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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.4. Obstáculos

4.4.4. Formação e Experiência Profissional dos Professores

Inclui a opinião do PEF, da PEE e da directora de turma relativamente à formação inicial fornecida pelas instituições superiores e à experiência que os professores possuem no ensino de alunos com incapacidades.

Apoiados em vários autores (Chen, Lau Kwok, & Jin, 2006; Hardin, 2005; Hodge, 1998; Hutzler, Zach, & Gafni, 2005; Klavina, Block, & Larins, 2007; Kudláèek, Válková, Sherrill, Myers, & French, 2002), podemos afirmar que é necessária uma formação mais especializada, mais direccionada para as necessidades educativas especiais, promovendo experiências com alunos NEE desde cedo. A opinião da PEE é a seguinte:

―eu acho que devia logo haver uma certa sensibilização e formação de base nas próprias faculdades. Não quer dizer que tivessem necessariamente uma

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Cursos de Educação e Formação.

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formação especializada, não é esse o caso mas era necessário algumas das cadeiras que têm na faculdade terem algumas vertentes e algumas valências nesse aspecto de trabalhar com alunos da educação especial. Acho que enriquecia não só o currículo mas enriquecia também a formação dos professores e depois quando fossem para o terreno não seria uma coisa completamente nova que nunca tenham ouvido falar e isso, parecendo que não era uma boa ajuda‖. (PEE, Focus Group)

Estudos comprovam que a experiência dos professores em trabalhar com os alunos com necessidades educativas especiais na sua formação inicial é nula, levando a que na vida profissional, o professor se sinta incapaz de lidar com esses alunos. A DT revela-nos: ―nunca tive formação nessa área, é um facto embora tenha lidado já com miúdos de educação especial numa instituição onde sou voluntária, mas numa aula propriamente dita não tenho essa experiência, acho que não seria capaz‖ (DT, Focus Group).

A opinião do PEF está mais relacionada com a formação académica: ―a formação não estou a ver nas faculdades a ser dada isso é outra coisa que de certeza tão cedo não será abordada‖. (PEF, Focus Group)

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O objectivo central deste estudo foi explorar o fenómeno da diferenciação pedagógica nas turmas regulares com alunos com necessidades educativas especiais, na disciplina de Educação Física. Procurámos perceber de que modo essa diferenciação é concretizada e os principais aspectos implicados na mesma. Ao problema de partida, juntaram-se outros que, com o decorrer da investigação, foram emergindo oportunamente, adquirindo uma relevância tal que foi de todo impossível ficarmos indiferentes. Se por um lado a diferenciação do ensino mexe com procedimentos didáctico-pedagógicos, também é verdade que estes possuem por inerência um contexto social rico, o qual não poderíamos menosprezar.

Considerando os grandes temas do presente estudo e os seus protagonistas, é possível salientar os seguintes aspectos conclusivos.

Ao estabelecer como principal finalidade para os alunos com incapacidades promover a autonomia, a socialização e a integração na escola, o núcleo de ensino especial comprometeu seriamente o desenvolvimento das capacidades físicas condicionais e coordenativas desses alunos, desmarcando o professor de Educação Física dessa responsabilidade. A nosso ver, deveria sim concretizar-se um currículo específico individual, para cada um dos alunos com necessidades educativas especiais da turma, onde estariam contemplados os conteúdos passíveis de serem apreendidos na disciplina de Educação Física. As percepções dos professores em relação aos alunos com incapacidades também não são muito abonatórias. Como pudemos verificar, citações como “vem aí mais trabalho”, “não sei trabalhar com esses alunos” ou “não tenho capacidades nem conhecimentos” são bastante frequentes no seio dos professores do ensino regular, vigorando ainda o estereótipo de que os alunos com necessidades educativas especiais necessitam obrigatoriamente de professores especializados. Ora actualmente, com o processo inclusivo a adquirir força, generalizando-se a todas as instituições públicas de ensino, é requerido ao professor uma grande capacidade de adaptação e de actualização permanente tendo em vista uma adequação à nova realidade que, tudo indica, irá manter-se ainda por longos anos.

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Face a esta conjuntura, a aceitação social dos alunos com incapacidades parece nitidamente um valor a ter em consideração. E quando mais cedo ela acontecer, mais favorável e positiva se revelará, conforme pudemos constatar através dos dados recolhidos.

Um dos factores que contribui igualmente para uma integração plena num grupo de alunos do ensino regular é a participação e o apoio da família que, convenhamos, é a pedra basilar para o sucesso de todo este processo. No nosso estudo pudemos aferir que as famílias ora apoiam, ora criam barreiras. Se por um lado, a parte social e afectiva esteve garantida, prestando um apoio contínuo e empenhado aos seus educandos, zelando sempre pelo seu bem- estar; por outro lado, a falta de abertura e receptividade para a realização de actividades diferentes dificultou de alguma forma o processo de integração para além da escola.

