDICA)

2.3 TEMAS ABORDADOS

2.3.9 Músicos eruditos brasileiros

Considerado um dos maiores violinistas brasileiros, Nicolino Milano (Lorena, São Paulo, 25/06/1876 – Lorena, 01/10/1962) foi contratado pelo governo Alberto Maranhão para lecionar violino na Escola de Música que o estado havia implantado. Residiu em Natal de maio de 1909 a abril de 1911. Apresentou-se inúmeras vezes como solista e como participante de grupos de câmera que executavam música de elevado nível.

São vagas as lembranças do musicista evocadas por Cascudo, pois tinha apenas 13 anos quando Milano deixou Natal: Quando vim atingir isso que se chama “idade da

razão” Nicolino Milano já não reinava.

Prevalece a intenção memorialista do autor e a pretensão de evocar uma fase em que a música erudita teve grande repercussão local, graças ao apoio do governador Alberto Maranhão em seu segundo mandato (1908/1914): Governo Alberto Maranhão,

época deslumbrante para artistas e poetas.

Essas lembranças estão em “Nicolino Milano”, crônica livre. (A República, 04/05/1930).

O cronista se posta, mais uma vez, como crítico musical para apreciar o recital em Natal do violinista paulistano Raul Laranjeiras, realizado em sala lotada do Grupo Escolar Antônio de Souza, a 21 de fevereiro de 1933. Na crônica “Musicalerias” VIII (A

República, 24/02/1933), informa, como registro especial, que o recitalista teve como

acompanhador o futuro pianista Oriano de Almeida, na ocasião com apenas 11 anos de idade.

Causa curiosidade a realização de um recital em sala de aula de uma escola – certamente adaptada para o evento –, quando a cidade possuía o Teatro Carlos Gomes, amplamente usado para esses fins. Não há no noticiário dos jornais do dia nenhuma menção à presença voluntária de estudantes, nem sobre a participação deles em alguma promoção educativa da escola que justifique a apresentação naquele local. Mais provável seria imaginar alguma impossibilidade momentânea do teatro da cidade. Cascudo menciona a participação de Oriano de Almeida, menino prodígio que haveria de seguir brilhante carreira de concertista internacional e que depois seria seu aluno de História da Música no Instituto de Música do RN, mantendo sempre amizade e vinculações culturais com seu mestre.

Cascudo esteve presente a uma audição íntima de Túlio Tavares, 11 anos, aluno do 6º ano de piano do Instituto de Música do RN e do Curso Waldemar de Almeida, também presente naquela ocasião. Esse encontro foi relatado na “Acta Diurna” intitulada “Túlio Tavares” (A República, 15/06/1933). O recital do jovem pianista se realizou a 1º de julho. Suas palavras são de grande apreço, considerando-se a idade do recitalista, e antevê a melhor acolhida do público que o prestigiar.

Túlio foi um dos “meninos prodígios” de que Natal se orgulhava na década de 1930. Vale a pena notar a presença masculina em uma atividade antes predominantemente exercida por mulheres. A atuação do professor e pianista Waldemar de Almeida na cidade – ele mesmo casado e com filhos – em muito contribuiu para a derrubada de antigos preconceitos. Também é importante constatar o interesse do cronista na divulgação dos novos valores musicais da cidade, estimulados pelo prestígio decorrente do seu já reconhecido valor intelectual.

Como segunda colaboração para o primeiro número da revista Som (n. 1, 11/07/1936), Câmara Cascudo focaliza a arte de um compositor a quem muito haveria de admirar, “Mignone”. Em meia página sobre Francisco Mignone, expressa sua

expectativa pela adesão do compositor ao ambiente musical brasileiro. Ainda na oportunidade, demonstra sua plena vinculação ao modernismo e suas nuances nacionalistas originadas pelo movimento de 1922. Abraçava, portanto, idêntico caminho ao adotado por Mário de Andrade e outros intelectuais, ao enfatizar especialmente a retomada do folclore. Exemplifica, citando a ópera “O contratador de diamantes” que ao

jeito sonoro e bonito das óperas italianas [faz incluir] uma congada, viva e livre, agitada e vibrante, batendo, forte e justo, ritmo e imagens bem vinculadas às nossas tradições auditivas.

