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4. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

4.2.2. Percepção dos Professores

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A sub-categoria Percepção dos professores inclui essencialmente as crenças que os professores possuem acerca da inclusão dos alunos NEE nas turmas regulares. Procura transmitir o que os professores pensam da inclusão, os seus receios, anseios e concepções.

Aquilo que o professor pensa acerca da inclusão de alunos com incapacidades na sua sala de aula regular é determinante na sua actuação, no modo como vai conduzir o processo de ensino, sobretudo daqueles que lhe exigem maior atenção. O professor tem consciência que um dos seus deveres é potenciar a aprendizagem de todos e não apenas daqueles que lhe agradam mais ou lhe dão menos trabalho, no entanto o que se verifica é precisamente um esquecimento deliberado dos que mais precisam de si. Por acarretarem a necessidade de uma pedagogia diferenciada, o que implicaria alterações a vários níveis, uma ideia de acréscimo de trabalho não é de todo desajustada, como nos confessou o PEF: ―uma pessoa pensa sempre: pronto vem aí mais trabalho, não é?‖ (PEF, Entrevista 1)

Podemos induzir, por conseguinte, que esta ideia, num primeiro momento, possa efectivamente pairar na mente do professor mas, com o decorrer do tempo, a perspectiva de ter um aluno (ou mais) com NEE integrado numa turma sua, é muito possível que se esvaneça e o professor se sinta cada vez mais à vontade com a situação, tirando até proveito de alguns pontos positivos. Pelo menos é o que nos diz o PEF:

―Trabalha-se melhor, porque as turmas são mais pequenas. Portanto, até...e não é um miúdo que traga problemas nem nada.Normalmente nunca trazem, não é? E até é agradável trabalhar com eles‖.(PEF, Entrevista 1)

Na outra ponta situa-se a Directora de Turma, doravante designada como DT, que não se vê capaz de dar resposta às necessidades dos alunos com incapacidades, apontando para isso, várias razões:

―Uma coisa é certa, e isto não tem a ver com qualquer antipatia ou falta de sensibilidade em relação a estes alunos, tem a ver com falta de capacidade. Se eu estivesse na aula de História, por exemplo, dadas as dificuldades que se encontram numa turma normal, já com a diversidade que há de alunos, eu não conseguiria dar conta da situação, isso é certo e sabido, a menos que estivesse alguém de facto ali que me ajudasse e controlasse ou estivesse com a criança, com o jovem em causa a ajudar-me a fazer esse trabalho porque,

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dadas as limitações que nós temos e o conjunto da heterogeneidade de alunos que temos agora, todos eles exigem uma atenção especial, um cuidado especial e uma forma de ensinar especial. Acho que eu não me sinto capacitada e a maior parte dos colegas estão talvez na minha situação, para lidar com este tipo de alunos na sala de aula sem alguém que me salvaguardasse em que estivesse comigo a ajudar‖. (DT, Focus Group)

―Eu sentir-me-ia presa ali, se calhar não conseguiria sair, não que ache que os miúdos não tenham o direito de ter de usufruir das mesmas situações que os outros têm mas porque eu, se calhar, não seria capaz―. (DT, Focus Group) ―Acho é que se o aluno estiver sozinho na sala de aula connosco, nós não vamos conseguir nem lidar com ele, nem lidar com o outros―. (DT, Focus

Group)

―Eu não ia conseguir dar aulas a uma turma com alunos heterogéneos como são hoje em dia, dar atenção a todos, dar o programa e trabalhar com o miúdo do ensino especial com determinadas características peculiares, que não atinge as mesmas competências com a mesma facilidade que os outros‖. (DT,

Focus Group)

Existem a nosso ver, no discurso da DT, dois pontos que carecem de uma análise mais detalhada. Em primeiro lugar, o discurso adoptado caracterizou-se pelo uso repetido de determinadas expressões, exprimindo por isso, várias vezes a mesma ideia, o que nos indica os pontos aos quais é atribuído maior significado. Assim, as expressões ―falta de capacidade‖, ―não conseguiria dar conta da situação‖, ―não me sinto capacitada‖, ―não conseguiria sair‖, ―não seria capaz‖, ―eu não ia conseguir‖ remetem-nos para a falta de segurança e de preparação da professora para receber os alunos com NEE na sua sala de aula. Segundo a DT, esta situação advém do facto de nunca ter tido alunos com incapacidades nas suas turmas, o que é de todo compreensível. Todavia, o facto de ter vivido experiências com alunos com NEE, ―embora tenha lidado já com miúdos de educação especial numa instituição onde sou voluntária‖ (DT, Focus Group), não coincide com os resultados dos estudos de Heikinaro- Johansson & Sherrill (1994), Reynolds, Reynolds & Mark (1982) e Stewart (1990) que nos dizem que as experiências prévias com indivíduos incapacitados promovem atitudes mais positivas e favoráveis em relação aos alunos com NEE.