Através do carácter lúdico do jogo e de toda a especificidade inerente à disciplina, o movimento, a grande frequência de interacções, o contacto e a exposição corporal levam a que os índices de motivação, regra geral, se situem continuamente em valores elevados. No entanto, este pressuposto apenas é válido para uma turma regular composta inteiramente por alunos sem incapacidades. Se acrescentarmos os alunos com incapacidades, estes poderão não sentir o mesmo grau de motivação que os seus pares sem incapacidades, dado que nem todas as actividades são passíveis de serem realizadas por eles. Portanto, o que parecia aparentemente fácil, torna-se neste momento um pouco mais complicado, sendo exigido, ao professor, a selecção de estratégias diversificadas que vão de encontro às suas necessidades, o que não se veio a concretizar. Muito pelo contrário.

O que verificámos, na realidade, foi que os alunos com NEE não tiveram nenhum apoio específico nas aulas, nem tão pouco foram alvo de adaptações, tendo realizado as mesmas actividades do que os seus colegas, a maioria sem êxito. As actividades que o professor de EF propôs tiveram um carácter rígido, não permitindo alterações de nenhuma índole. Justifica advogando que para os alunos com incapacidades se sentirem iguais têm de percorrer os mesmos caminhos e realizar as mesmas actividades. Ora, se os alunos apresentam

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características particulares, únicas e daí diferentes de qualquer outro colega, porquê apostar numa igualdade que nunca irá acontecer? As diferenças estão presentes em todos nós, são elas que nos distinguem uns dos outros, por isso o primeiro passo para a diferenciação passa por aceitar as diferenças e não tentar colocar os alunos todos no mesmo patamar. Tomlinson refere que “não é a estandardização que faz a turma trabalhar” (1999, p. 12).

Uma das estratégias que o professor utilizou nas aulas para promover uma diferenciação pedagógica eficaz foi o trabalho de grupo. Os alunos com incapacidades, deixados à sua sorte, poderão não concretizar a actividade mas, quando auxiliados e apoiados por outro(s), sem incapacidades, essa possibilidade deixa de existir. Por isso, o professor determinou, na nossa perspectiva de forma positiva, um sistema rotativo em que todas as aulas os alunos com NEE eram acompanhados por um colega sem incapacidades, numa espécie de peer-tutoring. Desta forma, os alunos com incapacidades viram-se obrigados a trocar de parceiros o que contribuiu para um aumento da sua integração na turma.

No entanto, na formação de grupos com um número superior de elementos, o professor utilizou o método de escolha a partir dos alunos, não demonstrando qualquer intencionalidade pedagógico-didáctica. A nosso ver este método acentua as diferenças existentes entre os alunos com e sem incapacidades uma vez que estes são sempre escolhidos em primeiro lugar. Do ponto de vista psico-sociológico, é altamente negativo para os alunos com NEE.

Se fosse considerada, a organização de grupos de forma flexível poderia fornecer uma série de outros benefícios, entre os quais: (1) a oportunidade de um ensino e aprendizagem cuidadosamente orientados, (2) o acesso a todos os materiais e indivíduos da sala de aula, (3) uma possibilidade dos alunos se verem numa ampla variedade de contextos e (4) dados de avaliação ricos para o professor que observa os seus alunos numa vasta gama de contextos.

No que diz respeito aos conteúdos programáticos, não se vislumbrou nenhuma alteração ou adaptação. Na sua planificação, quer diária quer semanal, o professor não contemplou as necessidades e características dos alunos, apontando os mesmos conteúdos para todos indiscriminadamente. Aliás, como

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pudemos verificar na discussão dos resultados, o professor quase que não planifica, orientando-se apenas pela sequência de conteúdos definida a nível de escola para o respectivo ano de escolaridade, independentemente do tipo de alunos que possui à sua frente. Deste modo, estando a efectividade da aula directamente relacionada com a forma como o professor a planifica (Metzler, 2000), podemos concluir que os níveis de aprendizagem ficaram longe do desejado.

No âmbito da avaliação, o professor de EF afirma “diferenciar na sua consciência” através da observação o que por si só revela falta de rigor, validade e fidelidade do processo. Além disso, este tipo de avaliação não permite aos alunos com incapacidades atingir a nota máxima, penalizando-os deste modo duplamente. Como constatámos anteriormente, o professor não ajusta as actividades às necessidades dos alunos, administrando conteúdos e promovendo competências demasiado complexos, inalcançáveis do ponto de vista técnico e físico para os alunos com incapacidades. Quer isto dizer que, independentemente do grau de empenho ou nível de performance dos alunos com NEE, eles nunca poderão atingir a classificação máxima, a mesma que é permitida aos seus pares sem incapacidades alcançar. Por conseguinte, receamos que o nível de desempenho, a motivação e até mesmo a parte social saia severamente afectada, em especial esta última pois, mais uma vez, são colocados à margem da norma.