Em breve artigo sobre o compositor Hekel Tavares, “Da canção brasileira” (Som, n. 7, 31/01/1938), abre um leque de elogios e destaques sobre a produção musical do músico alagoano: A canção brasileira, natural, justa, para ser cantada e

apresentada aqui e em qualquer parte, está sendo magnificamente “tratada” por Hekel Tavares. Não é lógico exigir mais nada. O que existe é made in Brazil e de excelente qualidade.

A ênfase à música brasileira inspirada no folclore foi uma constante nos escritos de Cascudo, que mantém a sua posição e constância às diretrizes do modernismo. A obra de Hekel Tavares parece ser mostrada como uma espécie de exemplo para o Rio Grande do Norte e para o Brasil, bem como uma comprovação da imprescindibilidade dos estudos eruditos – como é o caso desse compositor – para a realização de uma obra “de excelente qualidade”, como mencionado.

Cascudo apresenta emocional e ao mesmo tempo objetiva apreciação sobre o sergipano Juvêncio Mendonça (de Oliveira, falecido aos 25 anos em 1939), musicista residente em Natal e casado com a violoncelista Josélia Lettieri, através da crônica “Juvêncio Mendonça”, (A República, 11/02/1940). Nos três trechos transcritos a seguir, pode-se avaliar a admiração que dedicava ao jovem musicista.

[...] Numa carta para Renato de Almeida, enviando registros de músicas

populares do Reis e Congos, pacientemente seguidas, deu sua opinião sobre a prodigiosa influência do Canto Gregoriano em nossa música tradicional. Juvêncio transportou para notação gregoriana as músicas dos nossos autos, nos trechos mais expressivos, e positivou sua tese. A música sertaneja, por exemplo, carecendo sempre de ritmo, fugindo inconscientemente à

quadratura melódica que recebemos dos portugueses, está inteiramente liberta e solta nos âmbitos do gregoriano. O aboio é um canto gregoriano, dando-se esse nome às fórmulas orientais da música de gênero sem ritmo obrigatório na divisão do compasso. Renato Almeida disse-me a forte admiração que lhe causara a página despretensiosa e natural de Juvêncio, numa simples carta íntima.

[...] Compôs dezenas de sonatas, impromptu, noturnos, mazurcas, scherzos.

Seus minuetos, pavanas, barcarolas são intensamente românticas, aristocráticas, impressionantes.

[...] Juvêncio Mendonça, em composições sacras, deixou obra vultuosa. Duas

Missas (4 vozes e 2 vozes com orquestra), Canon Infinito (4 vozes), Alla Vergine del Cielo (cantada a 3 vozes), acrósticos, Ave-Marias, Salve Reginas, elevação a um canto em grego (Hosper o Helios), um canto em tupi (Maria Tupana Manha), recordação dos seu tempo de estudos em Manaus, são os mais notáveis na série.

Não há notícia das partituras dessas composições. Provavelmente, estão em poder da família da esposa, que se transferiu para o Rio de Janeiro.

Voltando ao tema das modinhas com a “Acta Diurna”, “Waldemar de Almeida e as modinhas” (A República, 18/04/1940) tem como enfoque o trabalho de coleta e grafia musical das velhas canções potiguares, o qual foi iniciado pelo referido musicista. Esse artigo apresenta as características da modinha, sua história e os instrumentos que a acompanham. Evoca sua evolução no tempo, pois pertencia aos salões e à produção

mental superior, literatizada, feita por poeta sabedor de ritmos, e seguro nas rimas certas. A popularização ocorreu através da serenata, destacando o papel do violão

como substituto do piano no acompanhamento do cantor.

Conhecedor do assunto, Cascudo prevê para o pesquisador um problema certamente impossível de resolver com a simples indicação na partitura dos costumeiros sinais de expressão (os italianíssimos dolce, dolcisimo, perdendosi...): expressar o “jeito”, a maneira particular de interpretar, própria do modinheiro: A dificuldade

escriturística musical, aquele infixável e irreal acento romântico que haloa as nossas modinhas posto em relevo notável pelo violão.

Cascudo não esconde sua expectativa e confiança no êxito do trabalho:

Quando, publicado o álbum, for possível tocar e cantar as velhas modinhas, ressuscitando os perdidos acentos que os violões tangidos por dedos que já se desfizeram enchiam de sonho e de lembrança, tenha-se presente o que de impossível foi vencido, o que de imponderável foi registrado, o que de fluido e vago pôde ser materializado no pentagrama.