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Um outro ponto que gostaríamos de sublinhar tem que ver com a alternância da utilização do discurso quanto ao número, ou seja, do singular “eu” com o plural “nós” e “eles”, sobretudo quando se refere à sua falta de capacidade em lidar com os alunos com incapacidades. Deste modo, aos exemplos acima referidos, onde o discurso é realizado no singular, juntam-se as expressões classificadas no plural: ―a maior parte dos colegas estão talvez na minha situação‖ e ―nós não vamos conseguir‖, sugerindo que não se encontra sozinha neste processo. Às custas desta generalização procurou, certamente, atenuar a sensação de impotência perante os alunos com incapacidades, ao colocar-se em pé de igualdade com a maioria dos docentes. A noção de grupo apresenta- se então aqui como um suporte emocional às lacunas evidenciadas pela DT.

4.2.3. Cooperação

Esta sub-categoria inclui o tipo de cooperação existente entre todos os elementos da comunidade educativa no geral e aquela que é preconizada na aula de Educação Física em particular, a atitude dos professores perante o trabalho cooperativo, entre si e entre os alunos, o estado actual e a perspectiva evolutiva do cooperativismo.

A cooperação entre todos os elementos da comunidade educativa afigura-se fundamental no processo de inclusão na educação. É por demais evidente a necessidade de emergir um sentimento comum, que una os agentes educativos na demanda para ajudar todos os alunos a serem integrados, aceites e respeitados. No entanto ainda reside a ideia de que essa tarefa cabe unicamente aos professores do ensino especial, sendo rejeitada, à partida, qualquer tipo de responsabilidade nessa matéria por parte dos professores das outras áreas: ―e, não houve preparação mínima portanto, esforço que deveria ser de todos os professores, não só do ensino especial‖. (PEF, Entrevista 1) Expressões como ―Dá-me aí uma ajuda ou, como é que a gente pode fazer?‖ (PEE, Focus Group) serão ainda muito escassas nas nossas escolas, o que nos leva a reflectir sobre três aspectos fundamentais: o primeiro provém de uma indução lógica, isto é, se não há um pedido de auxílio é porque à partida,

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os professores possuem conhecimentos, competências e experiência suficientes no ensino de alunos com NEE. Esta hipótese é, no entanto, refutada pelas razões que têm vindo a ser apontadas no decorrer deste estudo.

A segunda questão que se nos levantou tem que ver com a possibilidade de existência de uma imagem estereotipada de quem requer ajuda. Será que quem solicita ajuda está a manifestar um sinal de inferioridade perante os seus semelhantes? Um pedido de ajuda subentende sempre uma necessidade, uma resposta que é necessária dar para ultrapassar um obstáculo, acarretando, por conseguinte, uma falha, seja ela por falta de conhecimento, experiência ou personalidade. Perante uma destas situações, é possível que o professor se apresente relutante em clamar por ajuda a um dos seus colegas de trabalho, preferindo antes disso, esgotar todas as hipóteses que poderiam solucionar o seu problema, levando-o provavelmente a proceder, por vezes, erradamente. O terceiro aspecto que merece a nossa atenção relaciona-se com a atitude dos professores perante a inclusão de alunos com NEE. Na nossa perspectiva, o processo inclusivo tem sido altamente menosprezado pela generalidade dos professores que não lhe reconhecem a devida importância, ideia corroborada pela PEE: ―há muita resistência em considerar que é uma pessoa com direitos e obrigações igual a qualquer outra, ainda existe um bocadinho essa marginalidade, pronto, não há muito essa sensibilidade ainda‖. (PEE, Focus Group)

Efectivamente este deve ser o factor que adquire maior peso na falta de cooperação evidenciada entre os professores. Pelo menos, a PEE atribui especial destaque ao trabalho cooperativo:

―o trabalho cooperativo que ainda não está implementado, não está, nas nossas escolas, não está esse trabalho implementado‖ (PEE, Focus Group); ―é este tipo de cooperação que também é necessário haver. Não só o professor de educação especial tomar a iniciativa e falar com os professores, mesmo até a nível individual mas também é preciso o feedback ao contrário e um bocadinho de boa vontade também para querer...‖ (PEE, Focus Group).