Não obstante este facto, a relação que o professor estabeleceu com os alunos com necessidades educativas especiais pautou-se por uma enorme interactividade, havendo frequentemente a preocupação do professor enviar feedbacks no sentido deles melhorarem a sua performance e promover o seu empenho. Foi também evidente uma postura bastante séria do professor para com os seus alunos, não dando azo a muitos comportamentos desviantes. Relativamente aos obstáculos detectados, quer para uma inclusão, quer para uma diferenciação pedagógica eficazes, eles consistem essencialmente em quatro pontos: (a) recursos humanos, (b) número de alunos por turma, (c) legislação em vigor e (d) formação e experiência profissional dos professores.

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Dado o número elevado de alunos sinalizados com necessidades educativas especiais (24) e para se obterem resultados mais positivos, era bem necessário um aumento de recursos humanos, designadamente psicólogos, terapeutas e professores do ensino especial. A articulação horizontal multidisciplinar de forma cooperativa é algo que ainda não se encontra implementada. O fomento do trabalho cooperativo entre professores, terapeutas, comunidade escolar e famílias é um objectivo a privilegiar na inclusão de alunos com NEE. É necessário deixar de lado atitudes conservadoras, inflexíveis e assumir de uma vez por todas a necessidade de colaboração, reconhecendo que a inclusão educativa é um fenómeno cada vez mais presente e que exige uma intervenção pronta, eficaz e empenhada. “Se todas as disciplinas fizerem uso das suas melhores práticas, os resultados máximos para os alunos com incapacidades serão obtidos”. (Horton, 2003, p. 17)

O elevado número de alunos por turma apresenta-se também como um obstáculo. O nosso grupo de estudo, possuía 21 alunos, dois dos quais com necessidades educativas especiais, número que na nossa opinião é exagerado e desajustado tendo em conta as características e as necessidades desses alunos. Apesar de estar em conformidade com a legislação actual, que fixa o número mínimo de alunos por turma em 20 elementos, indiferentemente de possuir um ou dois alunos com incapacidades, não deixa de merecer a nossa visão crítica.

Acerca da legislação que actualmente se aplica ao ensino especial, podemos afirmar que possui pontos positivos e pontos negativos. Por um lado, veio esclarecer alguns aspectos que criaram alguma confusão na legislação anterior, como por exemplo a avaliação. Apresenta melhorias também ao nível das parcerias e dos alunos com baixa visão ou cegos. Como ponto negativo encontramos a exclusão dos alunos com dificuldades de aprendizagem da base de dados de alunos com necessidades educativas especiais, situação que estava contemplada na anterior legislação.

A formação profissional do PEF assumiu-se como uma forte barreira para a inclusão e a diferenciação pedagógica. O principal obstáculo residiu no currículo do curso de formação inicial, que não lhe facultou uma formação

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especializada no ensino especial, nem lhe proporcionou o contacto com alunos com necessidades educativas especiais.

Curiosamente, tendo o professor trabalhado com alunos com NEE, era de prever que tivesse outro tipo de actuação, mais incisiva e flexível, o que não se verificou.

Em jeito de remate final, podemos considerar que a inclusão dos alunos com necessidades educativas especiais foi efectuada com êxito no entanto o mesmo já não aconteceu com a diferenciação pedagógica. Se virmos simplesmente a diferenciação pedagógica como a modificação de um qualquer procedimento, actividade ou estratégia, ela aconteceu tal como aconteceria em todas as nossas aulas. No entanto, ela não se resume a isso. Existe uma grande variedade de processos, complexos e exigentes, necessários para uma diferenciação pedagógica eficaz. Neste sentido, é requerido: um grande conhecimento dos alunos, dos seus interesses, perfis de aprendizagem e características; um grande conhecimento da matéria de ensino; uma boa capacidade de imaginação e criatividade de modo a proporcionar actividades adequadas e adaptadas às necessidades e interesses dos alunos; uma enorme flexibilidade na formação de grupos, na utilização de estratégias e nos procedimentos adoptados para a avaliação; uma avaliação contínua de modo a diagnosticar sistematicamente os alunos de forma a moldar o processo de ensino-aprendizagem diariamente e consoante as necessidades dos alunos. Após a realização deste estudo fica a necessidade de se efectuarem novas investigações acerca desta temática, envolvendo mais grupos de estudo e uma abordagem metodológica mista, onde os dados qualitativos dialogam com os quantitativos. Nesta perspectiva, seria interessante, por exemplo, proceder a uma análise profunda dos feedbacks emitidos pelos professores, inquirir os alunos acerca das suas percepções perante a inclusão, efectuar entrevistas aos professores de outras disciplinas, aos alunos e às famílias dos alunos com necessidades educativas especias.

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