Essa é mais uma expressão de sua preocupação com a garantia da permanência desse patrimônio a ser proporcionada pelo registro escrito. O pesquisador não concluiu e nada publicou sobre a pesquisa iniciada.

Na crônica “Fala Waldemar de Almeida” (“Acta Diurna”, A República, 05/05/1940), Câmara Cascudo transcreve uma carta que lhe foi enviada pelo pianista, por ele muitas vezes louvado devido ao trabalho que executava ao “ressuscitar” velhas canções de autor local.

Em sua carta, o musicista se mostra na obrigação de revelar:

[...] por ninguém saber que, se vibrei a primeira picareta no túmulo em que

dormem esquecidas as nossas modinhas, foi a “mando” teu que, neste caso, és o benemérito administrador do cemitério onde dormem “É belo ver dormir a natureza”, “Perdão, meu Deus, perdão”, “Longe, bem longe”, “Carregando a minha cruz” etc.

Ainda nessa carta, o pianista informa haver concluído a modinha n. 1: “Ser noivo”, versos de Antônio Soares e música de Evangelina Barros. Câmara Cascudo foi, então, o mentor de um importante trabalho iniciado, mas, infelizmente, não levado à frente pelo pesquisador.

A “Acta Diurna” “Waldemar de Almeida (Normas pianísticas)”, publicada em A

República, em 11/06/1941, é uma recensão sobre o livro Normas Pianísticas, no qual

elogiosa apreciação sobre a publicação, destacando seu valor didático e continuando o apoio à atividade pedagógica-musical exercida em Natal pelo pianista.

O jornal A República (23/11/1941) transcreve a crônica “Oswaldo de Souza”, publicada no Diário de Notícias do Rio de Janeiro, na qual Cascudo comenta um recital em que ouviu composições de Souza interpretadas pela cantora Maria Sylvia Pinto. Infelizmente, não indica o local onde se realizou a apresentação. O repertório de Oswaldo de Souza tem o conteúdo e a inspiração folclórica indispensáveis para atingir o gosto musical e a preferência do etnógrafo. Ninguém melhor que Cascudo para comentar e elogiar o trabalho do compositor, rico em elementos recolhidos da cultura popular. Originário da formação erudita obtida no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, o musicista optou por voltar a suas raízes culturais e, ao fazê-lo, aliava-se ao bloco de modernistas encabeçados por Villa-Lobos, Mário de Andrade e o próprio Cascudo42.

Amaro Barreto era membro da prestigiosa família dos Albuquerque Maranhão, que dominou a política do Rio Grande do Norte durante vários anos – ou até séculos, se pensarmos em seu poder desde a colônia. Diferentemente dos irmãos, optou pela música (juntamente com o irmão Cipião), tornando-se pianista e estudando na Europa (“Amaro Barreto, o Maestro”. “Acta Diurna”, A República, 30/10/1943). Esteve muitas vezes em Natal para recitais de piano e acompanhando outros instrumentistas. Foi o primeiro musicista norte-rio-grandense a obter semelhante destaque. Essa memória de Cascudo reforça a suposição de que a música erudita naqueles tempos era acessível apenas às classes economicamente privilegiadas. Essa hipótese é confirmada pelo alto custo na aquisição de um piano, instrumento caracterizador desse nível musical. Talentos originários de classes populares teriam sido sufocados por tais razões? Amaro Barreto passou a residir no Rio de Janeiro, onde se tornou professor do Instituto Nacional de Música, vindo a falecer em 1922.

Na “Acta Diurna” “O Maestro Waldemar” (A República, 20/09/1944), Cascudo apresenta dados biográficos do pianista Waldemar de Almeida, enfatizando o detalhe de ter abandonado o mister de intérprete para abraçar a missão de professor no Instituto de

Música do Rio Grande do Norte, fundando, em Natal, o Curso Waldemar de Almeida e a Sociedade de Cultura Musical. A dedicação ao ensino é a marca maior da atividade do musicista e sua mais importante contribuição à cultura do Rio Grande do Norte.