Além da boa vontade dos professores, que é proferida em vários momentos da entrevista de focus group ―já depende só, neste momento ainda da boa vontade; tirando essa parte não existe essa vontade também de aprender

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como trabalhar com os outros que são mesmo muito especiais‖ e ―também era necessário vontade por parte dos professores para querer aprender‖ (PEE, Focus Group), são também apontadas mais duas características: ―e depois, a nível do terreno, independente de qualquer formação, se houver um bocadinho de sensibilidade e bom senso já muitas coisas também se conseguem resolver por aí e às vezes também não existe essa vertente‖ (PEE, Focus Group).

Aos olhos da PEE, a cooperação é algo “que nós temos obrigação de fazer‖, no entanto, no caso particular desta escola, apenas uma professora se mostrou interessada em trabalhar de maneira diferente com os alunos com NEE:

―realmente só um professor demonstrou interesse e dizer «como é que eu vou fazer isto? Eu agora precisava», porque isso também se pode recorrer, e é da obrigação e da competência do professor do ensino especial (...) e agora «eu tenho este conteúdo para trabalhar, como é que eu vou trabalhar este conteúdo?‖ (PEE, Focus Group)

Este trabalho cooperativo resultou numa diferenciação pedagógica eficaz, pelo menos no caso concreto da disciplina de Matemática, onde várias fichas formativas, para diferentes níveis, foram compiladas numa capa de acesso livre, pelo núcleo de ensino especial, o que possibilitou à professora trabalhar os mesmos conteúdos mas de forma diferente, mais simples e acessível, como nos narra a PEE:

―por exemplo neste caso a matemática a Andreia: «olha eu precisava de coisas para trabalhar números ou a geometria», houve essa preocupação até porque a Andreia diz «eu precisava era de mais tempo e precisava pronto, que eles até eram capazes de evoluir muito mais». Mas ela ao menos mostrava preocupação de dizer eu preciso de trabalhar os número não sei quê ou a geometria, neste caso as figuras geométricas e então pronto, dentro daquilo que ela estava a trabalhar o conteúdo, claro muito mais elaborado em relação aos outros alunos eles não estavam assim tão desfasados estavam a fazer fichas de trabalho sobre realmente os sólidos geométricos, as figuras geométricas claro dentro das capacidades que eles têm, mas também estavam a trabalhar o mesmo conteúdo não tão elaborado, muito mais básico, mais simples, mas eles conseguiam‖ (PEE, Focus Group).

A cooperação nestes moldes entre o ensino especial e o professor da disciplina de Educação Física já não se revelaria tão frutífera dado que o material de apoio existente não contempla esta área específica, cabendo ao professor a

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tarefa de regular e gerir o ensino das crianças com incapacidades sozinho. De acordo com o grau de incapacidade do aluno, o professor pode ou não ter a tarefa facilitada. Se a incapacidade for ligeira e permitir que o aluno tenha uma boa mobilidade, o professor não se verá obrigado a efectuar grandes mudanças na sua aula, ao contrário do que aconteceria se o tipo de incapacidade fosse mais grave.

O que o professor poderá eventualmente fazer é utilizar o modelo de ensino cooperativo, onde todos os alunos assumem um papel preponderante na aquisição da sua aprendizagem e na dos seus colegas, uma vez que no ensino cooperativo o objectivo é alcançado apenas quando todos os elementos do grupo o alcançarem (Metzler, 2000).

O PEF aborda de forma rudimentar a cooperação entre os seus alunos, mas apenas como forma de incentivo e não tanto como forma de aquisição de competências:

―Um exemplo do que eu costumo fazer é, por exemplo, pôr alguém que faça já bem de maneira que, e falando no caso das meninas, de maneira que elas também se apercebam e aprendam qualquer coisa com os colegas que já fazem bem, portanto se eles conseguirem ou então uma miúda que faz tudo bem, ponho essa miúda com as duas ou três com mais dificuldade, que elas próprias acham que conseguem, não é incentivar mas, conseguem ver, se aquela conseguiu fazer, então eu também consigo‖ (PEF, Entrevista 2)

No cômputo geral, a PEE assinala uma melhoria da educação especial: ― ao longo dos anos, as coisas também têm vindo um bocadinho a melhorar. Só desde os anos 80 é que nós estamos a batalhar, digamos assim nesta área da educação especial e isso, até agora as coisas têm evoluido positivamente. Podiam era evoluir mais rapidamente a nível de mentalidades porque quer a nível social, quer a nível de ensino propriamente dito‖ (PEE, Focus Group).