Cascudo enaltece a beleza da música do Hino à Bandeira do Brasil e lamenta o falecimento de seu autor, o maestro Francisco Braga. Destacando suas qualidades como músico, lamenta o fato de, mesmo sendo uma glória nacional, ele ter morrido pobre e humilde:

Era homem fundamentalmente brasileiro, acolhedor e honesto, trabalhando sempre e morrendo pobre. Tão pobre que, depois de mais de meio século de esforço diário, ele, a glória viva da música orquestral, o primeiro regente, o discípulo amado de Massenet, não possuía uma casinha e o Governo da República ofereceu-lhe sessenta mil cruzeiros. Sessenta mil cruzeiros são um mau negócio para qualquer comerciante de meia força. Constituiu a maior Soma de dinheiro que Francisco Braga recebeu pouco antes de morrer.

Assim, deplorou em “Música do Hino „Bandeira do Brasil‟”. (“Acta Diurna”, A

República, 21/03/1945).

Em outra “Acta Diurna”, publicada no Diário de Natal (12/09/1947) com o título “Até Deus precisa de sinos”, relatou o seguinte fato: no ano 1940, Leopold Stokowsky, um dos mais famosos regentes internacionais do momento, durante uma turnê no Rio de Janeiro com uma orquestra americana, revelou que nunca ouvira falar

em Carlos Gomes, que nós julgamos mais conhecido que a luz do sol. E comenta a

necessidade de divulgação: Americanos e ingleses, com produção industrial e cultural

que dispensa corretagem em qualquer praça, mantêm seus adidos culturais e econômicos. Nós achamos que é despesa dispensável.

Não é a primeira vez que o autor defende a publicidade como necessária ao êxito de um trabalho cultural. Ele próprio deve ter usado no início de seu trabalho esse recurso conforme mostram as correspondências com importantes intelectuais do Sudeste, como Monteiro Lobato e Mário de Andrade. Depois, a notoriedade se encarregou de fazê-lo procurado.

Joaquim Scipião de Albuquerque Maranhão, violinista, irmão do pianista Amaro Barreto, membro de tradicional família de políticos do Rio Grande do Norte. foi figura de evidência em Natal até a terceira década do século XX. Destacou-se como solista, regente, professor e diretor do Teatro Carlos Gomes durante a gestão de seu irmão, governador Alberto Maranhão. É o tema de “O Maestro Cipião”. (“Cidade do Natal” (XIII), A República, 17/02/1949).

Na (“Elegia Pró Villa-Lobos”, “Acta Diurna”, A República, 20/11/1959), Cascudo homenageia o maestro de quem fora amigo, quando de seu falecimento: Agora

é possível e lentamente medir-se o tamanho do gigante imóvel para sempre na História da Música. Podemos calcular a extensão dessa força impetuosa e sonora quando ela deixa de produzir e de agitar-se no mundo.

O padre norte-rio-grandense Cromácio Leão (Canguaretama, RN, 1886-Jaboatão dos Guararapes, Pe. 1951), pároco em Jaboatão dos Guararapes/Pe, mantinha uma escola e uma banda de música de estudantes. Era regente e compositor de grande número de obras, algumas gravadas e a maior parte delas inédita. Recordo o musicista,

o compositor, o devotado amigo da música instrumental. Em outubro de 1926 ouvi suas composições, regidas por ele mesmo e executadas por um conjunto de amadores de sua paróquia, rememorou em “Padre Cromácio Leão”. (Diário de Natal, 26/06/1962)43.

Cascudo e Oswaldo de Souza foram fraternais amigos desde os tempos da juventude e partilhavam os mesmos ideais culturais nacionalistas. Na crônica “Oswaldo de Souza e o Folclore Musical” (Correio Brasiliense, 17/10/65; republicada na Tribuna

Popular, Rio de Janeiro, 5/01/67), Cascudo destaca a atuação desse musicista como

pesquisador de melodias folclóricas:

Oswaldo de Souza andou ouvindo e registrando o folclore musical de São Paulo, litoral e planalto; Minas Gerais, região norte, Diamantina, Alagoas, Delmiro Gouveia, imediações de Paulo Afonso; Bahia em diversas zonas. Em 1949 recolheu no médio Rio São Francisco mais de 500 documentos

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musicais, pesquisando ainda as populações fixadas em dois afluentes, Corrente e Rio Grande.

Oswaldo de Souza foi, ainda, destacado compositor, com obras impressas e gravadas por intérpretes de renome44.